Prenunciamentos de uma Guerra Civil (1828-1834) ou a Guerra dos Dois Irmão

DAUMIER, Honoré – Kssssse! Pédro – Ksssse! Ksssse! Miguel! [ Visual gráfico]. [Paris]: chez Aubert galerie, [1833]. Litografia satírica para o jornal La Caricature, publicada a 11 de julho de 1833.

Resumo

Na Europa de 1830, devido à propagação do liberalismo e nacionalismo como ideologias, renovam-se os conceitos de liberdade e de revolução. Em Portugal, pelo decreto de 28 de Maio de 1834 D. Pedro IV extingue todas as Ordens religiosas masculinas. As Congregações religiosas foram o alvo principal da atuação dos liberais, começando por expulsar novamente os jesuítas que, organizados segundo o estatuto canónico de Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, eram considerados “o braço armado” do Papa.

Mas, em 1828 as condições políticas internacionais e nacionais eram diferentes. Na defesa da união entre a monarquia absoluta e a instituição eclesiástica surgia a figura de D. Miguel que, tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, vai reforçar a união entre o Trono e o Altar usando os eclesiásticos para fortalecer a sua causa partidária. Foi nesse sentido que em 1829 se deu o regresso da Companhia de Jesus a Portugal, Ordem ligada ao ideário tradicionalista.

A RESTAURAR A ORDEM ABSOLUTISTA

D. Miguel I, rei de Portugal entre 1828 e 1834, morre no exílio, em Bronnbach (Alemanha), no ano 1866.

A 5 de Abril de 1967 chegam a Lisboa em aviões da Força Aérea Portuguesa, os restos mortais do Rei D. Miguel I e sua esposa, a Rainha Adelaide Sofia. Já no final da tarde desse mesmo dia, os despojos reais foram acolhidos em São Vicente de Fora, no Panteão da Dinastia de Bragança.

Após a leitura do Evangelho, subiu ao púlpito o Padre jesuíta Domingos Maurício, que prestou uma sentida homenagem à memória de D. Miguel:

 “No desterro imposto pelas contingências políticas obscureceu-se a lembrança das vossas benemerências nacionais… Surgiu, enfim, o momento redentor, a hora da reparação sincera, que vos reintegra no lugar que vos compete na tessitura histórica de Portugal”[1].

Contextualizando este período histórico, começamos pelo fim da época napoleónica que provocou mudanças políticas e económicas em toda a Europa levando os países vencedores (Áustria, Rússia, Prússia e Inglaterra) a sentiram necessidade de selarem um tratado para restabelecer a paz e a estabilidade política na Europa.

Assim, no Congresso de Viena (setembro 1814 – junho 1815) restabeleceu-se a paz e a estabilidade política na Europa, reorganizando as fronteiras europeias, alteradas pelas conquistas de Napoleão e restaurou-se a ordem absolutista do Antigo Regime. Com o Tratado da Santa Aliança (26 setembro 1815), garantia-se a realização prática das medidas que foram aprovadas pelo Congresso de Viena, bem como a intenção de bloquear o avanço nas áreas sob sua influência das ideias liberais e constitucionalistas, que se fortaleceram com a Revolução Francesa e que haviam desestabilizado toda a Europa. Pretendiam propagar os princípios da Fé cristã e manter o absolutismo como filosofia do Estado e sistema político dominante na Europa.

Personalidades do Congresso de Viena, gravura de Jean-Baptiste Isabey, 1819, Viena. Coleção do Banco de Portugal.

Relativamente à Santa Sé, após a derrota de Napoleão (1814), o papa Pio VII retornou a Roma. Em 1815, o Congresso de Viena devolveu-lhe quase todos os Estados Pontifícios e reconheceu aos Núncios Apostólicos o direito de precedência em relação aos demais embaixadores. Estabilizado no poder em Roma, Pio VII procurou adaptar o papado às condições políticas, intelectuais e sociais do mundo moderno, destacando-se a promoção de uma política de amizade com as nações europeias, o reconhecimento dos movimentos pela independência das colónias latino-americanos, e para apoiar a Igreja Pio VII restaura a Companhia de Jesus no mundo convencido de que ela tinha sua missão a cumprir no século XIX.

Deste modo, a Companhia de Jesus que nasceu num período histórico europeu, o Renascimento, renasce agora num outro período histórico, o das revoluções democráticas e industriais do século XIX, o do triunfo das luzes e da emergência da racionalidade científica.

Não cabe aqui desenvolver estes temas, interessando apenas sublinhar em jeito de resumo, que a doutrina contrarrevolucionária aparece em Portugal logo após a revolução de 1820 e da assinatura por parte de D. João VI de uma Constituição, limitando o papel do rei e colocando o poder no governo e num parlamento.

Assim sendo, depois de 1820 a oposição absolutista cresceu, desencadeando no país três movimentos que se destacaram de entre outros tantos: a Martinhada, a Vila-Francada e a Abrilada.

O dia 11 de novembro de 1820 (dia de S. Martinho) representou a separação das fações sociais e políticas que apareceram juntas na revolta de 1820 devido à conjuntura política. O golpe teve relevo pelo fato de pretenderem ambas as fações a imediata adoção da Constituição de Cádis. Todos eles empenhados em controlar o poder nascido da revolução. Mas um contragolpe vitorioso repõe os liberais no poder, forçando ao desterro alguns conservadores e absolutistas.

A Martinhada,  momento decisivo no processo revolucionário, Lisboa, Novembro de 1820. In Exposição inconográfica, Imagens da Revolução de 1820,  em colaboração com a Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Janeiro de 2021.

Na defesa da união entre a Monarquia absoluta e a instituição eclesiástica e tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, surge D. Miguel que, com o apoio de sua mãe, tem como ambição o reforço e a união entre o Trono e o Altar. Um conjunto de acontecimentos animaram o partido da rainha a revoltar-se abertamente, confiante no auxílio francês.

A 27 de Maio de 1823, o Infante D. Miguel deslocou-se a Vila Franca. Aí foram dados vivas à monarquia absoluta, conjeturando o infante e a rainha a possível abdicação de D. João VI, que se mantinha fiel à Constituição que jurara.

 No discurso D. Miguel apela ao apoio à sua causa baseada na união entre Monarquia, Nobreza, Tradicionalismo e Deus, pilares sagrados que permitiam a elevação para uma sociedade equilibrada e ordenada segundo princípios divinos.

Vilafrancada – insurreição liderada pelo Infante D. Miguel de Portugal em Vila Franca de Xira a 27 de maio de 1823. Dom Miguel, [Lisboa, na Impressão de Alcobia, 1823], gravura, BNP.

Porém, D. João VI decidiu tomar a direção da revolta, encorajado pelo levantamento do Regimento de Infantaria 18, que viera ao Palácio da Bemposta dar-lhe vivas como rei absoluto; partindo para Vila Franca, obrigou o infante a submeter-se-lhe e regressou a Lisboa em triunfo. As cortes dispersaram-se, vários políticos liberais partiram para o exílio e foi restaurado o regime absolutista, mas D. João VI conseguiu impedir a ascensão ao poder do partido ultrarreacionário e manteve a sua posição determinante no quadro político. O partido da rainha não deixou, porém, de continuar a intrigar, e menos de um ano mais tarde eclodia nova revolta absolutista, a Abrilada (Abril de 1824), dando origem ao exílio do próprio filho, o Infante D. Miguel[2].

D. João VI dirige-se aos portugueses através de uma proclamação em que descreve cronologicamente todos os acontecimentos, publicada no Suplemento ao nº 110 da Gazeta de Lisboa, 10 de maio de 1824, edição de 2ª feira:

«Proclamação de S. M.

Portuguezes! O vosso Rei não vos abandona, pelo contrário só quer libertar-vos do terror, da ansiedade que vos oprime, restabelecer a segurança publica, e remover o véo que vos encobre ainda a verdade; na certeza de que á sua voz toda esta Nação leal se unirá para sustentar o Trono (…)

Meu filho, o Infante D. Miguel, que há tão pouco tempo ainda se cobrira de gloria pela acção heróica que emprehendeo, he o mesmo que impelido agora por sinistras inspirações, e enganado por conselhos traidores, se abalançou a cometer actos, que, ainda quando fossem justos e necessários, só devião emanar da minha Soberana Authoridade, atentando assim contra o Poder Real (…)

Bordo da Náo Ingleza Windsor Castle, surta no Téjo, em nove de Maio de 1824.

ELREI Com Guarda». In Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Todos estes acontecimentos prenunciavam uma Guerra Civil (1828-1834) ou a Guerra dos Dois Irmãos.

Dia 30 de setembro 1833 D. Pedro, Duque de Bragança, assume a regência do reino de Portugal durante a menoridade de D. Maria II.


[1] CUNHA, José Correia da. Padre, SONO FINAL, NO SOLO PÁTRIO… BEM MERECIDO PELO HOMEM REI, COMO CRISTÃO E COMO PORTUGUÊS…. [Consult. 28-04-2014]. Disponível na internet em: <http://realbeiralitoral.blogspot.pt/2012_11_01_archive.html.&gt;.

[2] MARQUES, Teresa Martins, Uma carta inédita de Dona Carlota Joaquina, Navegações, vol. 2, nº 1 (jan./jun. 2009), pp. 53-56.

Veja-se o artigo completo:

VEIGA, Francisca Branco, “O BREVE REGRESSO DA COMPANHIA DE JESUS NO REINADO DE D. MIGUEL (1829-1834)”. In Brotéria, vol. 179, (5/6 de nov./dez. 2014), pp. 387-400.

1834, Hasteada a bandeira de um catolicismo integrador dos cidadãos

Com o fim da monarquia absoluta miguelista teve início a monarquia Constitucional sob a orientação liberal. Doze ordinários diocesanos de nomeação absolutista que se encontravam ausentes, fugidos ou clandestinos, não foram reconhecidos pelo novo poder, mesmo tendo obtido as respetivas bulas de confirmação. O governo liberal, tal como já o tinha feito no Porto, nomeava governadores temporais e indicava aos cabidos a eleição de vigários capitulares da sua escolha[i].

Contudo, neste novo cenário político a religião católica será um importante elemento de integração dos cidadãos na pátria. Mas, para cumprir essa tarefa, era necessário que os religiosos não recebessem influência estrangeira, considerou-se uma ameaça à pátria todo o clero que se submetesse a líderes fora de Portugal. Esta oposição aos religiosos vinculados à Santa Sé pode também ser compreendida pelo reconhecimento destes ao miguelismo e pela oposição ao constitucionalismo. Generalizou-se pelas dioceses uma situação de “quase” cisma, em que clérigos e leigos ou acatavam as autoridades eclesiásticas, impostas pelos liberais ou mantinham a ligação aos seus bispos ausentes. Esta situação prejudicava gravemente os fins espirituais e pastorais da Igreja e a consolidação das instituições.

No dia 22 de agosto de 1834 o padre jesuíta Margottet refere que o próprio Papa se encontrava preocupado com «os negócios da religião» em Portugal mandando fazer«na Igreja de Santa Maria Maior huma Novena por esse caro pais»[ii].

Nestas decisões nunca esteve em causa o valor social da religião, mas a determinação em pôr fim à presença da Igreja como um Estado dentro do próprio Estado. As Congregações religiosas foram, neste contexto, o alvo central da atuação dos liberais. O que se pretende é tornar a Igreja portuguesa independente de pressões externas. No art. 75 da Carta Constitucional, o governo liberal restringia-lhes o seu papel: “O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais Atribuições:[…] § 2.° – Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos; […] § 14.° – Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral”[iii].

A intenção dos liberais era reintegrar a igreja ao serviço do novo regime, colocando na hierarquia da igreja homens da sua confiança, cortando as relações diplomáticas com a Cúria Romana como retaliação contra o reconhecimento de D. Miguel como rei de Portugal e contra as nomeações feitas pelo Papa Gregório XIV de bispos apresentados por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas em 1831.

Neste processo, a posição da Cúria Romana ao rejeitar o governo liberal, não facilitou o diálogo com o governo de Portugal, o que levou ao corte de relações diplomáticas entre Lisboa e Roma em 1833, e à destituição da hierarquia religiosa nomeada pelo Vaticano, nomeando novos Bispos e Prelados[iv]. Gregório XVI, numa alocução a 30 de setembro de 1833, protesta contra a expulsão do Núncio, contra os decretos e medidas tomadas por D. Pedro, considerando-as como crimes contra a Igreja e contra «os direitos invioláveis da Santa Sé»[v]. Em dezembro, o Papa manda retirar da sua residência as armas de Portugal e retira ao representante de Portugal em Roma o poder de representar o país[vi]. Reforça a sua condenação e reprovação da política religiosa liberal portuguesa no Consistório Secreto do dia 1 de agosto de 1834, e de novo no Consistório Secreto do dia 2 de fevereiro de 1836, falando de um «funestro cisma»[vii]. O Sumo Pontífice vai considerar estes decretos «írritos e nulos», declarando o Relatório que precedeu o decreto de extinção das Ordens Religiosas repleto de «cousas falsas e criminosamente ditas».

A partir de 1834 o governo liberal, que concebia um catolicismo autonomizado de Roma, antiultramontano, corta relações diplomáticas com o Vaticano, só sendo reatadas a 30 de julho 1848 através de um Convénio entre ambas as partes.

Um longo e complexo processo de reaproximação entre o Estado português e a Santa Sé irá decorrer em dois períodos distintos. No primeiro período, estava em jogo algo de essencial para a estabilização do regime constitucional, como o reconhecimento do trono de D. Maria II pela Cúria e o acordo entre as duas partes sobre a legitimidade dos bispos eleitos por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas. Num segundo período, o que estava em causa era essencialmente a retoma da tradição concordatária interrompida.

Deste modo, um acordo do Estado com a Santa Sé, parecia necessário ao restabelecimento da paz religiosa na sociedade e ao reforço e estabilidade do regime liberal e do trono de D. Maria II.


Excerto do artigo com o título, “1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória:
fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em
Portugal”.

In SOARES, Clara Moura; MALTA, Marize (eds.), D. Maria II, princesa do Brasil, rainha de
Portugal Arte, Património e Identidade, Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 12 nov. (pp.
113-120). ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Ligação: https://www.academia.edu/40918078/
«1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória: fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em Portugal»

[i] DÓRIA, Luís – Do Cisma ao Convénio: Estado e Igreja de 1831 a 1848. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2001, pp. 38-43. Veja-se sobre o assunto REIS, António do Carmo – A Igreja Católica e a Política do Liberalismo. Para uma explicação do cisma Religioso. In Catolicismo e liberalismo em Portugal: (1820-1850).Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, pp. 47-54.

[ii] Carta de Cypriano Margottet para uma residente da cidade do Mondego. Genova, 22 de agosto de 1834. In ARQUIVO DA PROVÍNCIA PORTUGUESA DA COMPANHIA DE JESUS (APPCJ), Companhia de Jesus 1829-1834, Memórias pertencentes aos padres da Companhia de Jesus, Carta de Cypriano Margottet para uma residente da cidade do Mondego, fls. 38-43[carta completa]. Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco – A Restauração da Companhia de Jesus em Portugal 1828-1834: O breve regresso no reinado de D. Miguel. In Tese elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de História Contemporânea, 2019, p. 544.

[iii] Carta Constitucional de 1826. In Portal da História. Disponível na internet em: http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/carta826.html. Consultado 12 setembro de 2012.

[iv] CRUZ, Manuel Braga da – As relações entre a Igreja e o Estado Liberal – do «cisma» à Concordata (1832-1848). In O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX, 2º vol.. Lisboa: Sá da Costa, 1982, pp. 226-228. 

[v] BRASÃO, Eduardo – Relações diplomáticas de Portugal com a Santa Sé: o reconhecimento do Rei D. Miguel (1831). Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1972, pp. 462-463.

[vi] DÓRIA, Luís – op.cit., pp. 107-117.

[vii] DINIS, Pedro – Das Ordens religiosas em Portugal, 2ªed.. Lisboa: Typ. J. J. A. Silva, 1854, pp. 321-325; 325-326.

D. Maria II, Hasteada a bandeira de um catolicismo integrador dos cidadãos

Lisboa, Setembro de 1836 : D. Maria II
SENDIM, Maurício José do Carmo
BNP


Com o fim da monarquia absoluta miguelista teve início a monarquia Constitucional sob a orientação liberal. Doze ordinários diocesanos de nomeação absolutista que se encontravam ausentes, fugidos ou clandestinos, não foram reconhecidos pelo novo poder, mesmo tendo obtido as respetivas bulas de confirmação. O governo liberal, tal como já o tinha feito no Porto, nomeava governadores temporais e indicava aos cabidos a eleição de vigários capitulares da sua escolha .
Contudo, neste novo cenário político a religião católica será um importante elemento de integração dos cidadãos na pátria. Mas, para cumprir essa tarefa, era necessário que os religiosos não recebessem influência estrangeira, considerou-se uma ameaça à pátria todo o clero que se submetesse a líderes fora de Portugal. Esta oposição aos religiosos vinculados à Santa Sé pode também ser compreendida pelo reconhecimento destes ao miguelismo e pela oposição ao constitucionalismo. Generalizou-se pelas dioceses uma situação de “quase” cisma, em que clérigos e leigos ou acatavam as autoridades eclesiásticas, impostas pelos liberais ou mantinham a ligação aos seus bispos ausentes. Esta situação prejudicava gravemente os fins espirituais e pastorais da Igreja e a consolidação das instituições.
No dia 22 de agosto de 1834 o padre jesuíta Margottet refere que o próprio Papa se encontrava preocupado com «os negócios da religião» em Portugal mandando fazer «na Igreja de Santa Maria Maior huma Novena por esse caro pais» .
Nestas decisões nunca esteve em causa o valor social da religião, mas a determinação em pôr fim à presença da Igreja como um Estado dentro do próprio Estado. As Congregações religiosas foram, neste contexto, o alvo central da atuação dos liberais. O que se pretende é tornar a Igreja portuguesa independente de pressões externas. No art. 75 da Carta Constitucional, o governo liberal restringia-lhes o seu papel: “O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais Atribuições:[…] § 2.° – Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos; […] § 14.° – Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral” .
A intenção dos liberais era reintegrar a igreja ao serviço do novo regime, colocando na hierarquia da igreja homens da sua confiança, cortando as relações diplomáticas com a Cúria Romana como retaliação contra o reconhecimento de D. Miguel como rei de Portugal e contra as nomeações feitas pelo Papa Gregório XIV de bispos apresentados por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas em 1831.
Neste processo, a posição da Cúria Romana ao rejeitar o governo liberal, não facilitou o diálogo com o governo de Portugal, o que levou ao corte de relações diplomáticas entre Lisboa e Roma em 1833, e à destituição da hierarquia religiosa nomeada pelo Vaticano, nomeando novos Bispos e Prelados . Gregório XVI, numa alocução a 30 de setembro de 1833, protesta contra a expulsão do Núncio, contra os decretos e medidas tomadas por D. Pedro, considerando-as como crimes contra a Igreja e contra «os direitos invioláveis da Santa Sé» . Em dezembro, o Papa manda retirar da sua residência as armas de Portugal e retira ao representante de Portugal em Roma o poder de representar o país . Reforça a sua condenação e reprovação da política religiosa liberal portuguesa no Consistório Secreto do dia 1 de agosto de 1834, e de novo no Consistório Secreto do dia 2 de fevereiro de 1836, falando de um «funestro cisma» . O Sumo Pontífice vai considerar estes decretos «írritos e nulos», declarando o Relatório que precedeu o decreto de extinção das Ordens Religiosas repleto de «cousas falsas e criminosamente ditas».

A partir de 1834 o governo liberal, que concebia um catolicismo autonomizado de Roma, antiultramontano, corta relações diplomáticas com o Vaticano, só sendo reatadas a 30 de julho 1848 através de um Convénio entre ambas as partes.


Um longo e complexo processo de reaproximação entre o Estado português e a Santa Sé irá decorrer em dois períodos distintos. No primeiro período, estava em jogo algo de essencial para a estabilização do regime constitucional, como o reconhecimento do trono de D. Maria II pela Cúria e o acordo entre as duas partes sobre a legitimidade dos bispos eleitos por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas. Num segundo período, o que estava em causa era essencialmente a retoma da tradição concordatária interrompida.


Deste modo, um acordo do Estado com a Santa Sé, parecia necessário ao restabelecimento da paz religiosa na sociedade e ao reforço e estabilidade do regime liberal e do trono de D. Maria II.

D. MARIA II: 1841 – 1842 – 1848, «non   perdere   questa nazione cattolica»

D. MARIA II
PACIFICAÇÃO RELIGIOSA

Pelo breve Ad   catholicae  gubernacula, de  18  de novembro  de  1841, Gregório XVI nomeia mons. Capaccini como Internúncio  e delegado apostólico em Portugal para,

   «non   perdere   questa   nazione   cattolica»

Retrato de D. Maria II
Representada em frente ao busto de D. Pedro IV, e apoiando a mão esquerda sobre a Carta Constitucional.
Autor Desconhecido

Em março de 1842, Gregório XVI enviou a D. Maria II a Rosa de Ouro, como símbolo de estima e afeição paterna, ou como refere Gomes Freire num artigo do jornal Diário Ilustrado, de 4 de julho de 1892,

Diário Ilustrado, nº 6:921, 4 de julho de 1892, p.2

1848 – Concordata de Braga entre representantes de D. Maria II e de Pio IX, tentou-se amenizar as consequências do “Cisma” sobre as questões do padroado português no Oriente.

Como fazer a referência bibliográfica deste artigo científico

VEIGA, Francisca Branco (2019, nov.). 1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória: fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em Portugal. In SOARES, Clara Moura; MALTA, Marize (eds.), D. Maria II, princesa do Brasil, rainha de Portugal Arte, Património e Identidade, Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 12 nov. (pp. 113-120). ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Artigo completo em

https://www.academia.edu/40918078/1832_1834_Reg%C3%AAncia_de_D_Pedro_em_nome_de_sua_filha_D_Maria_da_Gl%C3%B3ria_fim_do_governo_temporal_da_Igreja_Cat%C3%B3lica_e_das_Ordens_Religiosas_em_Portugal