Símbolo da Páscoa – O Cordeiro

É um dos símbolos mais antigos da Páscoa. Lembra a aliança que Deus fez com o povo judeu no Antigo Testamento.

Naquela época, a Páscoa era celebrada com o sacrifício de um cordeiro.

Para os cristãos, Jesus Cristo é o “cordeiro de Deus que tirou os pecados do mundo”(João 1:29)

 

“Retábulo de Ghent”, composto por 12 painéis, considerado a primeira grande pintura a óleo a ganhar admiração mundial. Ao centro inferior, a “Adoração do Cordeiro Místico”, pintada pelos irmãos Van Eyck, em 1432. KIK-IRPA, Brussels, Belgium (o retábulo do altar de Ghent começou a ser pintado em 1420 por Hubert van Eyck, morto seis anos depois, sendo terminada por seu irmão mais novo Jan, em 1432). 

Mensagem de João Paulo II para o XL Dia Mundial de Oração pelas Vocações

11 de maio de 2003 – IV Domingo de Páscoa 

TEMA: A Vocação ao Serviço   

Venerados irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs de todo o mundo!

2. …“Como um cordeiro conduzido ao matadouro…” (Is 53,7).

Na Sagrada Escritura existe uma forte e evidente relação entre o serviço e a redenção, assim como entre serviço e sofrimento, entre Servo e Cordeiro de Deus. O Messias é o Servo sofredor que carrega sobre os ombros o peso do pecado humano, é o Cordeiro “conduzido ao matadouro” (Is 53,7) para pagar o preço das culpas cometidas pela humanidade e prestar, deste modo, o serviço de que ela mais precisa. O Servo é o Cordeiro que “foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca” (Is 53,7), mostrando, assim, uma extraordinária força: aquela de não reagir ao mal com o mal, mas de responder ao mal com o bem.

É a mansa determinação do servo, que encontra em Deus a sua força e por Ele, exactamente por isto, se torna “luz das nações” e operador de salvação (Is 49,5-6). A vocação ao serviço é sempre, misteriosamente, vocação a tomar parte de modo muito pessoal, também árduo e sofrido, no ministério da salvação

    Sacrário Cordeiro

Homilia de Bento XVI na missa de inauguração do Pontificado.

SANTA MISSA

IMPOSIÇÃO DO PÁLIO E DO ANEL DE PESCADOR PARA O INÍCIO DO MINISTÉRIO PETRINO DO BISPO DE ROMA

HOMILIA DE SUA SANTIDADE BENTO XVI

Praça São Pedro

Domingo, 24 de Abril de 2005

“… O símbolo do cordeiro tem ainda outro aspecto. Era costume no antigo Oriente que os reis se designassem a si mesmos como pastores do seu povo. Esta era uma imagem do seu poder, uma imagem cínica: para eles, os povos eram como ovelhas das quais o pastor podia dispor a seu bel-prazer. Pelo contrário, o pastor de todos os homens, o Deus vivo, fez-se ele mesmo cordeiro, pôs-se do lado dos cordeiros, dos que são pisados e sacrificados. É exactamente assim que Ele se revela como o verdadeiro pastor: “Eu sou o bom pastor […]. Eu dou a minha vida pelas ovelhas”, diz Jesus de si mesmo (Jo 10,14).

Não é o poder o que redime, mas o amor! Este é o sinal de Deus: Ele mesmo é amor. Quantas vezes desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte! Que Ele castigasse duramente, que abatesse o mal e que criasse um mundo melhor! Todas as ideologias do poder justificam-se desta forma, justificam a destruição do que se opõe ao progresso e à libertação da humanidade. Nós sofremos pela paciência de Deus. E, não obstante, todos necessitamos da sua paciência. O Deus, que se fez cordeiro, diz-nos que o mundo se salva pelo Crucificado e não pelos crucificadores. O mundo é redimido pela paciência de Deus e destruído pela impaciência dos homens.

Uma das características fundamentais do pastor deve ser amar os homens que lhe foram confiados, tal como ama Cristo, ao serviço de Quem está. “Apascenta as minhas ovelhas”, diz Cristo a Pedro, e a mim, neste momento. Apascentar quer dizer amar, e amar quer dizer também estar dispostos a sofrer. Amar significa dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença, que Ele nos dá no Santíssimo Sacramento…”

 Representação romântica do Cordeiro de Deus na capela de St. Remigius

Cordeiro Pascal
                 c. 1660-70, óleo sobre tela
                 88 x 116 cm
                 Museu Regional Évora, Portugal

O Cordeiro

 O Cordeiro simboliza Cristo, que é o filho e cordeiro de Deus, sacrificado em prol de todo o rebanho (humanidade). Embora tido como símbolo da Páscoa cristã, o cordeiro já era muito importante na Páscoa judaica e nos cultos Teutónicos, onde era frequente o sacrifício de animais aos deuses.

O sentido dos sacrifícios do Antigo Testamento e o Sacrifício de Cristo

 Os hebreus tinham o costume de matar um cordeiro em sacrifício a Deus, para remissão dos pecados. O sacrifício de animais (ou mesmo de pessoas) era frequente entre vários grupos étnicos, em várias partes do mundo. Na Bíblia é referido, por exemplo, o caso de Abraão que, para provar a sua fé em Deus teria de sacrificar o seu único filho, imolando-o e queimando-o numa pilha de lenha, como era costume para os sacrifícios de animais – o relato bíblico refere, contudo, que Deus não permitiu tal execução e em seu lugar foi-LHE oferecido um cordeiro. Mas o cordeiro adquire um significado especial na Páscoa dos judeus. Na ceia do Egipto, eles aspergiam com o sangue de um cordeiro os umbrais das portas para que o anjo exterminador, vendo o sangue, poupa- se os primogénitos dos israelitas. E cada ano, celebrando a Páscoa, as famílias dos hebreus comiam o Cordeiro pascal em comemoração à libertação do Egipto. O cordeiro tornou-se um símbolo de libertação e de vida de um povo. O sentimento que brota mais fortemente de todos estes sacrifícios é o da obtenção do perdão dos pecados. No Novo Testamento os evangelistas vão usar a imagem do cordeiro para significar o Messias. Jesus reunifica num único sacrifício, toda esta busca de reconciliação e intimidade com Deus. 

A Eucaristia é a novidade definitiva do sacerdócio de Jesus Cristo.

                        O Cordeiro de Deus sobre o Livro dos Sete Selos.  Obra de Johann Heinrich Rohr, cerca de 1775

A identificação de Jesus com o cordeiro pascal da liturgia judaica.

 S. João Baptista tinha apontado Jesus como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo –“ No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). Na nova liturgia da Nova Aliança, Cristo é o verdadeiro Cordeiro Pascal, sem defeito, nem mancha, imolado para selar com o Seu sangue a Aliança definitiva. S. Paulo confirma esta interpretação – “Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1 Cor 5, 7). Torna-se claro que Jesus se tornou o Cordeiro Pascal, cumprindo a missão do Servo. Tal como estava prescrito na liturgia judaica, ao cordeiro pascal não se deveria partir nenhum osso. Segundo S. João, é para cumprir esta prescrição que os soldados não quebrarão as pernas a Jesus, já morto –“ Mas, vindo a Jesus, e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas” (Jo 19, 33).

Para a Igreja apostólica Jesus é o novo Cordeiro Pascal, situando assim, a Eucaristia como realização plena da Ceia pascal judaica, enquanto libertação da escravidão do pecado. O Apóstolo S. Pedro afirma-o – “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais,
19 Mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado…” (1 Ped 1, 18-19).

A morte de Jesus Cristo, considerado pelos cristãos como filho unigénito de Deus, tornaria os sacrifícios desnecessários, já que sendo considerado perfeito, não tendo pecado e tendo nascido de uma virgem por graça do Espírito Santo, semelhante a Adão antes do pecado original, seria o sacrifício supremo, interpretado como o maior acto de amor de Deus para com a humanidade.

Na última ceia, Jesus institui o Sacramento da Eucaristia. Nesta, Jesus concretiza o que anunciara ser: o Cordeiro Pascal; o Cordeiro de Deus, convertendo o pão e o vinho no Seu Corpo e Sangue – O Sacramento da Eucaristia.

Na II Leitura (1 Cor 11, 23-26) S. Paulo diz:

23 Porque recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;  

 24 e, tendo dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim.  

25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.  

26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.”  


Narração da instituição da Eucaristia: “…Isto é o meu Corpo entregue por vós…Este cálice é a Nova Aliança do meu sangue.”

Agnus Dei

 Trata-se de uma expressão latina utilizada pela religião cristã para se referir a Jesus Cristo, identificado como o salvador da humanidade, ao ter sido sacrificado em resgate pelo pecado original. Na arte e na simbologia iconográfica cristã, é frequentemente representado por com um cordeiro com uma cruz. A expressão aparece no Novo Testamento, principalmente no Evangelho de S. João, onde João Baptista diz de Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo” (João 1:29).

Objecto de devoção

 Agnus Dei é por vezes representado por uma pequena peça, geralmente em metal dourado, em forma circular, que costuma ser usada por católicos como sinal da protecção divina.

Rito litúrgico

Na liturgia católica o Agnus Dei é recitado ou cantado durante o início da fração do pão eucarístico. Introduzida na missa pelo Papa Sérgio I (687-701) e baseada em João 1: 29, “…No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!..”, a forma latina é:

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem.

Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, dai-nos a paz.

Na música sacra, muitos compositores realizaram verdadeiras obras-primas para esta parte da missa.

Quando a missa é de réquiem, este trecho recita-se ou canta-se da seguinte forma:

Agnus Dei,
qui tollis peccata mundi:
dona eis requiem.
Agnus Dei,
qui tollis peccata mundi:
dona eis requiem sempiternam.

Mozart – Requiem: 13. Agnus Dei (You Tube)

O espólio do noviciado da Cotovia: A obra de arte total como programa cultual e de doutrinação 

Não tendo como pretensão o estudo aprofundado da iconografia na Companhia de Jesus, achei conveniente mostrar que um programa cultual e de doutrinação teve como consequência a criação de uma arte religiosa muito própria da Companhia de Jesus ao nível da arquitetura, da pintura, da escultura, da ourivesaria.

1619 – Inauguração do noviciado da cotovia – Encontramo-nos num período de reforma católica referido como Contra-reforma que se caracterizou por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja Católica, diante do movimento de Reforma Protestante na Europa do século XVI. O Papa Paulo III convocou este concílio para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica.

Na última sessão do Concílio de Trento (1545 – 1563), definiu-se de  forma explícita e intencional que a arte deve estar ao serviço dos ritos da igreja católica.

Dos decretos tridentinos transparece uma nova forma de ver a imagem sagrada, onde o “ver” uma coisa com desejo e com intenção equivalia a possuí-la.

A Companhia de Jesus nasce, neste período, como um instrumento na definição do ideal de uma Igreja reformada.

4. História do noviciado

O noviciado da Cotovia surge da necessidade de se criar um espaço único para a formação de noviços destinados ao oriente para evangelizar.

Em 1540 D. João III irá ser o primeiro rei na Europa a contactar Inácio de Loyola devido à necessidade de encontrar missionários, homens letrados, para evangelizar o Oriente, pregando e convertendo à Fé cristã os nativos

Surge a figura de Fernão Teles de Meneses benemérito que doou toda a sua fortuna para a construção deste noviciado, virado para o Tejo de onde se via os barcos partirem. Com bons ares e fora das muralhas fernandinas.

Entram os primeiros noviços em 1619 e são expulsos deste espaço em 1759.

Ocuparam este espaço durante 140 anos, ligados ao ensino e formação de jovens destinados às missões do oriente.

5. Enquadramento religioso e artístico

Relativamente à  Companhia de Jesus esta rapidamente respondeu a esta igreja reformada.

Foram várias as contribuições para que se possa falar de um “estilo jesuítico”: Ao nível interno, as Constituições, A Formula do Instituto, a auto biografia de Sto Inácio de Loiola, tal como, os Exercícios Espirituais; a nível externo, o Concílio de Trento, as Instrução de S. Carlos Borromeu ou o Tratado de São Roberto Belarmino.

Estas, São as linhas essenciais que vão configurar a prática cultual e devocional e que vão ditar iconograficamente toda a Arte.

A vida cultual é regrada e normalizada de acordo com o tipo de indivíduo.

A prática devocional da Companhia orienta-se, de forma clara, em quatro vertentes: Trinitária, Cristológica, Mariana e Hagiográfica

Deste modo, estes religiosos conseguiram interpretar os princípios estéticos vigentes no mundo católico pós reforma.

6. Tipologia da Coleção

O espólio do noviciado é composto por sessenta peças, essencialmente, objetos que serviram ao culto na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, enriquecido com alguns paramentos que vieram da China e relicários de Itália.

Ao espólio do noviciado da Cotovia que se encontra no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, poderíamos adicionar pinturas e esculturas da igreja do antigo noviciado dispersas em diversas instituições de Lisboa

7. PINTURA FTM

Encontramo-nos no período de governação espanhola. FTM a 3 de Novembro de 1581 jurou e fez jurar o novo rei Filipe I em todo o estado da Índia.

Assim, ao observarmos o estilo de pintura aplicado no retrato sentimos que esta se aproxima da tradição tenebrista espanhola, da utilização pictórica do claro-escuro, como pintura de aparato e de representação. Iconograficamente muito ligado ao período filipino, pois tem como indumentária uma armadura filipina.

Muito idêntica à dos pintores Bartolomé González e Juan Pantoja de la Cruz .

Na tradição do retrato tem-se o cuidado de mostrar cuidadosamente rendas, vestidos e joias dos seus modelos, com postura rígida, e colocando um fundo de aparato. As mãos também são desenhadas com precisão, segurando um bastão, símbolo de comando. A luva destacada serve de reconhecimento da sua posição de Governador. Com Cruz de Cristo ao peito. Nesta tela visualiza-se os dois mundos de Fernão Teles de Meneses, o de guerreiro e o de político. É visível ao nível pictórico um desequilíbrio, mostrando uma pintura excelente na totalidade mas ao nível da feições a qualidade não é a mesma, denotando que provavelmente foram duas pessoas a pintá-la.

8. ESCULTURA TUMULÁRIA

Foram as sepulturas régias da capela-mor de Santa Maria de Belém que deram início a um conjunto de monumentos funerários tipologicamente idênticos

Na Capela-mor das Igrejas da Companhia de Jesus encontramos sempre o túmulo do fundador, conforme impunham as Constituições (309-310), além de testemunhar o sentimento de gratidão à figura benemérita do Fundador (312-314.

Existem duas ordens de razões para a grande aceitação deste tipo de fórmula: por um lado, o prestígio associado a monumentos fúnebres régios, e, por outro, o facto de a realização deste modelo não implicar, a nível técnico, a necessidade de grandes recursos ou apresentar particulares dificuldades.

Nível formal – composto por essas e suporte

Nível simbólico

Ásia simbolizava o poder real

arte oriental o elefante como elemento de suporte é simbólico de animal-suporte-do-mundo: o universo repousa sobre o lombo de um elefante.

Ocidente simbolizava eternidade, temperança, piedade, associadas à soberania, ao poder e à riqueza.

Nível técnico – não implica grandes recursos manuais e de especialidade.

 O que cativou a realeza e a nobreza por este tipo de sepultura terá sido o seu aspeto em pirâmide e o material utilizado (mármores).

9. ESCULTURA

As esculturas do noviciado da cotovia seguem as normas saídas do Concílio de Trento, refere-se à Invocação e Veneração às Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens da seguinte maneira:

“…declara este santo concílio, que as imagens devem existir, principalmente nos templos, principalmente as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus, e de todos os outros santos, e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração…» e «…que as imagens não sejam pintadas com formosura dissoluta…”.

“… se consegue muitos frutos de todas as sagradas imagens, não apenas por recordarem ao povo os benefícios e dons que Cristo lhes concedeu, mas também porque se expõe aos olhos dos fiéis os salutares exemplos dos santos milagres que Deus lhes concedeu,”

  • Santo Inácio nos Exercícios Espirituais (47), propõe o uso da visão e da imaginação como um recurso para que a oração se torne concreta. “…ver, com a vista da imaginação, o lugar material onde se acha aquilo que quero contemplar…”

As esculturas do noviciado da Cotovia são maneiristas, do início do século XVII, fidelizadas a parâmetros de imaginária sacra portuguesa, tipo esculturas de Gonçalo Rodrigues que trabalhou para uma clientela religiosa e tradicionalista.

A escultura é representada com equilíbrio e síntese no tratamento volumétrico, com serenidade expressiva e gestual.

A escultura da Virgem com o Menino Salvador do Mundo é uma imagem de vulto, em madeira de carvalho setentrional, estofada e policromada, apresentando grande delicadeza na sua postura.

A escultura de S. Paulo, com estofo em tons vermelho e verde e com vestígios de policromia floral e geométrica, com desenho de linha a dourado. Simbolicamente, teria uma espada aludindo ao seu martírio, pois foi decapitado, mas também é símbolo da palavra divina por ele anunciada, como diz a Carta aos Hebreus: “a palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4, 12). Existem referências ao local onde se encontrava: Na sacristia encontrava-se «…em cima do caixão duas imagens de vulto, uma de S. Pedro, outra de S. Paulo, ambas de cinco palmos com resplendores de folha prateada…».

A escultura de Cristo estaria na sua origem atado a uma coluna. Esta imagem está associada à flagelação de Cristo. A cena da Flagelação, tal como os outros episódios da Paixão é, a partir do século XVI, representada com grande dramatismo, com Cristo atado a uma coluna e ladeada dos verdugos. Quando a cena se encontra despida de todo e qualquer elemento (verdugos, açoites) transforma-se numa imagem de grande devoção, como é o caso deste exemplar do noviciado da Cotovia. A coluna à qual Jesus geralmente aparece amarrado, e a corda, o flagelo, são elementos tipo que aparecem na Arma Christ. Com estas imagens os escultores praticavam a criação do nu, proibido pela igreja pois era considerado indecoroso e desonesto

10. PARAMENTARIA

Na paramentaria impera o princípio do culti decori, onde a sacralidade da função está associada à riqueza dos materiais. Servem para glorificar a Deus de maneira mais nobre e eficaz.

A função dos paramentos, ricamente bordados, é decorativa mas também serve «…de reforço do mecanismo de atracão dos sentidos dos crentes.»

Concílio de Trento, Sessão XXII refere-se ao aparato na celebração da missa da seguinte maneira:

 aquele que «…disser que as cerimónias, vestimentas, e sinais externos que usa a Igreja Católica na celebração das Missas, são muito mais incentivos de impiedade que obséquios piedosos, seja excomungado» (Cân. VII).

Para a igreja católica, as vestes representam Cristo cheio de glória.

Importam-se as novas tendências do Oriente exótico. Chegam a Lisboa, – a cidade europeia mais cosmopolita – como produto exótico, muito atrativo e a baixo custo, devido à utilização de mão-de-obra barata.

No Frontal de altar da igreja do noviciado da Cotovia vamos encontrar símbolos chineses: no campo central uma águia bicéfala; nas laterais, um vaso bojudo com crisântemos e peónias; é ladeado por um dragão e por um leão a brincar com a bola de brocado. No centro da barra, inscreve-se, em cartela circular com resplendor raiado, a inscrição IHS, emblema dos jesuítas.

O Véu de cálice, é em seda creme de origem chinesa, tem um estampado com imagens de crisântemos e galhos de frutos. Ao centro, inscreve-se, em cartela circular com raios setiformes, lisos e em serpentina, alternantes, a inscrição IHS.

11. MISSAL

Inseridos no espólio do noviciado da Cotovia encontram-se três Missais dos séculos XVII e XVIII d.C..

O missal Romano contém as leituras da Missa 

Pio V em 1570, através da bula Quo primum tempore, definiu o novo Missal Romano com o fim de eliminar os abusos cometidos na celebração da missa.

«…de tal sorte que os padres saibam de que preces devem servir-se e quais os ritos, quais as cerimonias, que devem observar doravante na celebração das Missas»

Lê-se: as missas de acordo com o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo Pascal e Tempo Comum); O Rito da Missa (Ritos Iniciais, Liturgia da Palavra, Liturgia Eucarística (ofertório e prefácios), o Rito da Comunhão e os Ritos Finais); Apêndice do Rito da Missa (Bênçãos Solenes e Orações sobre o povo.

Este missal é da Primeira metade do séc. XVIII d.C. (1732). A capa é centrada pela imagem de Santo Inácio segurando com as mãos o livro da “Regra” da Companhia em que está inscrita a divisa AD MAIO DEI GLO REG SOC IESV, encimado por uma coroa e anjo, tudo em prata. Na contracapa a ornamentação é idêntica mas tendo ao centro a imagem de S. Francisco Xavier com lírios, atributo alusivo à pureza.

Várias gravuras a buril ornamentam o texto: a Adoração do Santíssimo, a Anunciação, o Nascimento do Menino Jesus, o Calvário e a Ressurreição

 12. RELICÁRIO

Da igreja do Noviciado da Cotovia chegou-nos este relicário em prata que é testemunho da veneração que se prestava aos Santos e aos Mártires

A exposição das relíquias dos santos era, nesta época pós-tridentina, um poderoso meio de propaganda religiosa.

Santo Inácio de Loyola, afirmava que se devia venerar as relíquias, tendo a mesma fé e devoção que perante as imagens dos santos.

Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio de Loyola escreve:

«Louvar as relíquias dos Santos, venerando-a estas e rezando a eles.»

O Concílio de Trento na sessão XXV referiu-se às relíquias da seguinte maneira:

«Ordena o Santo Concílio a todos os Bispos e demais pessoas que tenham o encargo ou obrigação de ensinar… sobre a intercessão e invocação dos santos, honra das relíquias e uso legítimo das imagens…».

«… também os condena a Igreja, aos que afirmam que não se deve honrar nem venerar as relíquias dos santos, ou que é vã a veneração que estas relíquias e outros monumentos sagrados recebem dos fiéis…»

Era importante transmitir ao povo crente que o culto das relíquias servia de veículo para estes alcançarem a Salvação.

Quase todas as casas da Companhia de Jesus receberam relíquias vindas de Roma e da Alemanha. A igreja de S. Roque, em Lisboa, é um bom exemplo da atitude da Companhia face às relíquias.

Eram frequentemente escolhidos para adornar os altares pois exerciam um poder enigmático sobre o crente.

Este relicário é de origem italiana com as marcas da Contrastaria de Roma (chaves cruzadas e umbela) e a do ourives: leão rampante (esta marca apresenta-se defeituosa, dificultando a sua leitura e justifica a interrogação da autoria).

Relicário em forma de custódia, realizado com folha de prata aplicada sobre estrutura de madeira e assente sobre base de madeira dourada, de secção triangular, mistilínea e moldurada, com relíquias correspondentes aos dois irmãos coadjutores João Soan (de Goto) e Diogo Kisai, martirizados em Nagasaki a 5 de Fevereiro de 1597; canonizados apenas em 8 de Junho de 1862 por Pio IX mas já anteriormente venerados no contexto da Companhia de Jesus.

Concluindo,

 [19, 20 e 21 novembro 2014 

I SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DE COLECÇÕES 

Investigação recente e novos olhares 

– Da Cotovia ao Museu Nacional de História Natural e da Ciência – 

21 DE NOVEMBRO 2014 │DIA 3 

Sexta –feira 

Anfiteatro Manuel Valadares 

5ª SESSÃO │HISTÓRIA DE COLECÇÕES: ARTE, CIÊNCIA E LIVROS 

9h30 │O espólio do noviciado da Cotovia: A obra de arte total como programa cultual e de doutrinação 

Francisca Branco Veiga ]

Prenunciamentos de uma Guerra Civil (1828-1834) ou a Guerra dos Dois Irmão

DAUMIER, Honoré – Kssssse! Pédro – Ksssse! Ksssse! Miguel! [ Visual gráfico]. [Paris]: chez Aubert galerie, [1833]. Litografia satírica para o jornal La Caricature, publicada a 11 de julho de 1833.

Resumo

Na Europa de 1830, devido à propagação do liberalismo e nacionalismo como ideologias, renovam-se os conceitos de liberdade e de revolução. Em Portugal, pelo decreto de 28 de Maio de 1834 D. Pedro IV extingue todas as Ordens religiosas masculinas. As Congregações religiosas foram o alvo principal da atuação dos liberais, começando por expulsar novamente os jesuítas que, organizados segundo o estatuto canónico de Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, eram considerados “o braço armado” do Papa.

Mas, em 1828 as condições políticas internacionais e nacionais eram diferentes. Na defesa da união entre a monarquia absoluta e a instituição eclesiástica surgia a figura de D. Miguel que, tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, vai reforçar a união entre o Trono e o Altar usando os eclesiásticos para fortalecer a sua causa partidária. Foi nesse sentido que em 1829 se deu o regresso da Companhia de Jesus a Portugal, Ordem ligada ao ideário tradicionalista.

A RESTAURAR A ORDEM ABSOLUTISTA

D. Miguel I, rei de Portugal entre 1828 e 1834, morre no exílio, em Bronnbach (Alemanha), no ano 1866.

A 5 de Abril de 1967 chegam a Lisboa em aviões da Força Aérea Portuguesa, os restos mortais do Rei D. Miguel I e sua esposa, a Rainha Adelaide Sofia. Já no final da tarde desse mesmo dia, os despojos reais foram acolhidos em São Vicente de Fora, no Panteão da Dinastia de Bragança.

Após a leitura do Evangelho, subiu ao púlpito o Padre jesuíta Domingos Maurício, que prestou uma sentida homenagem à memória de D. Miguel:

 “No desterro imposto pelas contingências políticas obscureceu-se a lembrança das vossas benemerências nacionais… Surgiu, enfim, o momento redentor, a hora da reparação sincera, que vos reintegra no lugar que vos compete na tessitura histórica de Portugal”[1].

Contextualizando este período histórico, começamos pelo fim da época napoleónica que provocou mudanças políticas e económicas em toda a Europa levando os países vencedores (Áustria, Rússia, Prússia e Inglaterra) a sentiram necessidade de selarem um tratado para restabelecer a paz e a estabilidade política na Europa.

Assim, no Congresso de Viena (setembro 1814 – junho 1815) restabeleceu-se a paz e a estabilidade política na Europa, reorganizando as fronteiras europeias, alteradas pelas conquistas de Napoleão e restaurou-se a ordem absolutista do Antigo Regime. Com o Tratado da Santa Aliança (26 setembro 1815), garantia-se a realização prática das medidas que foram aprovadas pelo Congresso de Viena, bem como a intenção de bloquear o avanço nas áreas sob sua influência das ideias liberais e constitucionalistas, que se fortaleceram com a Revolução Francesa e que haviam desestabilizado toda a Europa. Pretendiam propagar os princípios da Fé cristã e manter o absolutismo como filosofia do Estado e sistema político dominante na Europa.

Personalidades do Congresso de Viena, gravura de Jean-Baptiste Isabey, 1819, Viena. Coleção do Banco de Portugal.

Relativamente à Santa Sé, após a derrota de Napoleão (1814), o papa Pio VII retornou a Roma. Em 1815, o Congresso de Viena devolveu-lhe quase todos os Estados Pontifícios e reconheceu aos Núncios Apostólicos o direito de precedência em relação aos demais embaixadores. Estabilizado no poder em Roma, Pio VII procurou adaptar o papado às condições políticas, intelectuais e sociais do mundo moderno, destacando-se a promoção de uma política de amizade com as nações europeias, o reconhecimento dos movimentos pela independência das colónias latino-americanos, e para apoiar a Igreja Pio VII restaura a Companhia de Jesus no mundo convencido de que ela tinha sua missão a cumprir no século XIX.

Deste modo, a Companhia de Jesus que nasceu num período histórico europeu, o Renascimento, renasce agora num outro período histórico, o das revoluções democráticas e industriais do século XIX, o do triunfo das luzes e da emergência da racionalidade científica.

Não cabe aqui desenvolver estes temas, interessando apenas sublinhar em jeito de resumo, que a doutrina contrarrevolucionária aparece em Portugal logo após a revolução de 1820 e da assinatura por parte de D. João VI de uma Constituição, limitando o papel do rei e colocando o poder no governo e num parlamento.

Assim sendo, depois de 1820 a oposição absolutista cresceu, desencadeando no país três movimentos que se destacaram de entre outros tantos: a Martinhada, a Vila-Francada e a Abrilada.

O dia 11 de novembro de 1820 (dia de S. Martinho) representou a separação das fações sociais e políticas que apareceram juntas na revolta de 1820 devido à conjuntura política. O golpe teve relevo pelo fato de pretenderem ambas as fações a imediata adoção da Constituição de Cádis. Todos eles empenhados em controlar o poder nascido da revolução. Mas um contragolpe vitorioso repõe os liberais no poder, forçando ao desterro alguns conservadores e absolutistas.

A Martinhada,  momento decisivo no processo revolucionário, Lisboa, Novembro de 1820. In Exposição inconográfica, Imagens da Revolução de 1820,  em colaboração com a Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Janeiro de 2021.

Na defesa da união entre a Monarquia absoluta e a instituição eclesiástica e tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, surge D. Miguel que, com o apoio de sua mãe, tem como ambição o reforço e a união entre o Trono e o Altar. Um conjunto de acontecimentos animaram o partido da rainha a revoltar-se abertamente, confiante no auxílio francês.

A 27 de Maio de 1823, o Infante D. Miguel deslocou-se a Vila Franca. Aí foram dados vivas à monarquia absoluta, conjeturando o infante e a rainha a possível abdicação de D. João VI, que se mantinha fiel à Constituição que jurara.

 No discurso D. Miguel apela ao apoio à sua causa baseada na união entre Monarquia, Nobreza, Tradicionalismo e Deus, pilares sagrados que permitiam a elevação para uma sociedade equilibrada e ordenada segundo princípios divinos.

Vilafrancada – insurreição liderada pelo Infante D. Miguel de Portugal em Vila Franca de Xira a 27 de maio de 1823. Dom Miguel, [Lisboa, na Impressão de Alcobia, 1823], gravura, BNP.

Porém, D. João VI decidiu tomar a direção da revolta, encorajado pelo levantamento do Regimento de Infantaria 18, que viera ao Palácio da Bemposta dar-lhe vivas como rei absoluto; partindo para Vila Franca, obrigou o infante a submeter-se-lhe e regressou a Lisboa em triunfo. As cortes dispersaram-se, vários políticos liberais partiram para o exílio e foi restaurado o regime absolutista, mas D. João VI conseguiu impedir a ascensão ao poder do partido ultrarreacionário e manteve a sua posição determinante no quadro político. O partido da rainha não deixou, porém, de continuar a intrigar, e menos de um ano mais tarde eclodia nova revolta absolutista, a Abrilada (Abril de 1824), dando origem ao exílio do próprio filho, o Infante D. Miguel[2].

D. João VI dirige-se aos portugueses através de uma proclamação em que descreve cronologicamente todos os acontecimentos, publicada no Suplemento ao nº 110 da Gazeta de Lisboa, 10 de maio de 1824, edição de 2ª feira:

«Proclamação de S. M.

Portuguezes! O vosso Rei não vos abandona, pelo contrário só quer libertar-vos do terror, da ansiedade que vos oprime, restabelecer a segurança publica, e remover o véo que vos encobre ainda a verdade; na certeza de que á sua voz toda esta Nação leal se unirá para sustentar o Trono (…)

Meu filho, o Infante D. Miguel, que há tão pouco tempo ainda se cobrira de gloria pela acção heróica que emprehendeo, he o mesmo que impelido agora por sinistras inspirações, e enganado por conselhos traidores, se abalançou a cometer actos, que, ainda quando fossem justos e necessários, só devião emanar da minha Soberana Authoridade, atentando assim contra o Poder Real (…)

Bordo da Náo Ingleza Windsor Castle, surta no Téjo, em nove de Maio de 1824.

ELREI Com Guarda». In Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Todos estes acontecimentos prenunciavam uma Guerra Civil (1828-1834) ou a Guerra dos Dois Irmãos.

Dia 30 de setembro 1833 D. Pedro, Duque de Bragança, assume a regência do reino de Portugal durante a menoridade de D. Maria II.


[1] CUNHA, José Correia da. Padre, SONO FINAL, NO SOLO PÁTRIO… BEM MERECIDO PELO HOMEM REI, COMO CRISTÃO E COMO PORTUGUÊS…. [Consult. 28-04-2014]. Disponível na internet em: <http://realbeiralitoral.blogspot.pt/2012_11_01_archive.html.&gt;.

[2] MARQUES, Teresa Martins, Uma carta inédita de Dona Carlota Joaquina, Navegações, vol. 2, nº 1 (jan./jun. 2009), pp. 53-56.

Veja-se o artigo completo:

VEIGA, Francisca Branco, “O BREVE REGRESSO DA COMPANHIA DE JESUS NO REINADO DE D. MIGUEL (1829-1834)”. In Brotéria, vol. 179, (5/6 de nov./dez. 2014), pp. 387-400.