D. Maria II, Hasteada a bandeira de um catolicismo integrador dos cidadãos

Lisboa, Setembro de 1836 : D. Maria II
SENDIM, Maurício José do Carmo
BNP


Com o fim da monarquia absoluta miguelista teve início a monarquia Constitucional sob a orientação liberal. Doze ordinários diocesanos de nomeação absolutista que se encontravam ausentes, fugidos ou clandestinos, não foram reconhecidos pelo novo poder, mesmo tendo obtido as respetivas bulas de confirmação. O governo liberal, tal como já o tinha feito no Porto, nomeava governadores temporais e indicava aos cabidos a eleição de vigários capitulares da sua escolha .
Contudo, neste novo cenário político a religião católica será um importante elemento de integração dos cidadãos na pátria. Mas, para cumprir essa tarefa, era necessário que os religiosos não recebessem influência estrangeira, considerou-se uma ameaça à pátria todo o clero que se submetesse a líderes fora de Portugal. Esta oposição aos religiosos vinculados à Santa Sé pode também ser compreendida pelo reconhecimento destes ao miguelismo e pela oposição ao constitucionalismo. Generalizou-se pelas dioceses uma situação de “quase” cisma, em que clérigos e leigos ou acatavam as autoridades eclesiásticas, impostas pelos liberais ou mantinham a ligação aos seus bispos ausentes. Esta situação prejudicava gravemente os fins espirituais e pastorais da Igreja e a consolidação das instituições.
No dia 22 de agosto de 1834 o padre jesuíta Margottet refere que o próprio Papa se encontrava preocupado com «os negócios da religião» em Portugal mandando fazer «na Igreja de Santa Maria Maior huma Novena por esse caro pais» .
Nestas decisões nunca esteve em causa o valor social da religião, mas a determinação em pôr fim à presença da Igreja como um Estado dentro do próprio Estado. As Congregações religiosas foram, neste contexto, o alvo central da atuação dos liberais. O que se pretende é tornar a Igreja portuguesa independente de pressões externas. No art. 75 da Carta Constitucional, o governo liberal restringia-lhes o seu papel: “O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais Atribuições:[…] § 2.° – Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos; […] § 14.° – Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral” .
A intenção dos liberais era reintegrar a igreja ao serviço do novo regime, colocando na hierarquia da igreja homens da sua confiança, cortando as relações diplomáticas com a Cúria Romana como retaliação contra o reconhecimento de D. Miguel como rei de Portugal e contra as nomeações feitas pelo Papa Gregório XIV de bispos apresentados por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas em 1831.
Neste processo, a posição da Cúria Romana ao rejeitar o governo liberal, não facilitou o diálogo com o governo de Portugal, o que levou ao corte de relações diplomáticas entre Lisboa e Roma em 1833, e à destituição da hierarquia religiosa nomeada pelo Vaticano, nomeando novos Bispos e Prelados . Gregório XVI, numa alocução a 30 de setembro de 1833, protesta contra a expulsão do Núncio, contra os decretos e medidas tomadas por D. Pedro, considerando-as como crimes contra a Igreja e contra «os direitos invioláveis da Santa Sé» . Em dezembro, o Papa manda retirar da sua residência as armas de Portugal e retira ao representante de Portugal em Roma o poder de representar o país . Reforça a sua condenação e reprovação da política religiosa liberal portuguesa no Consistório Secreto do dia 1 de agosto de 1834, e de novo no Consistório Secreto do dia 2 de fevereiro de 1836, falando de um «funestro cisma» . O Sumo Pontífice vai considerar estes decretos «írritos e nulos», declarando o Relatório que precedeu o decreto de extinção das Ordens Religiosas repleto de «cousas falsas e criminosamente ditas».

A partir de 1834 o governo liberal, que concebia um catolicismo autonomizado de Roma, antiultramontano, corta relações diplomáticas com o Vaticano, só sendo reatadas a 30 de julho 1848 através de um Convénio entre ambas as partes.


Um longo e complexo processo de reaproximação entre o Estado português e a Santa Sé irá decorrer em dois períodos distintos. No primeiro período, estava em jogo algo de essencial para a estabilização do regime constitucional, como o reconhecimento do trono de D. Maria II pela Cúria e o acordo entre as duas partes sobre a legitimidade dos bispos eleitos por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas. Num segundo período, o que estava em causa era essencialmente a retoma da tradição concordatária interrompida.


Deste modo, um acordo do Estado com a Santa Sé, parecia necessário ao restabelecimento da paz religiosa na sociedade e ao reforço e estabilidade do regime liberal e do trono de D. Maria II.

António da Silva (Geraldes) e as pinturas da Capela de Porto Salvo (Oeiras)

Anunciação (pormenor)

A proximidade de Lisboa levou a Oeiras muitos pintores da capital tendo, no séc. XVII e XVIII, a nível de produção pictórica sacra, um papel de grande relevo pois era uma zona onde existiam quintas de importantes figuras da nobreza ou de ricos proprietários, tal como o primeiro Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal.

Pintores como Domingos Vieira Serrão (pintor régio, ativo entre 1570-1632), Jerónimo da Silva (1700-1753) e André Gonçalves (1685-1763) são chamados a trabalhar neste Concelho. Surgem artistas de “segundo plano” como António da Silva (ativo entre 1720-1743), autor das telas de que irei tratar.

Baseando-me na Collecção de memórias relativas às vidas dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal, recolhidas e ordenadas por Cyrilo Volkmar Machado[1], António da Silva (Geraldes) era um pintor do séc. XVIII, de origem oriental. Filho do chim (chinês) Alexandre Geraldes, que o nosso embaixador na China, Alexandre Metelo, no reinado de D. João V, trouxera consigo para Lisboa, depois de o converter ao cristianismo. Aprendeu a pintar com um estrangeiro e depois foi Mestre dos seus filhos João, Ambrósio José e de Nicolau Tolentino Botelho (Nicolau Preto). Sabe-se que executou um painel para a Ermida do Resgate e que pintava lâminas de cobre com imagens religiosas.

António da Silva é o pintor dos painéis da capela-mor, na ermida de Porto Salvo. A sua riqueza pictórica e a sua profunda expressividade fazem deles, painéis de um grande mérito.
Esta obra de António Silva é um dos seus melhores trabalhos, e é uma prova do seu elevado mérito artístico de que Oeiras tem o privilégio de ter e onde estas pinturas se encontram tão bem estimadas e conservadas. As quatro pinturas de António da Silva, com um programa iconográfico alusivo à vida da Virgem, existentes na ermida da Senhora do Porto Salvo, são a maior e a melhor série conhecida deste conceituado pintor, datadas de 11 de Setembro de 1743.

Programa Iconográfico dos quatro painéis da capela-mor, da igreja de Nossa Senhora de Porto Salvo

. A Anunciação

Representa o anjo Gabriel no momento que anunciava a Maria que fora escolhida pelo Senhor para ser mãe de Jesus, seu filho, de acordo com o evangelho de Lucas 1:26.
Fotografia: Francisca Branco Veiga
  • O casamento de Maria e José
Neste conjunto pictórico destacam-se três personagens: Maria, o Sacerdote e José, que se encontram no centro da cena. Ladeados por figurantes num ambiente caloroso.
Fotografia: Francisca Branco Veiga
  • A Adoração dos Pastores
O Evangelho de S. Lucas (11, 1-12) fala sobre a adoração dos pastores ao menino Jesus, tema que vai ser associado ao da Virgem Maria, no séc. XVIII.
Fotografia: Francisca Branco Veiga
  • A Adoração dos Magos
S. Mateus é o único dos Evangelistas a mencionar os Magos vindos do Oriente para adorar o rei dos Judeus (Mateus, 2, 1-12), Magos esses transformados depois pelos diversos comentadores em Reis, para conferir uma maior dignidade ao acontecimento. Tratada com mais pormenor nos Evangelhos Apócrifos, esta é a primeira teofania de Cristo, a sua primeira manifestação aos homens como Verbo encarnado.

[1] CARVALHO, Joaquim Martins Teixeira de, Collecção de memórias relativas às vidas dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal.

Fotografias: Francisca Branco Veiga