Na Europa de 1830, devido à propagação do liberalismo e nacionalismo como ideologias, renovam-se os conceitos de liberdade e de revolução.
No dia 23 de julho começaram a ouvir-se os canhões e mosquetes em Almada o que levou, segundo Auguste Carayon, à resolução de na madrugada de 24 saírem de Lisboa os noviços e padres para casa da Condessa de Oliveira.
No dia 24 de julho de 1833, «au plus fort de la chaleur», as forças militares lideradas pelo duque da Terceira dirigem-se para Lisboa onde entram sem encontrar oposição.
Os miguelistas retiram-se de Lisboa, a exemplo do próprio duque de Cadaval. Escreve Carayon que durante a noite saíram, inclusive, os ministros, o Tesouro, o exército e a nobreza[1]. Joaquim Martins de Carvalho publica um artigo intitulado Libertação de Lisboa, 24 de julho de 1833, onde menciona que “… o ministro do reino de D. Miguel, conde de Basto, que á mesma hora se retirava com o resto do exercito miguelista, comandado pelo duque de Cadaval, na direcção de Coimbra…”[2]. Refere o Marquês de Fronteira que o Duque de Cadaval fugiu da capital “… com seis mil homens de infantaria, seiscentos cavallos e duas baterias, …”, estando do outro lado do Tejo, preparados para entrar em Lisboa apenas mil e duzentos militares[3]. Na opinião De Saturio Pires e Carlos Passos, o duque de Cadaval terá tentado resistir à saída de Lisboa, “… mas as opiniões dos oficiais do conselho (entre eles Gaspar Teixeira) eram «desaminadoras e cheias de terror pânico», pelo que se decidiu abandonar a cidade com o fundamento «na falta de confiança nas tropas, na facilidade com que Napier podia entrar no Tejo e nas dificuldades de uma eficaz resistência»”[4].
António Ribeiro Saraiva sobre o facto consumado das entrada das tropas liberias em Lisboa[5], escreve no seu Diário o seguinte: “Neste momento, eu e todos os que estavam demos inteiramente por perdido tudo para nós …”[6].
Com a entrada do exército em Lisboa, os monges da Cartuxa de Laveiras, que ajudaram os missionários jesuítas no contacto com o povo, decidem abandonar o mosteiro e juntar-se ao Cortejo do Tesouro Real de Queluz, aos «Paisanos, Mulheres, Crianças, Frades»[7], e rumaram a Coimbra onde se encontrava a Corte. Segundo Auguste Carayon, «Toutes les familles exilées de Lisbonne vinrent également se réfugier» em Coimbra, tornando-se esta cidade o centro e estada da família real, com oito “cabeças coroadas” e o asilo de outros tantos. Em Relation écrite par les Pères exilés de Coïmbre et du Portugal , os missionários jesuítas descrevem o momento do seguinte modo:
“Représentez-vous une grande partie de la population de la capitale, surtout des premières familles du royaume, une arrivée de douze à quinze mille hommes, qui fuient comme frappés d’une sorte de stupeur, sans aucune provision, sans argent sans rien se retirant en désordre sur une route la plupart du temps déserte et dépourvue partout de moyens de subsistance. Ils arrivent ainsi subitement à Coïmbre, harassés, fatigues, épuisés de chaleur, de privations et de frayeur. Coïmbre se vit tout-à-coup encombré de ces infortunés fugitifs, de chevaux, de voitures, et dans toutes les maisons on réclame et on donne l’hospitalité”[8]
Segundo Pinharanda Gomes, pelo caminho encontraram já em debandada os franciscanos do Varatojo, os cistercienses de Alcobaça e os arrábidos de Mafra[9].
Sobre a atitude tomada pelo Duque de Cadaval na evacuação de Lisboa, o Padre Delvaux, superior da missão jesuíta em Portugal desde 13 de agosto de 1829, justifica-a da seguinte forma:
“La révolution préparée depuis longtemps dans cette grande ville; l’apparition des troupes de Don Pedro sur l’autre rive du Tage; leur avantage sur l’intrépide Tallez Jourdan que son intrépidité même perdit et livra à la barbarie de ses assassins; l’instruction donnée aux amiraux de France et d’Angleterre de saluer la bannière de Dona Maria da Gloria, aussitôt qu’ils la verraient arborée sur l’une ou l’autre rive; la perte de l’escadre de Don Miguel et l’approche de celle de ses ennemis si inopinément grossie par la défection; enfin une ligne immense à garnir rendaient toute défense impossible, exposaient le duc à une capitulation dont les effets matériels et moraux eussent été irrémédiables et compromettaient sans fruit une divison entière des plus fidèles serviteurs du roi. Le duc dans cette extrémité ne crut pouvoir lui rendre un service plus signalé que de la lui conduire intacte”.
D. Pedro, após um violento ataque absolutista ao Porto, embarca para a capital, fazendo a sua entrada no Tejo a bordo do vapor William the Fourth no dia 28 de julho e nesse mesmo dia reúne-se em Conselho de Ministros.
No dia seguinte foi a São Vicente visitar o túmulo do seu pai (D. João VI) e nele depositou uma folha escrita com as seguintes palavras:
“= Hum filho Te assassinou:
= Outro filho Te vingará.
= 29 de Julho de 1833. — D. PEDRO. =” .
Um ano depois, a 22 de abril de 1834, a Quádrupla Aliança decide-se pela intervenção militar contra as forças do rei D. Miguel I visando impor regimes liberais nas monarquias ibéricas e em 16 de maio, na batalha de Asseiceira, D. Pedro derrota as forças absolutistas de D. Miguel, assegurando os direitos de sua filha D. Maria da Glória e garantindo a vigência de uma Constituição liberal.
Pelo decreto de 28 de maio de 1834 D. Pedro, em nome de sua filha, extingue todas as Ordens Religiosas masculinas. As Congregações religiosas foram o alvo principal da atuação dos liberais, começando por expulsar novamente os jesuítas que, organizados segundo o estatuto canónico da Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, eram considerados “o braço armado” do Papa.
Em 16 de abril de 1848, António Ribeiro Saraiva consternado, escrevia ao P. Nicolau dando-lhe conhecimento do estado em que se encontrava a Europa. Afirmava ele:
“É, todavia, um facto, que não há quase um canto da Europa em que se esteja ao abrigo da borrasca revolucionária e republicana, as únicas excepções por ora parecem ser aqui a Rússia. É triste não se ver apoio aos princípios monárquicos quase em parte alguma”[10].
[1] CARAYON, Auguste – Documents inédits concernant la Compagnie de Jésus: Notes historiques sur le rétablissement de la Compagnie de Jésus en Portuga, vol. X. Poitiers: Henri Oudin, 1863,, p. 53.
[2] O Conimbricense, nº4164, de 23 de julho de 1887, p. 1.
[3] FRONTEIRA, 7º Marquês de – Memorias do Marquês de Fronteira e de Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Parte 5ª: 1833 a 1834. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1929, pp. 33-34.
[4] PIRES, Saturio – Os Caçadores no Exercito de D. Miguel (1828-34). Um século de glória. Porto: Companhia Portugueza Editora, 1918, p. 32 (primeira referência); PASSOS, Carlos de – D. Pedro IV e D. Miguel I: 1826-1834. Porto: Livraria Simões Lopes, 1936, p. 346 (segunda referência). Apud LOUSADA, Maria Alexandre; SÁ, Maria de Fátima – D. Miguel. Lisboa: Temas e Debates, 2009, p. 224-225.
[5] Entrada das forças militares lideradas pelo duque da Terceira em Lisboa, 24 de julho de 1833. In Suplemento ao nº 174 da Crónica Constitucional do Porto, 26 de julho de 1833.
[6] SARAIVA, António Ribeiro – Diário de Ribeiro Saraiva, 1831-1888, Tomo I: 1831-1835. Lisboa: Imprensa Nacional, 1915, p.245.
[7] COSTA, Francisco de Paula Ferreira da – Memórias de um miguelista: 1833-1834, p. 24.
[8] Relation écrite par les Pères exilés de Coïmbre et du Portugal durant leur traversée, de Lisbonne à Gênes, sur le brigantin Sarde les vrais amis, en juillet 1834. In CARAYON, Auguste – Documents inédits concernant la Compagnie de Jésus, vol. XIX, pp. 472-473. Vide Anexo 17.
[9] GOMES, J. Pinharanda – A Ordem da Cartuxa em Portugal: Ensaio da Monografia Histórica, pref. dos Cartuxos de Scala Coeli. Salzburg: Institut für Anglistik und Amerikanistik, 2004, pp. 172-175.
[10] Carta de António Ribeiro Saraiva para o P. Nicolau, dia 16 de abril de 1848. In BNP, ARS, cx. 172 (25 cartas de 1844 a 1852), nº 22.