Colégio jesuíta de S. Paulo, Macau (1594-1762)

Muitos portugueses, homens cultos, ligados à ciência, entravam através de Macau no interior da China.

Data de 1565 o estabelecimento dos jesuítas em Macau. Rui Manuel Loureiro, em As Origens de Macau nas Fontes Ibéricas, refere, «Em 1554, viviam em Macau cerca de “oitocentos ou novecentos portugueses”, segundo informação de um missionário ali residente. No ano seguinte, os responsáveis da Companhia de Jesus despachavam o padre André Fernandes para aquelas partes, para, juntamente com o padre Manuel Teixeira e o irmão André Pinto, dar assistência religiosa aos mercadores portugueses que sempre são muitos. Mas, durante algumas semanas, entre a partida dos navios para o Japão e a chegada da frota de Malaca, a população diminuía consideravelmente» (LOUREIRO 2002: 93).

Estabeleceu-se em Macau uma Universidade destinada a preparar e treinar os recém-chegados. Instituição fundada em 1594 pela Companhia de Jesus ao serviço do império português, no âmbito do acordo do Padroado português. O Colégio serviu para preparar os missionários jesuítas que viajavam para o Extremo Oriente.

Como universidade passou a ministrar o ensino de disciplinas como o chinês, latim, teologia, filosofia, matemática, astronomia, física, medicina, retórica e música. A mais importante destas disciplinas era o chinês escrito e falado.

Nos mais de cento e oitenta anos desde 1594 (ano 22 do reinado de Wanli da Dinastia Ming, a 1779, ano 44 do reinado de Qianlong da Dinastia Qing), o Colégio de São Paulo funcionou sempre como base de treino onde se preparavam os portugueses que iam entrar na China.

Em 1594, esta instituição universitária já contava com mais de 200 estudantes e 59 professores.

Os Imperadores Xangxi e Qianlong tomaram a decisão de que, para missionar na China, «tem de morar-se mais de dois anos no Colégio de Macau, e aprender a língua chinesa.»

Em 1835, o Colégio de São Paulo e a sua igreja (Igreja da Madre de Deus) foram destruídos por um violento incêndio. Apenas sobreviveram a imponente fachada e a escadaria monumental da Igreja da Madre de Deus.

Fachada da Igreja de S. Paulo em Macau
Manuel da Costa
c. 1815
Litografia a preto sobre papel
Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino

China – Macau

Planta de Macau
Autoria do cartógrafo luso-malaio Godinho de Erédia
(ms. c. 1615-c. 1622)

A mais antiga imagem da península de Macau depois de consumado o estabelecimento dos portugueses em meados do século XVI.

É nítida a coexistência de uma cidade portuguesa e de uma cidade chinesa, separadas uma da outra, mas preenchendo toda a área entre a Praia Grande e a Praia Pequena.

Regista ainda os perímetros murados da residência mandarim e da cerca que os portugueses fizeram levantar no monte de S. Paulo, a qual foi concluída por volta de 1606 e antecedeu a fortaleza do Monte (por seu turno, praticamente terminada em 1622).

Marca as principais igrejas, ermidas e/ou baterias nos pontos elevados (Nossa Senhora da Guia, S. Francisco, Barra), tal como o sítio do templo chinês da Barra (Ma-Kou-Miu/Ma Ge Miao, ou Templo da Deusa A-Má), encravado entre a Colina da Barra e o “sorgidoro” (Porto Interior).

Na margem Norte, entre um denso arvoredo e o istmo, marca ainda algumas casas, representando a aldeia chinesa de Wangxia (Mongha).

China – Pequim
Dinastia Ming  (1368-1644)

A Dinastia Ming  (1368-1644) foi precedida pela dinastia Yuan e substituída pela dinastia Qing na China.

Os imperadores da dinastia Ming eram membros da família Zhu. Entre a população havia fortes sentimentos contra o governo por “estrangeiros”, o que finalmente levou à revolta que empurrou a dinastia Yuan de volta às estepes da Mongólia e ao estabelecimento da dinastia Ming em 1368.

Esta dinastia começa num tempo de renovação cultural e de florescimento das artes.

Especialmente a indústria da porcelana obteve um brilho sem precedentes.

Mercadores chineses exploraram a totalidade do Oceano Índico, atingindo a África com as viagens de Zheng He.

Um vasta marinha foi construída, incluindo navios com 4 mastros, pesando 1.500 toneladas.

Havia um exército permanente de 1 milhão de homens.

Alguns afirmam que a China do início da dinastia Ming poderia ter sido a nação mais avançada do seu tempo.

Períodos mais importantes da estada dos portugueses em Pequim:

1521-1566  Imperador Jiajing

1566-1572  Imperador Longqing

1572-1620  Imperador Wanli

1620       Imperador Taichang

1620-1627  Imperador Tianqi

1627-1644  Imperador Chongzhen

China – Pequim
Dinastia Qing (1644 – 1912)

A dinastia Qing por vezes conhecida como a dinastia Manchu, foi fundada pelo clã Manchu Aisin Gioro.

Esta dinastia começou quando os manchus invadiram o norte da China em 1644 e derrotaram a dinastia Ming.

Desta região, os manchus expandiram a dinastia para a China propriamente dita e os territórios circundantes da Ásia central, estabelecendo o Império do grande Qing.

A Qing foi a última dinastia imperial da China; os seus imperadores ocuparam a sua capital entre 1644 e 1912.

Mapa do Império Qing

Períodos mais importantes da estada dos portugueses em Pequim:

1643-1661  Imperador Shunzhi

1661-1722  Imperador Kangxi

1722-1735  Imperador Yongzheng

1735-1796   Imperador Qianlong

Três dos Imperadores da Dinastia Qing  na vida dos portugueses

O Palácio Imperial da Dinastia Qing, em Shenyang, com  114 edifícios, construídos entre 1625-26 e 1783. 

Alguns estudiosos estrangeiros que passaram pelo colégio de S. Paulo:

    Alexandre Valignano (1578-1606): fundador do colégio, o impulsionador do estudo das línguas japonesa e chinesa.

    Michele Ruggieri (1579): coautor do dicionário Português-Chinês – o primeiro dicionário europeu de chinês.

    Matteo Ricci (1582): coautor do dicionário Português-Chinês – o primeiro dicionário europeu de chinês

    Johann Adam Schall von Bell (1619): conselheiro do imperador Shunzhi, Presidente do Observatório Imperial e do Tribunal das Matemáticas.

    Ferdinand Verbiest (1659): matemático e astrónomo, corrigiu o calendário chinês, foi Presidente do Conselho de Matemática e Diretor do Observatório.

Alguns estudiosos portugueses que passaram pelo colégio de S. Paulo:

  • João Rodrigues: nasceu em Sernancelhe, em 1560 ou 1561. Com apenas 14 anos saiu de Portugal em direção à Índia. Em 1577 chegou ao Japão como membro da Companhia de Jesus. Para além de intérprete, foi um dos autores e coordenador do Vocabulário da Lingoa de Japan, editado em 1603, primeiro dicionário de japonês-português; da Arte da Língua de Japam (1608); Arte Breve da Língua de Japam (1620) e autor de A História da Igreja de Japam.
Vocabulario da lingoa de japan
Os jesuítas, que recebiam confissões, precisavam entender os fiéis japoneses.

  • Tomás Pereira (1665?-73) – Xu Risheng, Yingong: Considerado o introdutor da música ocidental na China, emissário do imperador Kangxi no Tratado de Nerchinsk.

Zarpou de Lisboa em 15 de Abril de 1666 e acabou a sua formação na Índia.

Saiu de Macau em 1672 e chegou a Pequim em 1673. Foi convidado do Imperador Xangxi devido aos seus dotes naturais e musicais. Ensinou o Imperador a tocar o “clavicórdio”.

Tomás Pereira, clavicórdio

Encarregado de traçar as fronteiras da Sibéria com a China, no ano de 1688.

Vice Presidente do Tribunal das Matemáticas, em Pequim.

Depois da morte de Verbiest (1688) Xangxi nomeou T. Pereira presidente da Comissão de Astronomia, mas Pereira declinou, ficando como Presidente substituto com António Pereira de 1688 a 1694.

Curiosidade: Relógio de Tomás Pereira – Trata-se de um desenho do relógio que Tomás Pereira fabricou para a torre de uma igreja, em Pequim. Introduziu no interior da torre um tambor com espigões, semelhantes aos das caixas de música, que acionavam arames ligados aos badalos de um carrilhão o qual, a todas as horas, tocava músicas tradicionais chinesas.

Desenho do relógio que Tomás Pereira fabricou para a torre de uma igreja, em Pequim.
  • Manuel Dias (Yang Manuo, Yenxi): nasceu em Castelo Branco (Portugal) e chegou à China em 1611. Saiu de Portugal a 11 de Abril de 1601 para a Índia a bordo da nave Santiago e provavelmente chegou a Goa no mesmo ano. Terminou aí os seus estudos de Teologia. Chegou a Macau por volta de 1605 e ensinou teologia seis anos. Chegou a Pequim em 1613/14 com a ordem de «ensinar matemática aos chineses».

              Curiosidade: Manuel Dias introduziu o telescópio na China apenas três anos após Galileu o ter divulgado. Galileu descobriu duas saliências na altura do equador de Saturno. Como o telescópio não era suficientemente poderoso para que ele pudesse perceber os anéis do planeta, atribuiu as saliências a duas pequenas luas, bem próximas à superfície de Saturno. Quando as notícias chegaram a Pequim, Manuel Dias fez este desenho no seu compêndio “Tien wen Lueh”. Nas suas publicações afirmava a existência destas esferas celestes sólidas. Esta doutrina estranha à cosmologia chinesa, estimulou reações muito vivas entre os mandarins, referidas na Europa por Cristóvão Borri.

Globo chinês, feito em 1623 na China, por Manuel Dias (1574-1659).

A vacina [contra a varíola] e a reação antivacinação

Numa época em que a medicina era encarada com desconfiança, a vacina de Edward Jenner contra a varíola provocou também aversão, havendo rumores de que a sua inoculação fazia crescer protuberâncias bovinas nas pessoas. O seu método que se chamou vacina (do latim vaccinus, “de vaca”), espalhou-se rapidamente por toda a Inglaterra e, posteriormente, por toda a Europa.

Para o naturalista e médico britânico,

«O que torna a varíola das vacas [cow-pox] tão singular é que a pessoa que contraiu esta doença fica para sempre imunizada contra a infecção da varíola humana [smallpox].

Nem a exposição ao ar exalado pelos doentes infetados nem a inserção da matéria variólica na pele produzem a doença. Como prova de um facto tão extraordinário, passo a apresentar ao leitor um grande número de casos.

CASO I – Joseph Merret […] trabalhava como criado numa quinta aqui próximo, no ano de 1770, e ajudava, imunizada contra a infeção da varíola humana [smallpox]. por vezes, a mungir as vacas do patrão. […] As vacas contraíram cowpox e, pouco depois, apareceram algumas pústulas nas suas mãos […]. Em Abril de 1795 […] Merret foi inoculado[…] tendo-se passado vinte e cinco anos. No entanto, embora a matéria variólica lhe tenha sido repetidamente introduzida desde que contraíra no braço, verifiquei ser impossível infetá-lo. [..]

[Segue-se a apresentação pormenorizada de mais 22 experiências clínicas]

Desde as minhas anteriores publicações sobre a inoculação da vacina que tive a satisfação de ver esta prática correspondência que troco com alguns ilustres médicos do continente […], concluo que teve grande receptividade no estrangeiro, onde tem produzido efeitos muito satisfatórios. Tenho também o gosto de verificar que os esforços de alguns indivíduos para depreciar esta nova prática se afundam rapidamente no desprezo, face às muitas evidências que estender-se por muitos locais. Não é somente neste país que tal prática é levada a cabo com entusiasmo pois, pela lhe dão suporte».

Edward Jenner, Inquérito sobre as causas e efeitos da vacina contra a varíola, 1798

“Os maravilhosos efeitos da nova inoculação”, caricatura de James Gillray, 1802

Esta gravura corresponde a uma cena de vacinação, onde pacientes pobres aglomeram-se por uma porta à esquerda, e na sala estão aqueles cujo tratamento teve consequências terríveis. Uma jovem bonita e assustada está sentada numa poltrona ao centro, o médico (Jenner) segura o seu braço direito e corta-o com a sua faca, enquanto um menino deformado e esfarrapado segura um balde de “Vaccine Pock hot from ye Cow”.

O distintivo oval de um estudante de caridade tem na manga a inscrição “St. Pancras”; do bolso do casaco projeta um panfleto: ‘Benefícios do processo de vacinação’.

Dos pacientes, brotam ou saltam vacas em miniatura. Uma mulher grávida (à direita) e que está de perfil, sai-lhe uma vaca da boca. Um homem vestido de talhante fica desesperado com os chifres que saem da sua testa. Um trabalhador com um forcado vê uma vaca a explodir de um inchaço no seu braço enquanto outro rasga as suas calças; as vacas lutam contra enormes inchaços no nariz, orelha e bochecha.

À esquerda, um assistente enfia com desdém na boca dos pacientes o remédio. Na parede há um quadro, com uma cena onde uma multidão de adoradores ajoelhados prestam homenagem à estátua do vitelo de ouro.

“Edward Jenner advising a farmer to vaccinate his family”.
Oil painting by an English painter, ca. 1910.
Iconographic Collections

A ciência da perspetiva e o infinito divino

A perspetiva na pintura vai ser utilizada pelos jesuítas para a captação visual da liturgia, por parte de todos os que entram nos seus espaços religiosos.

Ao examinar-se as igrejas de Gesú e de Santo Inácio, em Roma ou de São Roque, em Lisboa reparamos na forma como os jesuítas utilizaram um estilo de construção onde efeitos acústicos e ópticos estão em concordância com os sermões religiosos. Em 1583, Giacomo Vignola, arquiteto maneirista do século XVI, aplicou na Igreja mãe dos jesuítas duas técnicas que se adaptavam perfeitamente ao “estilo jesuítico”, uma geometria interna baseada num auditório e a pintura de perspectiva com fins informativos e formativos.

 Podemos afirmar que através da ciência da perspectiva, os jesuítas conseguiram fazer a ligação do Cristianismo à arte e à ciência, reunindo o espaço terrestre e espacial num espaço pictórico.

O trompe-l’oeil, comopor exemplo o da pintura do tecto da igreja jesuíta de S. Roque, insinua movimento, metamorfose e paraíso[1]. A descoberta de que o infinito divino podia ser representado num espaço pictórico e finito, utilizando apenas a ilusão de óptica, foi uma descoberta essencial na catequese do povo.

“Triunfo do Nome de Jesus”, de Giovanni Battista Gaulli (Baciccia), no teto da nave da Igreja de Gesú.

“Triunfo do Nome de Jesus” no teto da nave da Igreja de Gesú.
Giovanni Battista Gaulli

Igreja de Gesú, Roma, Lazio, Itália. A decoração da abóbada da nave remonta ao século XVII. O fresco é obra de Giovanni Battista Gaulli, conhecido como Baciccia. Os relevos em estuque foram executados por Ercole Antonio Raggi e Leonardo Reti, seguindo os desenhos de Baciccia que pretendia efetuar uma verdadeira continuidade entre pintura e escultura.
Os frescos foram encomendados pelo superior geral da Companhia de Jesus, Padre Olivia. Este pediu que o resultado final provocasse um efeito tal nos fiéis de modo a que estes sentissem interiormente as glórias do Céu por meio da contemplação da historia da salvação.

O “Triunfo da Santa Cruz” de Amaro do Vale e Francisco Venegas, no teto da nave da Igreja de São Roque

Em 1587 o Rei Filipe I recebia, em Espanha, três projetos alternativos para pintar o teto da Igreja de São Roque, que lhe foram levados por D. João de Borja. Destes, selecionou o da autoria do seu pintor régio, Francisco Venegas, e os trabalhos começaram pouco depois. No início do século seguinte foi acrescentado o programa iconográfico, alusivo à Eucaristia, numa campanha de trabalhos conduzida por Amaro do Vale[2].

Através do vão de uma das falsas cúpulas encontra-se à espreita, segundo alguns historiadores de arte, o próprio pintor Francisco Venegas.

No centro do teto sobressai uma representação da Glorificação da Santa Cruz e dos Instrumentos da Paixão de Cristo.

A “Apoteose de Santo Inácio de Loyola” e a “falsa cúpula” de Andrea Pozzo.

“Apoteose de Santo Inácio de Loyola” no teto da nave da Igreja de Santo Inácio
Andrea Pozzo.

Igreja de Santo Inácio, em Roma. Fresco do teto em Trompe l’oeil. O teto é totalmente plano, incluindo a cúpula à esquerda, mas cria um efeito de ilusão. A fotografia foi tirada ao nível do chão, no centro da igreja (ao nível dos olhos).
O barroco típico desta igreja, que se vê nos frescos do teto (assim como nos outros detalhes da Igreja), dão-nos a perfeita impressão da imensidão celeste e da tridimensionalidade produzida num único plano. Não se trata de uma cúpula, mas de frescos que causam a impressão de profundidade pela excelente técnica com que foram pintados.
A ilusão de profundidade no teto (a falsa cúpula) celebra a vida de Santo Inácio de Loyola e a Companhia de Jesus no mundo, apresentando o santo a ser recebido no paraíso por Cristo e pela Virgem Maria rodeados por representações alegóricas dos quatro continentes conhecidos até à época.
Andrea Pozzo, um irmão leigo jesuíta, pintou, após 1685, este grandioso fresco que ocupa todo o teto da nave.


[1] IGREJA CATÓLICA. Conferência Episcopal Portuguesa, Encontro de culturas: oito séculos de missionação portuguesa , Lisboa, 1994, pp.182-184.

[2] Museu de São Roque, [Referência de 25 Agosto de 2020]. Disponível na Internet em https://sway.office.com/4qiH3Gsw8tbXMfzY?ref=Link.

In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.