«A revolução de 1820 previa uma viragem na política portuguesa, mas o liberalismo constitucional foi interrompido pelo absolutismo miguelista em 1828. Na defesa da união entre a monarquia absoluta e a instituição eclesiástica, e tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, D. Miguel chama os jesuítas como «bons formadores» e «educadores das mentes e das consciências» da juventude, baseados nos ideais que a tradicional monarquia ambicionava, isto é, uma sociedade legitimadora do status quo, com princípios sociopolíticos estáticos e que não contrariasse os princípios da fé que a Igreja Católica Romana estatuíra.
Com base num percurso histórico evolutivo e na relação de pura reciprocidade entre o rei D. Miguel e os jesuítas, este livro procura responder a quatro questões chave: Quais as razões que estiveram na origem do regresso da Companhia de Jesus a Portugal? Que propósitos e objetivos servia este regresso? Que impactos teve a reinstalação dos missionários jesuítas? Que razões determinaram a segunda expulsão?»,
A história desenrola-se em torno do rei D. Miguel e da Companhia de Jesus, numa relação de pura reciprocidade. Contudo, que razões determinaram a expulsão de ambos de Portugal? Aqui surge a figura de D. Pedro de Bragança, Imperador do Brasil, irmão de D. Miguel.
A alteração da conjuntura na Europa dos anos 30 foi marcada pela subida ao trono de um «rei burguês» na França, pela mudança do ministério inglês para tendências liberais, e pela subida ao trono da regente D. Maria Cristina, de Espanha. O tratado da Quádrupla Aliança, assinado em 22 de abril de 1834, em Londres, entre estes três países e os liberais portugueses, constitui-se como oposição clara à Santa Aliança e que irá contribuir para a vitória dos liberais portugueses e a expulsão de Portugal de D. Miguel.
Os emigrados liberais em Inglaterra demonstravam continuamente a sua revolta contra a «usurpação» do governo de D. Miguel e a sua indignação perante o retorno dos jesuítas a Portugal, e especificamente a entrega do ensino a esta Ordem.
No dia 22 de abril de 1834, a Quádrupla Aliança decide-se pela intervenção militar contra as forças do rei D. Miguel I visando impor regimes liberais nas monarquias ibéricas e em 16 de maio, na batalha de Asseiceira, D. Pedro derrota as forças absolutistas de D. Miguel, assegurando os direitos de sua filha D. Maria da Glória e garantindo a vigência de uma Constituição liberal.
Pelo decreto de 28 de maio de 1834 D. Pedro, em nome de sua filha, futura D. Maria II, extinguiu todas as Ordens Religiosas masculinas. As Congregações religiosas foram o alvo principal da atuação dos liberais, começando por expulsar novamente os jesuítas que, organizados segundo o estatuto canónico da Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, eram considerados “o braço armado” do Papa.
A partir de três elementos, dois retratos de D. Miguel e D. Pedro respetivamente, e do monograma da Companhia de Jesus, pedi à designer Rita Machado que desenhasse esta capa, porque nesta história estas duas personagens e esta instituição religiosa são causa e consequência de toda a trama que se desenrolou entre 1828 e 1834, e na guerra que se manifestou entre estes dois irmãos, um conservador e um liberal.
D. Miguel and the Jesuits: mutual fidelity to ancient traditions 1829-1834
RESUMO:
Este artigo tem como objetivo procurar responder a questões relativas à segunda entrada da Companhia de Jesus em Portugal, concretamente o contexto externo e interno que lhe deu origem, os propósitos que serviu e as razões que determinaram a segunda expulsão.
A autora baseou a sua análise em fontes históricas documentais inéditas e secundárias, destacando-se entre as fontes primárias um repositório de documentos do espólio documental do Arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus.
Foi seguida uma metodologia cronológico-evolutiva na reconstrução do período histórico em análise, seguindo os estudos de historiadores de relevo para a história política e religiosa miguelista.
Como representante do tradicionalismo e conservadorismo, a Companhia de Jesus constitui-se como um instrumento fundamental na afirmação dos ideais miguelistas e reforço da sua causa, mas jesuítas e miguelistas tinham o destino da sua presença traçado perante os ideais do liberalismo.
This article aims to provide answers to some questions related to the second entry of the Society of Jesus in Portugal, specifically the external and internal context that gave rise to it, the purposes it served, and the reasons that determined the second expulsion.
The author based her analysis on unpublished and secondary historical documentary sources, highlighting among the primary sources a repository of documents from the documentary collection of the Archive of the Portuguese Province of Society of Jesus.
A chronological-evolutionary methodology was followed in the reconstruction of the historical period under analysis, following the studies of relevant historians regarding the miguelist political and religious history.
As a representative of traditionalism and conservatism, the Society of Jesus constitutes itself as a fundamental instrument in the affirmation of the miguelist ideals and reinforcement of its cause, but Jesuits and miguelists had the destiny of their presence traced before the ideals of liberalism.
Keywords: miguelism / jesuits / liberalism
INTRODUÇÃO
Em 1759 os jesuítas foram expulsos de todos os territórios portugueses e pelo breve papal Dominus ac Redemptor (21 de julho de 1773), o Papa Clemente XIV suprimia a Companhia de Jesus no mundo.
A sua expulsão de Portugal fazia parte de um projeto político iluminista e centralizador para o qual a Companhia de Jesus era considerada um obstáculo. Na literatura sobre a temática dos Jesuítas portugueses exilados pelo marquês de Pombal prevalece o estudo recente de António Trigueiros, afirmando este que, “No horizonte da política regalista de Carvalho e Melo estaria a total subordinação da Igreja ao poder do Estado e a simpatia pela criação de uma Igreja nacional” (TRIGUEIROS 2016:13).
A literatura sobre o pensamento europeu moderno faz referência a acontecimentos como a Revolução Francesa (1789) ou a dissolução do Sacro Império Romano-Germânico (1806), e a consequente ascensão do nacionalismo, como indicadores relevantes de que estava a nascer uma nova «orgânica» política e social na Europa (BAUMER 1977: 13). As explicações metafísicas do mundo já não se coadunavam com o mundo da experiência e com a consciência crescente do condicionalismo histórico do respetivo momento (BAUMER 1977; HOBSBAWM 001; RÉMOND 1994).
Contudo, após as Guerras Napoleónicas, ea consequente derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo, as monarquias conservadoras depostas/exiladas voltam a subir ao trono, pretendendo-se o restabelecimento do princípio da legitimidade monárquica. O programa de uma Santa Aliança como mecanismo regulador terá então como objetivo a contenção de novos focos revolucionários.
Neste contexto, em 1814 «O mundo católico exige com unanimidade o restabelecimento da Companhia de Jesus». Assim sustentava o Papa Pio VII, por meio da Bula Pontifícia Sollicitudo omnium Ecclesiarum, lida no dia 7 de agosto de 1814 na Igreja de Gesù, restabelecendo a Companhia no mundo. Não obstante, para muitos historiadores, como por exemplo Eric Hobsbawm, «a tendência geral, entre 1789 e 1848, foi a de uma acentuada secularização» da sociedade (HOBSBAWM 2001: 225).
Assim, em Portugal, na primeira metade do século XIX, a sociedade foi atravessada por uma série de acontecimentos – invasões francesas, domínio inglês, a revolução de 1820, a guerra civil – que despertaram, nas palavras de M. de Lourdes Lima dos Santos, uma nova intelligentsia cuja ideologia contribuiu para criar uma crise orgânica com a intelligentsia tradicional, cimentando novos discursos (SANTOS 1979: 69-115). Do lado dos governantes portugueses continuava a pesar, como refere Acácio Casimiro, uma «atmosfera de ódios e calúnias adensada por Pombal e não dissipada por seus sucessores» (CASIMIRO 1940: 475). Após um estudo exploratório do Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza concluiu-se que maioria dos parlamentares desde a revolução de 1820 reassumiu os princípios regalistas estabelecidos no século XVIII por especialistas como António Pereira de Figueiredo, Seabra da Silva ou Ribeiro dos Santos, que defendiam a supremacia do poder civil sobre o eclesiástico, legitimando, deste modo, a política pombalina de dominação do Estado sobre a Igreja. Deste estudo concluiu-se, inclusive, que a propaganda negativa levada a cabo contra a Ordem dos Jesuítas continuava a ter um espaço de riquíssimo debate onde era impossível vingarem as ideias dos políticos mais conservadores, e muito menos a do regresso da Companhia de Jesus.
Neste contexto, os jesuítas eram acusados e combatidos pelos movimentos antijesuíticos, pela sua colagem aos modelos políticos e sociais do passado e pela sua luta contra a modernidade das ideias. D. João VI alegava que a memória histórica da Companhia de Jesus encontrava-se ainda muito manchada. Teófilo Braga refere-se a este assunto alegando que: “Quando D. João VI estava ainda no Brasil tentou-se trazel-o á coligação monarchica que começava pelo restabelecimento dos Jesuítas; os políticos que o rodeavam não comprehenderam o jogo…” (BRAGA 1902:83). Embora ele e a rainha-mãe D. Maria I não fossem desafetos da Companhia, encontravam-se rodeados por um conjunto de pessoas que não sendo liberais mantinham os ideais pró-pombalinos, como Fernando José de Portugal e Castro, Marquês de Aguiar, António de Araújo, conde da Barca, e o conde de Linhares Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que pretendiam manter em vigor o alvará de 3 de setembro de 1759. Em 1832, no periódico A Contra-Mina, Fortunato de S. Boaventura referia as calúnias a que estavam sujeitos os jesuítas no reinado de D. Maria I:
Nem a saudosissima, e piedosissima Rainha D. Maria I, que tomava a peito o restabelecimento dos Jesuitas em Portugal, porque tomava a peito a verdadeira, felicidade dos seus Povos, conseguio trazer novamente a este Reino, e suas Conquistas os Filhos de Sancto Ignacio! Vio-se necessitada a conter, ou reprimir os seus votos, e a deixa-los como abafados, e sepultados em seu Regio Coração …. Tanta era a força das prevenções, ou das calumnias, que ardilosamente se havião espalhado neste Reino contra os Jesuitas! (A CONTRA MINA 1832)
A rainha pretendia readmitir em Portugal os jesuítas expulsos, mas os seus conselheiros fizeram-lhe ver que tinha sido a própria Cúria Romana a extinguir essa Ordem, e que esse pedido tinha vindo de várias potências europeias, para além de que a readmissão dos jesuítas em Portugal seria um motivo de censura por parte do governo de Espanha e de França (DICIONÁRIO HISTÓRICO 1908: 817-819).
Tendo em conta a atuação política, social, educacional e religiosa da Companhia de Jesus no período até à sua extinção em 1759, pretenderam os absolutistas/miguelistas, para revigorar a Igreja, o seu restabelecimento em Portugal. O seu renascimento torna-se inteligível no quadro histórico-político e doutrinário da contrarrevolução europeia, após o Congresso de Viena. Este movimento religioso restaurador assegurava o suporte do seu sistema político na luta contra a avalanche revolucionária iniciada na França dos iluminados e pedreiros-livres.
Depois de fazer um levantamento bibliográfico do tema sentimos ser pertinente efetuar uma nova recolha de informação, mais atualizada e com uma nova perspetiva de análise que o tema merece, não realizada até hoje, tendo como enfoque principal a visão interna da Companhia de Jesus.
Esta visão interna da Companhia sobre o contexto político e social no período em análise permitiria validar as teses sobre o anti jesuitismo dominante na sociedade portuguesa, bem como sobre a manutenção dos seus ideais fortemente associados ao conservadorismo e ao absolutismo.
Podendo delimitar o estudo do objeto de análise do presente artigo, no contexto europeu, no período entre o Congresso de Viena, em 1814, e os movimentos revolucionários da década de 1830, o caso em concreto do corpus deste artigo foca-se no período histórico entre 1829 e 1834, ascensão e queda de um regime tradicionalista.
Como orientação na organização da nossa análise, optámos por uma metodologia cronológico-evolutiva, baseada numa abordagem interpretativa e demonstrativa do processo histórico antecedente e da causalidade desse processo na construção do período histórico-cronológico em análise.
Relativamente à escolha das fontes documentais a utilizar, seguimos uma via múltipla, a leitura e análise relativa à história da Europa e da Igreja Católica na época Moderna e Contemporânea, e o espólio documental que se encontra no arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, instrumento fundamental para o objetivo do nosso trabalho, nunca antes explorado.
Assim sendo, para Portugal beneficiamos de um ambiente fecundo, onde historiadores de relevo aprofundaram a história política e religiosa. De Luís Reis Torgal e Isabel Nobre Vargues lemos um estudo sobre a revolução e contrarrevolução na sua passagem do vintismo até ao absolutismo (TORGAL; VARGUES 1993: 65-87), e de Luís Reis Torgal o estudo sobre o Tradicionalismo Absolutista e Contrarrevolucionário e o Movimento Católico (TORGAL 1993: 227-239). De Maria Alexandre Lousada procurámos descobrir o discurso político do miguelismo (LOUSADA 1987), tal como foi importante ler as diversas publicações de Armando Malheiro da Silva, historiador do miguelismo (SILVA 1993). Com Vítor Neto estudámos a relação entre o Estado e a Igreja neste contexto de mudança (NETO 1993: 265-283). D. Manuel Clemente publicou um conjunto de artigos sobre a Igreja e a sociedade portuguesa que se tornaram relevantes para a temática em questão (CLEMENTE 2012). António Matos Ferreira foi um investigador incontornável para o estudo da desarticulação do Antigo Regime e da Guerra Civil (FERREIRA 2002: 21-35). Na defesa do pensamento contrarrevolucionário em Portugal no século XIX, Fernando Campos, que organizou o inventário do pensamento contrarrevolucionário português, relembra-nos os autores que “…à refutação dos sofismos revolucionários dedicaram o melhor esforço da sua inteligência” (CAMPOS 1931-32).
O estudo sobre os jesuítas, desde o seu nascimento como Ordem religiosa até à atualidade, e em particular o fenómeno anti jesuíta estudado por José Eduardo Franco foi uma contribuição importante para a História e Antropologia religiosas da Europa Moderna e Contemporânea e em particular da História da Companhia de Jesus.
Para suportar todo o processo de investigação, tivemos a oportunidade única de trazer à luz do dia um espólio documental que se encontra no arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus em Portugal, e que consideramos ter sido um recurso de enorme relevo para a nossa pesquisa, no contexto da sua primeira utilização para pesquisa histórica.
Adicionalmente, o estudo de documentos inéditos como uma pequena obra elaborada por ex missionários jesuítas em 1834 que se encontra na biblioteca da revista Brotéria, desperta o interesse para este período de seis anos, período de profundas transformações no campo político, social e das mentalidades.
Também na coleção privada da família Conefrey encontra-se um copiador, no qual se destaca um Requerimento escrito pelos habitantes de Coimbra (de ambas as fações políticas) ao governo do regente D. Pedro, dando conhecimento do não envolvimento dos missionários Jesuítas na política do país.
Destaca-se, inclusive, nos Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, um espólio documental relativo à correspondência trocada entre António Ribeiro Saraiva e diversas personalidades, como por exemplo, a Princesa da Beira, D. Maria Teresa, o Padre Provincial francês Godinot e o Duque de Cadaval, relativas ao assunto dos jesuítas em Portugal, revelando estes o interesse e preocupação das principais figuras do reino para com estes “homens de Deus”. Espólio composto por centenas de caixas e já estudado em parte por Maria Teresa Mónica.
Como resultado deste estudo, acreditamos ter cumprido o objetivo de evidenciar o alinhamento de D. Miguel e dos jesuítas no que respeita à fidelidade mútua às antigas tradições, e contribuir para a identificação de novas áreas de pesquisa no âmbito da temática em apreço.
(…)
Artigo completo em:
VEIGA, Francisca Branco, “D. Miguel e os jesuítas: fidelidade mútua às antigas tradições 1829-1834” . In Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 21 (2021), pp. 217-240.
Noviciado da Cotovia – Fachada, 1863 (Archivo Pittoresco, 1863)
Resumo
Este artigo sobre o noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, instituição criada no espaço onde atualmente existe o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MNHNC), tem como objetivo dar a conhecer a história e edificação deste espaço de educação e religião, no período entre 1619 e 1759.
Pelo estudo do espólio arquitetónico e artístico que chegou aos nossos dias e de fontes de informação com ele relacionado pretendeu-se demonstrar que combinando os fatores espirituais com os factores físicos, este espaço assumiu a sua forma exaltando-se o espírito do lugar de acordo com o modo nostro.
Assim, concebido para responder ao programa arquitetónico específico desta Ordem, o noviciado da Cotovia tornou-se uma referência como primeiro noviciado da Companhia de Jesus na Província Portuguesa.
Palavras-chave: Companhia de Jesus – Noviciado – Arquitetura – História
Abstract
This article about the novitiate of the Cotovia da Companhia de Jesus, an institution created in the space where the National Museum of Natural History and Science (NMNHS) currently exists, has the objective of reviewing the history and construction of this education and religion space, in the period between 1619 and 1759.
By studying the architectural and artistic heritage that has come to our days and the sources of information related to it, it was intended to demonstrate that combining spiritual with physical factors, this space built its shape, exalting the spirit of the place according to the modo nostro.
Thus, conceived to respond to the specific architectural program of this Order, the Cotovia novitiate became a reference as the first novitiate of the Society of Jesus in the Portuguese Province.
Keywords: Society of Jesus – Novitiate – Architecture – History
Introdução
Partindo do título deste artigo Segundo o modo nostro: o edifício do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, 1619 – 1759 é nosso propósito fazer um estudo sobre a arquitetura do edifício dos atuais Museus da Politécnica (MNHNC), no período de 1619 a 1759, isto é, desde o início do noviciado jesuíta até à expulsão da Companhia de Jesus de Portugal.
Depois de fazer um estudo do espólio que chegou até nós e que se encontra nos reservados do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, sentiu-se ser pertinente efetuar uma recolha de informação documental, com uma perspetiva de análise nunca realizada até hoje.
Como orientação desta análise, optou-se por uma metodologia de organização documental, baseada numa abordagem histórica e interpretativa do programa arquitetónico específico da Companhia de Jesus. Desta forma, iremos focar-nos, principalmente, em dois temas: a histórica do edifício nos 140 anos da existência do noviciado e a arquitetura dos seus espaços, inserindo-os no pós Concílio de Trento e nas instruções da Companhia de Jesus para a criação de edifícios jesuítas.
A arquitetura do edifício pensada pelo arquiteto Baltasar Alvares segue a linha do modo nostro jesuíta, onde a atenção ao método, materiais e coerência funcional tinha como fim último a criação de dois espaços distintos, a área da ação do espírito e a área das atividades do corpo e da comunidade.
Os documentos mais importantes para este estudo são as Constituições da Companhia de Jesus, os decretos e os diversos diplomas emanados do Concílio de Trento, as Instrução de S. Carlos Borromeu e os Exercícios Espirituais. Do Arquivo Nacional da Torre do Tombo recolhemos da Colecção do Colégio dos Nobres o Livro 154, da Biblioteca Nacional de Portugal o códice 145, e da biblioteca dos Museu Nacional de História Natural e da Ciência o livro do jesuíta António Franco A imagem da Virtude … em Lisboa. Todos os documentos contêm informação sobre a história do noviciado da Cotovia. Destaca-se o manuscrito do ANTT sobre a História da Fundaçam aumento e progresso da casa de provaçam da Companhia de Iesu de Lisboa, Anno de 1597, pelo facto de nunca ter sido transcrito e de conter informação precisa, escrita por contemporâneos, desde a escritura da Quinta da Cotovia até à entrada dos noviços.
Objetivamente, optou-se de forma explicita por um processo de amostragem qualitativa, assumindo a parcialidade e subjetividade dos autores e intervenientes. Na decorrência deste artigo, acredita-se terem ficado claras as razões que estiveram na origem e posterior construção deste espaço único, criado para a formação de jovens que tinham como objetivo final «ir em missão».
Veja o artigo completo em
Mátria Digital, Ano X, Número X, Dezembro 2022 – Novembro 2023
Francisca M. Branco Veiga, Segundo o modo nostro: o edifício do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, 1619 – 1759, pp. 285-318.
Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.
Educar missionários capazes de irem Além-mar, repartidos pelos quatro cantos do Mundo
Painel que acumula duas cenas, ambas passadas em Paris, também elas clássicas na iconografia inaciana (pormenor)
No sítio de Arroios fundou-se um noviciado, em 1705, da Companhia de Jesus, que tinha como padroeira Nossa Senhora da Nazaré e benfeitora D. Catarina de Bragança (filha de D. João IV), com o intuito de incentivar as vocações sacerdotais para as missões na Índia.
A partir de finais do século XIX e sob administração do Hospital Real de São José, funcionou como unidade hospitalar de isolamento para doentes com peste bubónica, cólera, varíola, lepra e tuberculose. O Hospital de Arroios foi desativado em 1993.
Armas de Portugal e de lnglatera D. Catarina (viúva de Carlos II) benfeitora do Noviciado de Arroios
• Cartela
primeiro, Armas de D. Carlos II, Rei de Inglaterra;
segundo, Armas da Casa Real de Bragança
• Encimado
Coroa Real
• Ladeando a cartela
Leão e Unicórnio escocês
A igreja data provavelmente do início do século XVIII. Mas tanto a igreja como o edifício conventual tinham a traça das casas da Companhia de Jesus, em polígono, com imagens dos Santos Padroeiros e claustro com lambrins em pedra de lioz.
A partir de 2000, a igreja ficou afeta ao culto ortodoxo (a cargo da Comunidade Ucraniana de Arroios).
Da presença da Companhia de Jesus subsiste na sua igreja um dos raros conjuntos de painéis de azulejo com iconografia jesuíta, alusiva à vida de Santo Inácio de Loyola.
A sala da antiga entrada do edifício, virada a SO., era revestida de painéis de azulejo de composição figurativa, formando silhares, representando episódios da vida de Santo Inácio de Loyola: Conversão de Santo Inácio; Santo Inácio ajoelhado troca as vestes de guerreiro pelas de mendigo; Santo Inácio salva um rapaz de afogamento; Santo Inácio antes de morrer recebe a aparição de São Pedro. O quinto painel desapareceu em data desconhecida. Os outros quatro painéis foram retirados no início do séc.XXI pelo Museu Nacional do Azulejo, foram restaurados e estão expostos na Igreja.
Painel de azulejos, agora destacado e encostado à parede, inserido na temática CICLO DA VIDA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA
Painel agora destacado e encostado à parede inserido na temática CICLO DA VIDA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA
Convalescença e conversão de Inácio, no Solar de Loyola
Convalescença de Inácio na Casa Solar de Loiola, deitado no leito com a perna entrapada, após ter sido ferido na Batalha de Pamplona, a 24 de Maio de 1522, com os livros à cabeceira (Vidas de Santos e Imitação de Cristo) recebendo uma visão que o fez melhorar, na véspera da festa de S. Pedro, a 28 de Junho.
Inácio peregrino em Monserrate, dá as suas roupas a um peregrino e veste-se de saco.
Acumula duas cenas, ambas passadas em Paris, também elas clássicas na iconografia inaciana:
Inácio mergulhado na água gelada em Paris (pela conversão de um pecador) – Este episódio refere-se a um encontro passado, em Paris, no período em que frequenta a Universidade de Paris (onde chega a 2 de Fevereiro de 1528, e de onde só parte em Abril de 1535). Sabedor de um homem que vivia em concubinato e dava escândalo público, Inácio esperou-o uma manhã, junto a uma ponte sobre uma lagoa metido na água gelada. Interrogado pelo homem que atravessava a ponte sobre a razão de tal procedimento, respondeu que estava ali a sofrer pelos pecados do seu interlocutor.
Em segundo plano Inácio diante de Diogo de Gouveia na Universidade de Paris (em que este lhe pede perdão pelas calúnias) – O episódio refere-se a uma cena passada em Paris (1528/1535) entre Inácio, que fora acusado injustamente pelo Principal do Colégio de Santa Bárbara, Diogo de Gouveia (1471/1557), que reconhecendo, posteriormente a inocência de Inácio se retracta publicamente, ajoelhando-se diante dele e de toda a academia assiste edificada ao episódio.
Inácio peregrino em Monserrate entrega a espada diante da imagem da Virgem.
Santo Inácio de Loyola reuniu em dois documentos toda a legislação jesuítica pela qual a Ordem se manteve una (corpo e mente): as Constituições e os Exercícios Espirituais, completando a primeira os segundos. A primeira cuida da vida em grupo, isto é, organiza a Companhia de Jesus e a vida dos seus membros, os segundos cuidam da parte espiritual e individual dos indivíduos.
Para o noviço da Companhia de Jesus a oração vocal e mental, a correcção dos hábitos, a assimilação dos valores da vida espiritual, assistir às instruções sobre a doutrina cristã e sobre a vida religiosa específica do instituto, fazem parte da sua formação de base.
O noviciado vai estruturar-se, basicamente, à volta de seis experiências/provações que se consideram principais (Const. 64-70) e que constituem “tempos fortes” de aprofundamento e confirmação da vocação:
primeira, um mês de Exercícios Espirituais que dão ao jesuíta a base e estrutura que orientará a sua vida espiritual e vão ser uma verdadeira escola de oração, de identificação com Cristo, de busca e acolhimento da vontade de Deus;
a segunda, será servir em hospitais durante outro mês, onde vão ser chamados a ajudar nos trabalhos, a servir e a conviver com os doentes – uma oportunidade para ter contacto com a realidade do sofrimento, bem como desenvolver a capacidade de abertura, de relação e de solidariedade, vão baixar-se e humilhar-se;
a terceira consiste num mês de peregrinação, sem dinheiro e mendigando, a fim de se habituarem a comer e a dormir mal. É um tempo para descobrir o valor do essencial na vida e deixar amadurecer a confiança na providência divina. O colégio de Coimbra ainda mantém o registo dos Avisos para os peregrinos, que são conselhos de vida espiritual destinados aos peregrinos;
as outras três experiências são, exercer ofícios domésticos para se humilhar, ensinar a doutrina cristã e confessar e predicar, consoante os tempos, os lugares ou a sua própria capacidade.
Trata-se, por tanto, de provar com estas experiências se a atitude e disposição do noviço está de acordo com a vida em missão na Companhia de Jesus além de criar no noviço atitudes correspondentes a um apóstolo evangélico.
No fim do noviciado, passadas todas as provações vão entregar-se, de acordo com as suas aptidões e talentos, às várias ocupações que a Companhia de Jesus lhes proporciona: estudo e lides literárias; serviço doméstico; Ministérios sacerdotais[1].
[Ministérios da Companhia de Jesus (Martins: Via Spiritus 11, 2004)].
O Padre António Franco no seu livro Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesu na Corte de Lisboa, refere o fim dos noviços da Cotovia:
«…o Padre lhe reprezentou esta caza, declarou o fim, pêra que se fundava, o qual era criaremse nella sugeytos, que fossem estudar aos collegios, e depois se repartissem pellas missoens da India, China, Japaõ, e outras da gentilidade, pêra pregar o Evangelho; donde resultava a Deos grande gloria, e augmento à fe Catholica»[2].
Faz referência às missões como «…o seu dia de allivio…»[3].
[1] Rodrigues, Francisco, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, Porto : Liv. Apostolado da Imprensa, 1931- , T.I, v. I, p. 506.
[2] FRANCO, António, Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesu na Corte de Lisboa, Coimbra : no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1717, p.14.
A.N.T.T., Colecção do Colégio dos Nobres, Liv. 187, CAPº 3
Através de um grande esforço de aproximação, do fomento do intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários Portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante, a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China. Alguns destes missionários da Companhia de Jesus foram nomeados Mandarins pelos Imperadores da China como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos, entre eles: Padre Gabriel de Magalhães, Padre Manuel Dias Júnior, Padre Tomás Pereira, Padre João Francisco Cardoso, Padre André Pereira, Padre Domingos Pinheiro, Padre Félix da Rocha, Padre José de Espinha, Padre André Rodrigues. In VEIGA, Francisca M.C. Branco, Astrónomos Portugueses na China, Mestrado em Património Cultural de Matriz Cristã pela Universidade Católica Portuguesa, Cadeira de Museologia, 2006.
Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.
Nas peças cedidas ao Museu Arqueológico do Carmo pela Escola Politécnica[1] encontram-se duas peças do espólio do Noviciado da Cotovia: uma escultura de São Estanislau Kostka (padroeiro dos noviços) e uma de São Luís Gonzaga (padroeiro da juventude).
São Estanislau Kostka e São Luís Gonzaga (Museu Arqueológico do Carmo)
A estatuária religiosa em pedra possui uma função ornamental e identificativa. Trata-se de imaginária integrada em nichos abertos nas fachadas principais dos edifícios religiosos, aludindo ao orago do templo ou ao universo devocional da comunidade religiosa.
Neste caso específico encontramo-nos iconograficamente perante dois santos da Companhia de Jesus.
São Estanislau Kostka (padroeiro dos noviços) surge-nos, iconograficamente, sustentando um menino nos seus braços, levando-nos ao encontro com sua história onde se conta que, estando doente e durante um sonho, viu a Virgem Maria colocar o Menino Jesus em seus braços. Nossa Senhora, na sua aparição, convidou-o a ingressar na Companhia de Jesus.
A indumentária de ambas as esculturas é semelhante, estando ambos vestidos como membros da Companhia de Jesus, isto é, com sobrepeliz[2].
São Luís Gonzaga (padroeiro da juventude)[3] tem como atributos um lírio, um crânio, uma disciplina ou um crucifixo. Um desses objetos, agora desaparecido da sua mão esquerda era por ele dado a contemplar.
Imagens que física e estilisticamente se aproximam uma da outra, onde a desproporção pode igualmente ser observada e sendo visível ao nível da cabeça, parecendo à vista desarmada um restauro quase desastroso. Cultiva-se o gosto pelo gesto e pela exploração do momento determinante da ação. Mas se olharmos estas figuras num plano mais elevado, esta desproporção ameniza-se. Ambas as peças estão sobre uma base do mesmo material mas também ela provocando alguma dinâmica.
[1] Informação recolhida em José Morais Arnaud (coord.); Carla Varela Fernandes (coord.); Vitória Mesquita (coord.), Construindo a Memória: As Colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2005 (a identificação dos santos encontra-se incorreta).
[2] A Companhia de Jesus ordenou o uso da sobrepeliz durante o sermão e nas lições sagradas, daí surgirem estas duas estátuas com este tipo de indumentária.
[3] São Luís Gonzaga é considerado “Patrono da Juventude”. Seu corpo repousa na Igreja de Santo Inácio, em Roma. São Luís Gonzaga escreveu: “Também os príncipes são pó como os pobres: talvez, cinzas mais fedidas”. Após ter recebido a primeira comunhão das mãos de São Carlos Borromeu, decidiu-se pela vida religiosa, entrando para a Companhia de Jesus.
Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.
A igreja de Gesú, em Roma, tornou-se o modelo arquitectónico a seguir, aquele que traduz as leis e as regras da Companhia de Jesus, onde o altar se encontra no local de acordo com objetivos litúrgicos assumidos no Concílio: uma só nave, larga e desafogada; seis capelas laterais intercomunicantes, de um lado e de outro da nave, erigidas em honra dos Santos e Mártires, permitindo-se a passagem destas ao transepto através de duas câmaras circulares; o transepto é ligeiramente saliente com capelas nos topos; a cúpula sobre o cruzeiro é grande, permitindo iluminar toda a abside; o altar principal fica, geralmente, numa posição bem visível, no topo da capela-mor e o púlpito[1] alto e bem posicionado para dominar sem dificuldade todo o templo e ao mesmo tempo tornar-se o ponto focal, para onde tudo converge.
(9) Altar-mor (8) Abside
(10) Capela de Madonna della Strada (7) Capela do Sagrado Coração de Jesus
(11) Capela de Santo Inácio (6) Capela de Francisco Saverio
(15) Cúpula (16) Sacristia
(18) Crucifico maior (17) Ante Sacristia
(12) Capela da Santíssima Trindade (2) Nave
(13) Capela da Sagrada Família (5) Capela dos Anjos
(14) Capela de Francisco Borgia (4) Capela da Paixão de Cristo
(1) Fachada (3) Capela de Santo André
A necessidade de mostrar a grandeza de Deus num espaço amplo, com muita luz, incentiva o povo cristão ao culto mostrando de uma só vez todo o recinto sagrado e o orador a pregar.
Esta igreja corresponde a dois tempos vividos pela Reforma, a sobriedade dos primeiros tempos e a riqueza e ostentação do segundo, onde o maneirismo da estrutura arquitectónica se mistura com barroco da decoração.
No âmbito do Padroado Português, o modelo mais próximo terá sido a igreja de S. Roque, em Lisboa. O projecto da igreja de S. Roque embora inspirado no da igreja de Gesú, apresenta em relação a esta várias diferenças como: a diminuição da largura do transepto que, na igreja de Lisboa, quase se confunde, em planta, com as capelas laterais; enquanto na arquitectura da Gesù há uma cúpula central que depende dos arcos gerados pela abóbada de berço, no padrão português a adopção das traves promove um espaço mais livre e a inexistência de abóbadas recortando o forro da nave central possibilita o uso de padrões decorativos cada vez mais sofisticados nos forros (como a pintura ilusionista); oito capelas laterais intercomunicantes; cabeceira rectangular com capela-mor plana e pouco profunda; a substituição da abside[2] por uma capela-mor muito pequena e inclusão de uma teia com balaústres que delimita o avanço do santuário em relação ao corpo da igreja.
(9) Capela da Sagrada Família (1) Capela da Senhora da Doutrina
(8) Capela de Santo António (2) Capela de São Francisco Xavier
(7) Capela da Senhora da Piedade (3) Capela de São Roque
(6) Capela de São João Baptista (4) Capela do Santíssimo
(13) Altar do Presépio (11) Altar da Anunciação
(12) Altar da Santíssima Trindade (10) Altares das Relíquias
(10) Altares das Relíquias (5) Capela-Mor
(14) Sacristia
Segundo o padre Francisco Rodrigues as igrejas jesuíticas lusas da segunda metade do séc. XVI e primeiros quartéis do séc. XVII seguem o modelo da igreja de Gesú. No seu livro História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal ele afirma:
“No estilo dessas obras arquitectónicas …seguiu-se geralmente o que prevalecia naquela época de renascimento. Tôdas elas se assemelhavam nas linhas gerais, e distinguiam-se facilmente de outros estilos por certas formas características, de regra observadas na sua construção. Alargavam-se desafogadamente na amplidão de uma só nave, abriam-se lateralmente de um lado e do outro do corpo da igreja em capelas fundas com seu arco de cantaria; o altar principal ostentava-se bem visível no tôpo da capela-mor, e o púlpito suspendia-se em tal altura e posição, que dominasse sem dificuldade tôda a vastidão do templo. Desta sorte se oferecia ao povo cristão uma idéia mais impressionante da grandeza de Deus com a maior largueza do espaço e mais abundância de luz, providenciava-se maravilhosamente à magnificência do culto, abrangendo a multidão dos fiéis com seu olhar tôda a extensão do recinto sagrado, e podiam ainda os maiores concursos ver o orador e escutar-lhe fàcilmente a voz. Assim foi o sentimento religioso e a facilidade imponência das cerimónias cultuais, que traçaram, como era justo, as leis da arquitectura dos santuários. Veio de Roma a insinuação do estilo, quando se propôs, como norma para as igrejas da Companhia o templo magnífico do Gesú, que por aquêles mesmos anos e com iguais intuitos de prática utilidade se construíu no centro da cidade papal, sob a direcção de arquitectos insignes, como eram VIGNOLA e DELLA PORTA. De feito em 1568 o santo Geral Francisco de Borja aconselhava que as igrejas da sua Ordem fôssem de uma só nave, como a igreja do Gesú. Nesse ano precisamente se abriam osalicerces ao templo farnesiano”[3].
[1] Tribuna, nas igrejas, de onde os oradores sagrados pregam.
[2] Hemiciclo ou meia abóbada que termina as basílicas cristãs, debaixo do qual se encontra o altar-mor.
[3] Francisco Rodrigues S.J., História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal, t.II, vol. 1, p. 180.
Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.
A Companhia de Jesus nos séculos XVI a XVIII esteve ativa em Portugal ao longo de um período de duzentos e dezanove anos, desde a sua fundação em Roma, em 27 de setembro de 1540, até 3 de setembro de 1759, data do decreto do Marquês de Pombal que promulgou a sua extinção no nosso país.
Foi em 1540 com D. João III (1521-1557), que a Companhia de Jesus entrou em Portugal, sendo o nosso país a primeira Província jesuíta no mundo. Numa época de forte expansão territorial D. João III irá ser o primeiro rei na Europa a contactar Inácio de Loyola devido à necessidade de encontrar missionários, homens letrados, para evangelizar o Oriente, pregando e convertendo à Fé cristã os nativos. D. João concedeu privilégios aos jesuítas, nomeadamente casas gratuitas, liberdade de enviar missionários para todo o mundo e de fundar colégios.
A Companhia de Jesus instalou-se em Portugal continental e Ilhas Atlânticas, durante este período, fundando diversas Casas Professas, Colégios, Noviciados e quintas de recreio. Só em Lisboa, à data da extinção da Companhia havia sete instituições jesuítas: a Casa Professa de S. Roque, o Colégio de Santo Antão, o Seminário de S. Patrício dos irlandeses católicos[1], o Noviciado de Nossa Senhora da Assunção (da Cotovia), o Colégio de S. Francisco de Xavier em Alfama, o Hospício de S. Francisco de Borja e o Noviciado de Nossa Senhora da Nazaré em Arroios (noviciado das Missões).
[1] Em 1611 António Rodrigues Ximenes instalou num edifício antigo da Tutoria da Infância este Seminário que se encontrava sob a direção dos jesuítas. Expulsos os jesuítas por Pombal em 1759, o Colégio de S. Patrício manteve-se em atividade até cerca de 1830, instruindo crianças pobres.
Seminário de S. Patrício dos irlandeses católicos
Noviciado de Nossa Senhora da Assunção (da Cotovia)
Colégio de S. Francisco de Xavier em Alfama
Hospício de S. Francisco de Borja
Noviciado de Nossa Senhora da Nazaré em Arroios (noviciado das Missões)
Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.
Nos séculos XV e XVI desenvolveram-se em Portugal os meios técnicos necessários que possibilitaram as grandes navegações, as quais, por sua vez, vieram a permitir progressos científicos notáveis nos mais variados domínios, com destaque para a Náutica, a Cartografia, a Construção Naval, a Medicina e a Botânica.
As viagens dos Descobrimentos obrigaram os portugueses a considerar o regime dos ventos e das correntes no Atlântico e a desenvolver a náutica astronómica, isto é, a capacidade de conhecer a posição aproximada dos navios em alto mar.
Para esse feito utilizaram-se instrumentos de observação astronómica como o quadrante e o astrolábio náuticos ou ainda a balestilha, que permitiam determinar a altura de um astro sobre o horizonte e dessa forma calcular a latitude do lugar onde se realizava a observação.
Lisboa tornou-se no centro de intercâmbio cientifico entre os Colégios Europeus e as missões orientais.
No Colégio (jesuíta) de Santo Antão, em Lisboa, funcionou desde finais do século XVI até ao século XVIII uma “Aula de Esfera”, pública (“Aula de Esfera” por se tratar de textos sobre Tratados «da esfera», dedicados à exposição dos princípios de cosmografia).
Programas seguidos nesta aula:
Arte de Navegar
Estudo da Geografia/Hidrografia
Cosmografia, construção e uso de globos
Astrologia Judiciária / astrologia prática
Geometria (ingresso na carreira militar)
A «aula de esfera» do Colégio de Santo Antão foi muito importante na cultura portuguesa do século XVII por ser o único curso onde se professavam as ciências tão intimamente ligadas à Matemática.
Aqui estudaram muitos dos homens que retratámos em outras publicações e que se distinguiram em cargos que dependiam destas ciências.
Jesuítas Matemáticos Portugueses no Império da China (século XVI-XVIII).
Astrónomos jesuítas Portugueses na China (1)
TOMÁS PEREIRA S.J. [Nome chinês: Xu Risheng, cuja tradução é “Sol que nasce aos poucos”].
S. Martinho do Vale (Braga)
Missionário jesuíta, músico, matemático.
Nasceu a 1 de novembro de 1645, e S. Martinho do Vale, perto de Braga e morreu a 24 dezembro de 1708 em Beijing (Pequim).
Descende de uma família nobre portuguesa Costa Pereira estudou no Colégio de S. Paulo, em Braga.
Integrou durante 35 anos a corte do imperador chinês Kangxi (1654 – 1722), cuja governação marca o início de uma era áurea da civilização chinesa.
Zarpou de Lisboa em 15 de abril de 1666 e acabou a sua formação na Índia.
Saiu de Macau em 1672 e chegou a Pequim em 1673. Foi convidado do Imperador Xangxi devido aos seus dotes naturais e musicais. Ensinou o Imperador a tocar o “clavicórdio”.
No ano de 1688 foi encarregue de traçar as fronteiras da Sibéria com a China.
Vice-Presidente do Tribunal das Matemáticas, em Pequim. Depois da morte de Verbiest (1688) Xangxi nomeou Tomás Pereira presidente da Comissão de Astronomia, mas Pereira declinou, ficando como Presidente substituto com António Pereira de 1688 a 1694.
Tomás Pereira fabricou um relógio para a torre de uma igreja, em Pequim.
Introduziu no interior da torre um tambor com espigões, semelhantes aos das caixas de música, que acionavam arames ligados aos badalos de um carrilhão o qual, a todas as horas, tocava músicas tradicionais chinesas.
Astrónomos jesuítas Portugueses na China (2)
ANDRÉ PEREIRA S.J. (1689-1743)[Nome chinês: XU Moude, Zhouxian].
Missionário, sinólogo, astrónomo, matemático.
Nasceu em 1689, no Porto e morreu em 1742, em Beijing (Pequim)
Em 1710 estudava Filosofia na Universidade de Évora, onde tirou o grau de Mestre em Artes.
A 13 de Março de 1716, embarcou em Lisboa na nau Sant’Ana rumo a Macau, onde chegou a 30 de Agosto do mesmo ano.
Concluiu os estudos no Colégio Macaense.
Em 1724 foi chamado para a corte de Pequim como astrónomo e matemático e três anos depois recebia do Imperador a promoção a vice-presidente do Tribunal astronómico.
Deixou várias observações astronómicas, entre elas, aos satélites de Júpiter, em Pequim.
Período de grande intercâmbio científico entre os astrónomos portugueses, em Pequim, e a Academia das Ciências de S. Petersburgo, na Rússia (com o médico português Ribeiro Sanches).
Foi nomeado pelo Imperador ao grau de Mandarim.
Entre 1583 e 1805, portugueses presidiram, em Pequim, ao célebre Tribunal das Matemáticas – uma espécie de Ministério do Interior encarregue de elaborar o Calendário Imperial e que empregava 150 a 200 funcionários. André Pereira foi vice-presidente deste Tribunal de 1728 a 1742 .
Sobre a atividade científica de alguns portugueses em Pequim escreve Francisco Rodrigues:
“Matheus Ricci, auxiliado pela dedicação de tantos portugueses como Duarte Sande, António de Almeida, Francisco Cabral, João Soeiro, João da Rocha, Gaspar Ferreira e Manuel Dias, sénior, chegou a gozar de tamanha reputação pela sua ciência que julgava a sua permanência segura no Celeste Império.”
China: Encontro de Culturas
Através de um grande esforço de aproximação, do fomento do intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante, a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China.
Alguns destes missionários da Companhia de Jesus foram nomeados mandarins pelos Imperadores da China como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos. Entre eles destacamos: Padre Gabriel de Magalhães; Padre Manuel Dias Júnior; Padre Tomás Pereira; Padre João Francisco Cardoso; Padre André Pereira; Padre Domingos Pinheiro; Padre Félix da Rocha; Padre José de Espinha; Padre André Rodrigues.
Astrónomos jesuítas Portugueses na China (3)
GABRIEL DE MAGALHÃES S.J.[Nome chinês: An Wensi, Jingming].
Missionário, sinólogo e escritor.
Nasceu em 1610 em Pedrogão Grande, Leiria e morreu a 6 de maio de 1677, em Beijing (Pequim).
Descendente do grande navegador Fernão de Magalhães.
Estudou Filosofia no Colégio das Artes, em Coimbra.
A 21 de março de 1634 zarpou de Lisboa para Goa. Em Macau ensinou Filosofia e obteve o grau de Mestre em Artes.
Possuía um talento extraordinário para idealizar máquinas com que divertia o Imperador Xangxi.
Ao serviço dos imperadores Shunzhi e Kangxi,e ganhando a sua simpatia e afeição, Magalhães construiu uma série de dispositivos mecânicos:
– Construiu um robot com uma figura humana, que quando se dava corda podia caminhar por 15 minutos, levava um escudo numa mão e na outra tinha uma espada desembainhada.
– Construiu um relógio de carrilhão e torre que tocava uma música chinesa de hora a hora.
– Construiu outro relógio onde o Imperador podia ver as horas à luz das estrelas.
Foi auxiliar de Adam Schall no Tribunal de Astronomia.
O Imperador Xangxi escreveu o seu epitáfio.
Escreveu “Nova relação da China”.
Imagens:
Igreja de São José, Pequim大聖 若瑟 堂 (em chinês)
MAGALHÃES, Gabriel de, Nova relação da China : contendo a descrição das particularidades mais notáveis deste grande império.
Hong Taiji, whose five-year-old son, Fulin, became the Shunzhi Emperor in 1643.
The Kangxi Emperor at the age of 45, painted in 1699
Modern striking turret clock movement mounted in a clock tower
Astrónomos Jesuítas Portugueses na China (4)
FÉLIX DA ROCHA S.J. – Lisboa (1713-1781)[Nome chinês: Fu zoulin, Lisi].
Missionário, cartógrafo, astrónomo, escritor.
Nasceu a 30 de Agosto de 1713, em Lisboa e morreu a 22 de Maio de 1781 em Beijing (Pequim).
Saiu de Lisboa a 13 de Abril de 1735 e chegou em 1737 a Macau continuando os seus estudos de Teologia no Seminário.
Em Pequim, em 1753, o Imperador Quianlong nomeou Assessor do Tribunal das Matemáticas.
Após o falecimento do seu diretor, August von Hallerstein, passou a dirigir o Observatório Astronómico de Pequim. A partir de 1774 o cargo de presidente deste departamento foi sempre ocupado por jesuítas portugueses, sendo o primeiro Félix da Rocha e o último D. Caetano Pires.
O seu superior, Ignacio Koegler, descreve-o como «um jovem de génio vivo e penetrante e ávido de saber».
Desempenhava tarefas matemáticas intervaladas com demoradas excursões de Cartógrafo.
Em 1755, depois de ter feito os mapas de Sungaria, Turquistão e partes da Bujara, onde viviam os mongóis ocidentais, Quianlong elevou-o a Mandarim de 2° grau.
Entre agosto de 1774 e março de 1777 fez os mapas do Tibete.
Duas das suas obras mais importantes feitas na China:
O atlas da China – “Huangzhao Zhungwai Yihong Yotu”
O pequeno Tibete – “Weicang Tushi”
Em 1770, Cibot S.J. escrevia o seguinte: «Acabam de ser publicadas mapas e notícias sobre regiões recentemente conquistadas, sem que sejam mencionados os nomes dos nossos padres portugueses que, por ordem imperial, recolheram os dados e as coordenadas desses mesmos locais».
O jesuíta Félix da Rocha enviou para a famosa e prestigiada Academia de São Petersburgo 64 tomos das obras escritas pelos jesuítas de Pequim.
Morreu dois meses antes de completar 68 anos.
I – Mandarim, em finais da Dinastia Qing
II – Retrato do Imperador Qianlong (乾隆 Qiánlóng) (Hongli (弘历), 25 de setembro de 1711 – 7 de fevereiro de 1799)
III – Vista geral do Observatório de Pequim, após adaptações executadas pelo Padre Verbiest, entre 1669-1673.
Astrónomos Jesuítas Portugueses na China (5)
JOSÉ DE ESPINHA S.J. (1722-1788),
[Nome chinês: GAOShensi, Ruose, 高慎思]. Lamego
Missionário, cartógrafo, astrónomo.
O padre José de Espinha nasceu em Vilar de Torpim, Lamego, em 1722 e faleceu em Pequim em 10 de Junho de 1788.
Embarcou para Goa em 1749 e aí terá sido ordenado. Estava em Macau em 1751 e a 22 de Agosto do mesmo ano entrou em Pequim.
Acompanhou Félix da Rocha nos trabalhos de cartografia em 1756. Foi vice-diretor do Tribunal das Matemáticas e director, a partir de 1781, como mandarim de grau quatro, concedida por ocasião da sua viagem à Tartária.
José Espinha e os seus companheiros jesuítas, André Pereira e Félix da Rocha alcançaram grande notoriedade no Departamento de Astronomia. O Eclipse do Sol ocorrido em julho de 1730, consagrou o prestígio destes religiosos cientistas, cuja previsão superou em rigor a dos académicos chineses.
Em 1775, D. Alexandre Guimarães, o bispo de Macau, nomeou o padre José de Espinha para vigário apostólico da diocese de Pequim.
Os «padres da corte», como eram conhecidos entre os portugueses, alcançaram grande influência política, de tal modo que foram várias vezes decisivos na defesa das posições portuguesas. Como nos relata Francisco Rodrigues, na sua obra “Jesuítas Portugueses Astrónomos na China”, é possível que Macau tenha sobrevivido graças aos jesuítas de Pequim.
Imagens:
I – Estela tumular do “ilustre Dao”, jesuíta José D’espinha (1722-1788), no cemitério de Chala em Pequim.
II – Francisco Rodrigues, “Jesuítas Portugueses Astrónomos na China”. Instituto Cultural de Macau, 1990.
III – Traje do Astrónomo chinês em 1675
Astrónomos Jesuítas Portugueses na China (6)
MANUEL DIAS JÚNIOR S.J. (1574-1659)
[Nome chinês: YANG Manuo, Yenxi].
Missionário, astrónomo, escritor.
Nasceu em 1574 em Castelo Branco e morreu a 1 ou 4 de março de 1659 em Hangzhou (Zeijiang), China.
De 1596 a 1600 estudou Filosofia no Colégio das Artes em Coimbra, seguindo o curso de Matemática de Grienberger (sucessor de Clavius no Colégio Romano).
É considerado pela historiografia como um dos mais reputados jesuítas portugueses da missão da China.
Saiu de Portugal a 11 de Abril de 1601 para a Índia a bordo da nave “Santiago”, e provavelmente chegou a Goa no mesmo ano. Terminou aí os seus estudos de Teologia.
Chegou a Macau por volta de 1605 e ensinou teologia seis anos.
Em 1613/14 chega a Pequim com a ordem de «ensinar matemática aos chineses».
Em 1623, Dias foi nomeado vice-provincial da recém criada vice-província da China, e permaneceu nesta posição até 1635.
Em 1627, esteve em Hangzhou, onde construiu uma igreja e estabeleceu um Seminário. Morreu em Hangzhou, sendo enterrado fora da muralha da cidade, num local conhecido como Dafang jing 大方井.
Nas suas publicações afirmava a existência de esferas celestes sólidas. Esta doutrina estranha à cosmologia chinesa, estimulou reacções muito vivas entre os mandarins, referidas na Europa por Cristóvão Borri.
Em 1614, Manuel Dias escreve na China o compêndio Tianwen lue 天問略 (Tratado de Questões sobre os Céus), em mandarim.
É um pequeno compêndio de cosmografia e astronomia. No fim desta obra incluí a descrição, com figuras, da nova observação telescópica, feita por Galileu em 1609, sobre os “braços” de Saturno.
Galileu tinha descoberto duas saliências na altura do equador de Saturno. Como o telescópio não era suficientemente poderoso para que ele pudesse perceber os anéis do planeta, atribuiu as saliências a duas pequenas luas, bem próximas à superfície de Saturno. Quando as notícias chegaram a Pequim, Manuel Dias fez este desenho no seu manual de astronomia Tianwen lue 天問略.
O primeiro globo terrestre da China é feito por Manuel Dias e pelo italiano Nicolau Longobardo. É do ano de 1623, quando ainda não havia noção na China de que a Terra era esférica.
Imagens:
– Assinatura de Manuel Dias
– Tianwen lue 天問略de Manuel Dias Júnior (Pequim, 1615).
-A primeira descrição das observações telescópicas de Galileu na China, pelo jesuíta Manuel Dias júnior. A figura representa o planeta Saturno, tal como Galileu o viu.
JOÃO FRANCISCO CARDOSO SJ. (1677- 1723)
[Nome chinês: MAl Dacheng, Erzhang].
Missionário e Cartógrafo
Nasceu a 13 de junho de 1677 perto de Leiria, e morreu a 14 de agosto de 1723 em Beijing (Pequim).
Estudou no Colégio de Santo Antão, em Lisboa.
Zarpou de Lisboa em março de 1708, chegou a Macau em outubro e à China, no mesmo ano, entrando em Pequim em julho de 1711.
Levou consigo os presentes do rei de Portugal para o Imperador Kangxi, entre eles vinho espanhol.
A célebre “Querela dos Ritos Chineses”, atiçada após a chegada das Ordens mendicantes à China, no princípio da década de 1630, questionou a acomodação do Cristianismo à cultura clássica chinesa prevalecente entre os missionários da Companhia de Jesus desde o tempo de Matteo Ricci.
O cardeal Carlo Tommaso Maillard de Tournon, Patriarca de Antioquia e legado apostólico enviado à China em 1703, fora incumbido pelo papa Clemente XI da missão de minar tanto a actividade dos jesuítas, como o monopólio do padroado concedido ao rei de Portugal nas dioceses chinesas. D. João V reagirá, nomeando seu “enviado extraordinário” a Pequim o matemático jesuíta João Francisco Cardoso, naquela que foi uma das respostas mais visíveis à crise dos Ritos.
O Imperador mandou os jesuítas Pierre-Vincent de Tartre (1669-1724) e João Francisco Cardoso preparar os mapas das províncias de Jiangxi, Guangdong e Guangxi. J. F. Cardoso enviou cópias dos mapas para Portugal.
Du Halde descreve estes mapas como tendo “cada um dez pés quadrados” (DU HALDE, Jean-Baptiste, S. J. — A description of the empire of China and Chinese Tartary, London, 1738-1741, vol. l, pp. VII).
Cardoso vai substituir Tomás Pereira na presidência do Tribunal das Matemáticas.
Foi nomeado mandarim pelo Imperador como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos.
No dia 14 de agosto de 1723, morreu em Pequim o Pe. João Francisco Cardoso, grande sábio e artista jesuíta, autor de um altar que o Imperador lhe encomendou.Morre cedo, com quarenta e seis anos, um ano depois de Kangxi.
ANDRÉ RODRIGUES S.J. (1729-1796)
[Nome chinês: AN Guoning, Yongkang, 安國寧].
Missionário, astrónomo.
N. 3 fevereiro 1729, Mortagoa (Viseu), Portugal.
M. 2 dezembro, 1796, Beijing/Pekín, China.
Especializado em astronomia, partiu para a China em 1754 chegando a Pequim a 13 de Maio de 1759.
Em 1773, pelo breve Dominus ac Redemptor o papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus. Nesse ano viviam em Pequim seis jesuítas portugueses, João Seixas (1710-1785), Félix da Rocha (1713-1781), José de Espinha (1722-1788), Inácio Francisco (1725-1792), José Bernardo de Almeida (1728-1805) e André Rodrigues (1729-1796). André Rodrigues vivia na Igreja de Dongtang (王府井 天主堂), ou de S. José com mais dois missionários portugueses, João de Seixas, Prefeito da Cristandade que conta uns mil e seiscentos cristãos de confissão anual e Inacio Francisco, ex-procurador e interino ecónomo.
Igreja de São José dos Portugueses em Pequim
– Gravura do último quartel do séc XVIII.
Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa
Em 1775, dois anos após a supressão da Companhia de Jesus, foi nomeado vice-diretor e, posteriormente, diretor de Tribunal de Astronomia.
Em 1775, André Rodrigues e o vice-provincial José Espinha notificaram o Imperador Qianlong que a sua igreja, conhecida como a Nantang (Igreja do Sul), tinha sido destruída num incêndio (13 de fevereiro). Qianiong doou 10.000 taeies de prata para a sua reconstrução.
Rodrigues deixou descritas em, “Memórias da Real Academia das Ciências de Lisboa”, numerosas observações de eclipses do sol e da lua, feitas em Pequim, para além de algumas cartas.
A memória de Rodrigues – “Observationes Atronomicae Habitae”, publicada no tomo II (1799)(*2) inclui registos de observações feitas em Pequim, por ele ou por outros padres, entre 1753 e 1795. Para além do trânsito de Mercúrio ocorrido a 16 de maio de 1753 e registado pelo padre Augustin Hallerstein (1703 – 1774), de vários eclipses do Sol e da Lua registados por Rodrigues, a memória contém ainda uma espécie de adenda com os registos de observações do eclipse do Sol de 15 de Julho de 1730 feitos pelos padres jesuítas Inácio Kögler (1680 – 1746) e André Pereira (1689 – 1743).
Foi promovido a Mandarim de 3º grau a 19 de agosto de 1793 (quase o topo da hierarquia do mandarinato), para que servisse de interprete na embaixada britânica. Christoph Gottlieb von Murr publicou a sua “Tradução Fidelis Litterarum, Lusitanicè scriptarum à P. Andrea Rodriguez, Tribunalis Mathematici Praeside tertio, Pekini in Residentia S. Josephi 15 Augusti 1777″*. Murr também mencionou que enviou cartas à delegação de Macartney (a primeira missão diplomática britânica na China), datadas de 7 de maio e 6 de agosto de 1793 (Murr, Litterae patentes, p. 26).
Os jesuítas esforçaram-se por adoptar os hábitos chineses. Na China, o jesuíta Matteo Ricci adaptou a metodologia de inculturação ao contexto chinês, numa necessária adaptação dos costumes cristãos às sociedades asiáticas. Os jesuítas começaram a vestir-se como monges budistas, mas acabaram por adotar as vestes mais prestigiantes de seda dos letrados confucianos.
Matteo Ricci, missionário jesuíta na China, vestido como um letrado chinês.
ALMEIDA (ALMEYDA), JOSÉ BERNARDO DE
[Nome Chinês: SOU Dechao, Yuechang, que pode ser traduzido como “tentar ir além da virtude”].
Missionário, Matemático, Cientista, Médico.
N. 18 de setembro de 1728, Penda (Coimbra), Portugal; M. 12 de novembro de 1805, Beijing/Pekín, China.
Entrou na Companhia de Jesus no noviciado de Arroios, noviciado criado para preparar missionários.
Desde sua chegada a Pequim em 13 de maio de 1759, José Bernardo de Almeida foi diretor do Tribunal das Matemáticas e Astronomia e foi nomeado vice-presidente em 1793 — o último jesuíta a ocupar este cargo.
Na corte imperial trabalhou como médico, dentista e farmacêutico, tendo tratado alguns filhos do próprio Imperador.
A extinção do Companhia de Jesus (1773) e sobretudo o atraso na sua promulgação em Pequim (22 de setembro de 1775) – quase um ano após a chegada e promulgação do breve papal (1774) a Macau – causaram muita confusão na capital. José Bernardo de Almeida foi promovido a manaarms ae botão azul, grau três, quase o topo da superioridade do mandarinato.
Após a morte do imperador Qianlong e a ascensão ao trono do seu sucessor Jiaqing (1796), o missionário de serviço imperial foi convidado a prestar homenagem ao falecido imperador, de acordo com os costumes chineses. Quando ele e outros companheiros se recusaram (conscientes da controvérsia dos ritos chineses), afirmando que era incompatível com suas crenças religiosas, o novo imperador aceitou de bom grado suas razões, apesar de sua oposição ao cristianismo.
The Qianlong Emperor in Ceremonial Armor on Horseback
Giuseppe Castiglione
Depois de 1799, com a morte do imperador Qianlong, a situação dos nossos missionários em Pequim vai conhecer piores dias.
Almeida foi o português da extinta Ordem que mais tempo sobreviveu na China e, pouco antes da sua morte, poderá ter sido reincorporado (cerca de 1802) na Ordem, associando-se aos Jesuítas da Rússia Branca.
Foi sepultado no cemitério de Zhalan, em Pequim.
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Através de um grande esforço de aproximação, do fomento do intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários Portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante, a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China.
Alguns destes missionários da Companhia de Jesus foram nomeados Mandarins pelos Imperadores da China como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos.
Gabriel de Magalhães, Félix Rocha, André Pereira, Francisco Cardoso, todos jesuítas portugueses, todos indispensáveis, (todos sepultados no cemitério de Zhalan (em chinês: 栅栏墓地) ) foram passando pelas diferentes disciplinas do saber e levaram o imperador a requisitar de Portugal outros mais, por tanto apreciar estes.
Portal do Cemitério Zhalan com a lápide de Matteo Ricci ao fundo.
Cemitério Zhalan, lápides de Jesuítas.
*André Rodrigues, “Fidelis translatio Litterarum, Lusitanicè scriptarum à P. Andrea Rodriguez, Tribunalis Mathematici Praeside tertio, Pekini in Residentia S. Josephi 15 Augusti 1777“, in Murr, Journal zur Kunstgeschichte VII (1779), pp. 264–67.
*2 Andrea Rodrigues, “Observationes Atronomicae Habitae”, Memorias de Mathematica e Phisica da Academia R. das Sciencias, II (1799).
Assiste-se a partir de meados do século XVI a um aumento da produção de imagens sacras. O conjunto escultórico do Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus ( espaços ocupados atualmente pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência, de Lisboa), que chegou aos nossos dias (e de nosso conhecimento), é bem representativo das novas exigências do culto tridentino, que deu especial relevo à imagem de Nossa Senhora sob as variadas invocações, à imagem de Cristo, dos Apóstolos e dos Santos mártires[1].
A escultura da Virgem com o Menino Salvador do Mundo é uma imagem de vulto, em madeira de carvalho setentrional, estofada e policromada, apresentando grande delicadeza na sua postura. Exibe um estofo muito desgastado e alguns vestígios de policromia.
Virgem com o Menino Salvador do Mundo
Data: séc. XVII d.C. Dimensões: – Altura: 130 cm – Largura: 26 cm – Comprimento: 51 cm Materiais: – Madeira Técnicas: – Dourado – Estofado – Policromado – Escultura
A outra escultura de vulto é um S. Paulo, e que apresenta os mesmos problemas na conservação. O estofo encontra-se muito desgastado, em tons vermelho e verde e com alguns vestígios de policromia, provavelmente floral e geométrica, com desenho de linha a dourado. Esta imagem parece ter sido repintada, pelo menos nas zonas sem estofo.
São Paulo
Autor: Desconhecido, trabalho português Datação: séc. XVII d.C. Dimensões: – Altura: 115 cm – Largura: 33 cm – Profundidade: 40 cm Materiais: – Madeira Técnicas: – Dourado – Estofado – Policromado – Escultura
A terceira e última escultura do espólio do Noviciado da Cotovia é um Cristo que estaria na sua origem atado a uma coluna. Escultura em muito mau estado de conservação, com ténues vestígios de pintura. Esta imagem está associada à flagelação de Cristo. A cena da Flagelação, tal como os outros episódios da Paixão é, a partir do século XVI, representada com grande dramatismo, com Cristo atado a uma coluna e ladeada dos verdugos. Quando a cena se encontra despida de todo e qualquer elemento (verdugos, açoites) transforma-se numa imagem de grande devoção, como o caso deste exemplar do Noviciado da Cotovia. Com estas imagens os escultores praticavam a criação do nu, proibido pela igreja pois era considerado indecoroso e desonesto.[2]
Cristo preso à coluna
Autor (es): Desconhecido Datação: séc. XVII d.C. Dimensões: – Altura: 187 cm – Largura: 32 cm – Profundidade: 52 cm Materiais: – Madeira Técnicas: – Dourado – Estofado – Policromado – Escultura
Não existem referências quanto aos seu autores, mas sabe-se o local para o qual a escultura de S. Paulo foi criada dado que em 1759, quando os bens da Companhia de Jesus foram sequestrados, foi elaborado um inventário onde era referido que na sacristia se encontrava «…em cima do caixão três imagens de vulto, uma de S. Pedro, outra de S. Paulo, ambas de cinco palmos com resplendores de folha prateada,…»[3]tendo em atenção que seguiam uma representação “tipo” seguindo as normas tridentinas.
Encontrámos referências bibliográficas a outra imagem escultórica, do século XVIII, pertencente ao Noviciado e que se encontra atualmente na igreja de S. Mamede, vizinha dos Museus da Politécnica, sendo lá colocada após um dos últimos incêndios que houve na antiga escola Politécnica. Esta escultura encontra-se em muito bom estado de conservação. José de Almeida foi o escultor desta imagem de vulto, em madeira policromada e estofada.
Nª Sª da Conceição Autor: José de Almeida Data: séc. XVIII
As esculturas do Noviciado da Cotovia são maneiristas, do início do século XVII, fidelizadas a parâmetros de imaginária sacra portuguesa, tipo esculturas de Gonçalo Rodrigues. Vitor Serrão num artigo publicado na revista Museu afirma que, este escultor trabalhou para uma clientela muito vasta, como por exemplo, a Misericórdia do Porto, os padres jesuítas de Braga e possivelmente para «…os inacianos de Lisboa»[4]. As esculturas maneiristas em madeira estofada e policromada, de que são exemplo as quatro referidas atrás, dão-nos a ideia do tipo de técnica usada neste período, tal como a postura da imagem e os tons e as cores utilizados.
As normas saídas do Concílio de Trento foram adotadas pela Companhia de Jesus a todos os níveis, incluindo as relativas à Invocação e Veneração das Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens. Inácio de Loyola afirmava que: «Louvar os ornamentos e edifícios das igrejas. Do mesmo modo as imagens. Venerá-las segundo o que representam».[a]
[a] INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais (360).
[1] CAETANO, Joaquim Oliveira; SILVA, Nuno Vassalo e, [e tal.], O púlpito e a imagem : os jesuítas e a arte, p. 25.
[2] DIAS, Pedro, A escultura maneirista portuguesa: subsídio para uma síntese, p. 135.
[3] LINO, Raúl, SILVEIRA, Luís; MARQUES, A. H. de Oliveira, Documentos para a história da arte em Portugal, p. 8.
[4] SERRÃO, Vítor, O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues e a sua actividade no Norte de Portugal. Museu, IV série, nº7, 1998, p.148.
Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.