No dia 2 de janeiro de 1815 a Gazeta de Lisboa expressava o sentimento geral de satisfação que existia na Europa face à queda do império napoleónico e às expetativas que trazia o Congresso de Viena:
“Começa finalmente hum ano de paz, depois de tantas e sanguinozas guerras; respira a humanidade, tanto tempo opressa pela tyrannia; e se o anno passado há de ser eternamente memorável pelo estrondo das victorias que conquistarão a paz da Europa, desthronárão o Despota, e restituírão os thronos aos legítimos Soberanos, não o ficará sendo menos o presente pelo complemento que a esta grande obra hão de pôr os Monarcas por meio do Congresso de Vienna, cujas decisões acertadas esperamos satisfarão a toda a família Européa”[2].
A questão da Casa de Bragança

Com a morte da mãe, D. Maria I, o príncipe regente D. João é aclamado rei D. João VI (Aclamação do rei Dom João VI no Rio de Janeiro, 20 de março de 1816 a 7 de setembro de 1822). In Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou, Séjour d’un artiste français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831, Debret, Jean Baptiste, 1834. Biblioteca Mario de Andrade, Sao Paulo.
Aclamação: 6 de fevereiro de 1818
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Segundo os princípios adotados pelo Congresso de Viena, a questão da Casa de Bragança não se encontrar na Europa teria de ser tratada. Assim, a solução proposta pelo representante francês no Congresso, o príncipe Charles-Maurice de Talleyrand, foi a que D. João VI acabou por adotar, a elevação da colónia brasileira à condição de Reino Unido, igualando o seu estatuto ao da metrópole (D. João passou a ostentar o título de Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e mais tarde rei das três coroas unidas, entre as quais, aquela onde residia como Rei do Brasil).
O representante inglês também concordou com a ideia, que resultou na efetiva criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 16 de dezembro de 1815, instituição jurídica rapidamente reconhecida pelas outras nações. Esta medida, além de defender a presença da Europa e da realeza na América, também agradou à colónia brasileira que se viu elevada a Reino do Brasil, ajudando, deste modo, a afastar a ideia da sua independência.
D. João, interessado na manutenção da soberania portuguesa do espaço colonial, ameaçado pela ascendência norte-americana e inglesa fez publicar em 16 de dezembro de 1815 a Carta de Lei onde afirmava: “Que os meus Reinos de Portugal, Algarves, e Brasil formem dora em diante um só e único Reino debaixo do título de REINO UNIDO DE PORTUGAL, E DO BRASIL, E ALGARVES”. Esta lei saudada no Rio, não foi tão bem-recebida em Portugal. A elevação a Reino Unido colocava o Brasil em condições de igualdade ou até em situação superior a Portugal, dado que a Corte permanecia no Rio de Janeiro. A notícia só foi publicada em Lisboa em 1816, no nº 299 da Gazeta de Lisboa[3].
A defesa da ação colonialista na América levou a que os britânicos não quisessem fazer parte da Santa Aliança dado que esta incluía a hipótese de intervir nas independências da América. O afastamento inglês justifica-se pelo interesse da Coroa Britânica em alargar os seus negócios com as recém-independentes nações, das amarras impostas pelo pacto colonial. Em contrapartida, o governo francês, visando recuperar o seu prestígio diplomático, decidiu juntar-se às restantes monarquias em sinal de fidelidade[4] .
Também a ameaça dos Estados Unidos quanto a uma possível intervenção na América Latina era uma realidade exequível, uma vez que já eram o mais importante país das Américas, embora ainda lá existissem algumas possessões coloniais.
Em 13 de maio de 1816 foram criados os símbolos do novo reino, expedindo D. João VI uma carta de lei que criou a heráldica do Brasil e regulamentou a do Reino Unido. Nesta carta de lei de 13 de maio de 1816 D. João refere explicitamente um antecedente histórico, a de “incorporar em hum só Escudo Real as Armas de todos os tres Reinos”, da mesma “fórma que o Senhor Rei Dom Affonso Terceiro, de Gloriosa Memoria, Unindo outróra o Reino dos Algarves ao de Portugal, Unio tambem as suas Armas respectivas”.

Armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
1817



Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade há por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil, e incorporar em hum só Escudo Real as Armas de Portugal, Brasil e Algarves
[Dom João, por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves, d’aquém, e d’além mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio …]
Rio de Janeiro: 1817
Biblioteca Nacional do Brasil
[1] Gazeta de Lisboa, 2 de j
[2]Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5.SILVA, Luiz Augusto Rebelo da – Quadro Elementar Das Relações politicas e Diplomaticas de Portugal, Tomo XVIII. Lisboa: Typ. da Academia Real das Sciencias, 1860, pp. 501-502
[3] Gazeta de Lisboa, nº 299, 17 de dezembro de 1816, edição de terça- feira.
Veja-se CIRCULARES DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS – 1815-1870, Circular de 23 de dezembro de 1815. Índice: “Participando a elevação do Estado do Brasil à dignidade de Reino, e unido aos de Portugal e dos Algarves, por Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815, da qual se incluíram alguns exemplares.”. In AHI 317/03/06 (Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro). Vide Anexo 3; BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto – Textos Políticos da História do Brasil, 3ª ed., vol.I. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2002, nº 41 (Elevação do Brasil à categoria de Reino – Carta de Lei do Príncipe D. João (18 de dezembro de 1815)).
[4] SARDICA, José Miguel –A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, pp. 347-349.
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VEIGA, Francisca Branco (2023), A Questão da Casa de Bragança no Congresso de Viena e a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [12 de Julho de 2023].
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VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus. Companhia de Jesus. O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)