Com o fim da monarquia absoluta miguelista teve início a monarquia Constitucional sob a orientação liberal. Doze ordinários diocesanos de nomeação absolutista que se encontravam ausentes, fugidos ou clandestinos, não foram reconhecidos pelo novo poder, mesmo tendo obtido as respetivas bulas de confirmação. O governo liberal, tal como já o tinha feito no Porto, nomeava governadores temporais e indicava aos cabidos a eleição de vigários capitulares da sua escolha[i].
Contudo, neste novo cenário político a religião católica será um importante elemento de integração dos cidadãos na pátria. Mas, para cumprir essa tarefa, era necessário que os religiosos não recebessem influência estrangeira, considerou-se uma ameaça à pátria todo o clero que se submetesse a líderes fora de Portugal. Esta oposição aos religiosos vinculados à Santa Sé pode também ser compreendida pelo reconhecimento destes ao miguelismo e pela oposição ao constitucionalismo. Generalizou-se pelas dioceses uma situação de “quase” cisma, em que clérigos e leigos ou acatavam as autoridades eclesiásticas, impostas pelos liberais ou mantinham a ligação aos seus bispos ausentes. Esta situação prejudicava gravemente os fins espirituais e pastorais da Igreja e a consolidação das instituições.
No dia 22 de agosto de 1834 o padre jesuíta Margottet refere que o próprio Papa se encontrava preocupado com «os negócios da religião» em Portugal mandando fazer«na Igreja de Santa Maria Maior huma Novena por esse caro pais»[ii].
Nestas decisões nunca esteve em causa o valor social da religião, mas a determinação em pôr fim à presença da Igreja como um Estado dentro do próprio Estado. As Congregações religiosas foram, neste contexto, o alvo central da atuação dos liberais. O que se pretende é tornar a Igreja portuguesa independente de pressões externas. No art. 75 da Carta Constitucional, o governo liberal restringia-lhes o seu papel: “O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais Atribuições:[…] § 2.° – Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos; […] § 14.° – Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral”[iii].
A intenção dos liberais era reintegrar a igreja ao serviço do novo regime, colocando na hierarquia da igreja homens da sua confiança, cortando as relações diplomáticas com a Cúria Romana como retaliação contra o reconhecimento de D. Miguel como rei de Portugal e contra as nomeações feitas pelo Papa Gregório XIV de bispos apresentados por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas em 1831.
Neste processo, a posição da Cúria Romana ao rejeitar o governo liberal, não facilitou o diálogo com o governo de Portugal, o que levou ao corte de relações diplomáticas entre Lisboa e Roma em 1833, e à destituição da hierarquia religiosa nomeada pelo Vaticano, nomeando novos Bispos e Prelados[iv]. Gregório XVI, numa alocução a 30 de setembro de 1833, protesta contra a expulsão do Núncio, contra os decretos e medidas tomadas por D. Pedro, considerando-as como crimes contra a Igreja e contra «os direitos invioláveis da Santa Sé»[v]. Em dezembro, o Papa manda retirar da sua residência as armas de Portugal e retira ao representante de Portugal em Roma o poder de representar o país[vi]. Reforça a sua condenação e reprovação da política religiosa liberal portuguesa no Consistório Secreto do dia 1 de agosto de 1834, e de novo no Consistório Secreto do dia 2 de fevereiro de 1836, falando de um «funestro cisma»[vii]. O Sumo Pontífice vai considerar estes decretos «írritos e nulos», declarando o Relatório que precedeu o decreto de extinção das Ordens Religiosas repleto de «cousas falsas e criminosamente ditas».
A partir de 1834 o governo liberal, que concebia um catolicismo autonomizado de Roma, antiultramontano, corta relações diplomáticas com o Vaticano, só sendo reatadas a 30 de julho 1848 através de um Convénio entre ambas as partes.
Um longo e complexo processo de reaproximação entre o Estado português e a Santa Sé irá decorrer em dois períodos distintos. No primeiro período, estava em jogo algo de essencial para a estabilização do regime constitucional, como o reconhecimento do trono de D. Maria II pela Cúria e o acordo entre as duas partes sobre a legitimidade dos bispos eleitos por D. Miguel para as sedes diocesanas que se encontravam vagas. Num segundo período, o que estava em causa era essencialmente a retoma da tradição concordatária interrompida.
Deste modo, um acordo do Estado com a Santa Sé, parecia necessário ao restabelecimento da paz religiosa na sociedade e ao reforço e estabilidade do regime liberal e do trono de D. Maria II.
Excerto do artigo com o título, “1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória: fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em Portugal”. In SOARES, Clara Moura; MALTA, Marize (eds.), D. Maria II, princesa do Brasil, rainha de Portugal Arte, Património e Identidade, Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 12 nov. (pp. 113-120). ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ligação: https://www.academia.edu/40918078/ «1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória: fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em Portugal»
[i] DÓRIA, Luís – Do Cisma ao Convénio: Estado e Igreja de 1831 a 1848. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2001, pp. 38-43. Veja-se sobre o assunto REIS, António do Carmo – A Igreja Católica e a Política do Liberalismo. Para uma explicação do cisma Religioso. In Catolicismo e liberalismo em Portugal: (1820-1850).Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, pp. 47-54.
[ii] Carta de Cypriano Margottet para uma residente da cidade do Mondego. Genova, 22 de agosto de 1834. In ARQUIVO DA PROVÍNCIA PORTUGUESA DA COMPANHIA DE JESUS (APPCJ), Companhia de Jesus 1829-1834, Memórias pertencentes aos padres da Companhia de Jesus, Carta de Cypriano Margottet para uma residente da cidade do Mondego, fls. 38-43[carta completa]. Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco – A Restauração da Companhia de Jesus em Portugal 1828-1834: O breve regresso no reinado de D. Miguel. In Tese elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de História Contemporânea, 2019, p. 544.
[iv] CRUZ, Manuel Braga da – As relações entre a Igreja e o Estado Liberal – do «cisma» à Concordata (1832-1848). In O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX, 2º vol.. Lisboa: Sá da Costa, 1982, pp. 226-228.
[v] BRASÃO, Eduardo – Relações diplomáticas de Portugal com a Santa Sé: o reconhecimento do Rei D. Miguel (1831). Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1972, pp. 462-463.
No contexto de reforço do poder central, surgiram quatro personagens que resumiram por decretos o fim do governo temporal da Igreja Católica e o fim das Ordens Religiosas. Foram eles, Mouzinho da Silveira (1780-1849)[i], José da Silva Carvalho (1782-1856)[ii], Cândido José Xavier (1769-1833)[iii] e Joaquim António de Aguiar (1792-1884)[iv].
Mouzinho da Silveira (1780-1849), José da Silva Carvalho (1782-1856, Cândido José Xavier (1769-1833)e Joaquim António de Aguiar (1792-1884).
Mouzinho da Silveira, exilado em França desde abril de 1828, embarcou em 25 de janeiro de 1832 em Belle-Isle com destino à Terceira (Açores) onde toma posse do cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e interino dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça em Angra, a 2 de março de 1832. Com o estabelecimento da regência em nome de D. Maria II na Ilha Terceira, no dia 3 de abril de 1832 começa uma nova investida contra as ordens religiosas[v], baseada, segundo António Ventura, numa «profunda obra legislativa, que funcionou mais como uma espécie de programa liberal»[vi].
O objetivo de Mouzinho da Silveira era reduzir o clero à condição de funcionalismo público, pagando-lhes os serviços prestados à população no domínio da religião. Medidas como a redução dos dízimos nos Açores (16 de março), a reforma das justiças (16 de maio), a extinção dos conventos e colegiadas nos Açores (17 de maio), e a extinção dos dízimos em todo o reino de Portugal (30 de julho), tiveram como pretensão circunscrever a Igreja ao domínio do poder espiritual. Reduzia-se as bases materiais do seu poder temporal, contudo, reafirmava-se a religião como suporte social necessário à construção da nova ordem social[vii]. Para Oliveira Martins os decretos de Mouzinho da Silveira eram «um terramoto, como o do marquez de Pombal»: “… os decretos de Mouzinho valeram tanto ou mais do que a influencia da Europa: valeram mais, de certo, do que as batalhas do cerco do Porto. Eram granadas sem limite de distancia: rebentando, feriam a intelligencia e o interesse, em vez de ferirem apenas as carnes”[viii]
Depois do desembarque no Mindelo, no dia 8 de julho de 1832, dando início ao Cerco do Porto, continuaram as perseguições às Ordens Religiosas. Os decretos de 30 de abril e 15 de maio de 1833, referendados por José da Silva Carvalho, encarregado interinamente da Pasta dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, após a demissão de Mouzinho da Silveira a 3 de dezembro de 1832, suprimiram os conventos, hospícios e mosteiros abandonados[ix].
Logo após a entrada de D. Pedro em Lisboa, no dia 29 de julho de 1833, é publicado um Aviso do Governo pedrista ao Cardeal Patriarca de Lisboa comunicando-lhe estar pronta uma embarcação para o transportar a Cádis, determinando-lhe a saída no prazo de três dias. Este mal-estar para com o Cardeal Patriarca deve-se ao facto de D. Patrício ter escrito um conjunto de Pastorais tão dispares nas ideologias apoiadas, levando os apoiantes Realistas a chamarem-lhe o patriarca dos quatro P’s – Patricio Primeiro, Patriarcha Patife Pedreiro[x]. Dá-se o exemplo de, em 23 de agosto de 1826, ter publicado uma Pastoral incitando os fieis a serem obedientes á Carta Constitucional, «dadiva generosa do Nosso Augusto Soberano e Rei o Senhor D. Pedro IV»; em 9 de junho de I828 publicava outra Pastoral, em que afirmava a «legitimidade» de D. Miguel na sucessão ao trono de Portugal e denomina «infame» a revolta contra os seus incontestáveis direitos; em 19 de setembro de 1832 em outra Pastoral manda fazer preces pela vitória de D. Miguel, a quem chama «o novo David suscitado entre nós pelo Céu misericordioso» ; finalmente em 30 de julho de 1833 publica nova Pastoral, sobre a mudança do Governo em Lisboa e restituição da autoridade da Senhora D. Maria II, dirigida ao clero e fieis do patriarcado.
No mesmo dia 29 um Ofício de Cândido José Xavier para o Núncio Apostólico Alessandro Giustiniani, convida-o a sair de Lisboa. Dizia Cândido José Xavier “… que nesta capital ha a maior indisposição contra V. Em.ª …”[xi]. No mesmo dia saí outro ofício de Cândido José Xavier ao Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, comunicando que “…d’ora em diante não haja Nunciatura em Portugal”[xii].
No dia 31 de julho, no Paço da Bemposta, criava D. Pedro uma Comissão de Reforma Geral Eclesiástica, referendada por José da Silva Carvalho, composta por quatro sacerdotes, tendo como presidente o prior Marcos Pinto Soares Vaz Preto[xiii]. Na opinião de Fortunato de Almeida não passavam de «Quatro lobos vorazes disfarçados sob a capa enganosa de pastores!»[xiv].
O liberalismo não esperava, e sob o vaticínio desta comissão foram publicados a 5 de agosto, por Silva Carvalho, quatro decretos onde se puniam uns por terem seguido o partido do «usurpador», e proibia outros a admissão a ordens sacras e a noviciados:
1 – Decreto declarando vagos todos os arcebispados e bispados que foram confirmados em virtude de nomeação do governo usurpador.
2 – Decreto extinguindo todos os padroados Eclesiásticos, e segundo o Artigo 2.º “Só o Governo pôde nomear e apresentar os arcebispados, bispados, dignidades, priorados-móres, canonicatos, parochias, benefícios, e quaesquer outros empregos ecclesiasticos”.
3 – Decreto declarando rebeldes e traidores todos os eclesiásticos que abandonaram as suas paroquias.
4 – Decreto proibindo as admissões a ordens sacras e a noviciados monásticos[xv].
De seguida surge, obra do mesmo ministro, o decreto de 9 de agosto, sujeitando as Ordens Regulares aos prelados diocesanos, sendo que os Ordinários e comunidades que, sob qualquer pretexto, negassem obediência ao determinado no decreto, seriam punidos como rebeldes à Rainha[xvi].
Em 23 de agosto, dissolvia-se a Comissão de Reforma Geral e Eclesiástica e restaurava-se a Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares, extinta por D. Miguel. Assim, esta Junta teve como fim executar os decretos de 5 e 9 de agosto e, mais tarde (19 de outubro de 1833) conferiu-se-lhe, inclusive, o poder de dispor dos benefícios eclesiásticos, examinando e classificando os candidatos. No mesmo dia foi extinto o Tribunal da Nunciatura Apostólica (decreto de 23 de agosto de 1833), considerando-se «incompatível com os princípios decretados na Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, e com a organização judicial»[xvii].
D. Manuel Clemente refere-se a este mês de agosto como um prenúncio da extinção imediata das congregações masculinas e a prazo das femininas[xviii].
A 17 agosto de 1833, o jornal L’Ami de La Religion dava notícias sobre a situação em Portugal: “— On ne connoit pas encore tous les excès dont les royalistes ont été victimes à Lisbonne à l’arrivée des soldats de don Pedro. Les maisons des personnes les plus dévouées à don Miguel ont été pillées et saccagées; les meubles jetés dans la rue ont été livrés aux flammes. Un certain nombre d’habitans notables ont de mandé, comme une grâce, à être enfermés dans la prison de Lemoeiro, afin d’échapper aux violences du duc de Bragance. Don Pedro prend le titre de régent du Portugal”[xix] .
Continuando nesta progressão temporal, em 4 de fevereiro de 1834, José da Silva Carvalho decreta em nome de D. Pedro a «extinção da Santa Igreja Patriarchal de Lisboa», e todos os seus bens e os da Basílica de Santa Maria Maior ficariam incorporados nos da Nação[xx].
Para finalizar a obra iniciada por Mouzinho da Silveira em 1832, vem o celebre dia 28 de maio de 1834, com o Relatório e Decreto da extinção dos conventos das Ordens regulares, elaborado, segundo António Viana, em acordo secreto entre D. Pedro e Joaquim António de Aguiar[xxi].
Decreto de 28 de maio de 1834 (D. Pedro, Duque de Bragança) – Extingue todas as Ordens Religiosas
O Relatório de Joaquim António de Aguiar dirigido a D. Pedro, começa com estas palavras:
“SENHOR – Está hoje extincto o prejuízo que durou seculos, de que a existência das Ordens Regulares é indispensavel á Religião Catholica, e útil ao Estado, e a opinião dominante he que a Religião nada lucra com ellas, e que a sua conservação não he compatível com a civilização, e luzes do século, e com a organisação politica, que convém aos povos”[xxii].
No seu anti congreganismo liberal, Joaquim António de Aguiar justificava esta atitude com as atitudes tomadas pelos religiosos:
“Em nosso tempo, Senhor, quantas vezes não se tem urdido no claustro insidiosas tramas contra o Throno Legítimo, e contra a civilização e liberdade nacional! […] Desde esta epocha [1820] […]: as Casas Religiosas foram convertidas em assembléas revolucionarias; os Púlpitos em tribunaes de calumnias facciosas e sanguinolentas; e o Confessionario em oraculos de fanatismo e de traição. A nação inteira viu huma parte do Clero Regular trocando a Milicia de Deus pela Milicia secular, abandonando effectivamente o Sanctuario, cuja potencia os não secundava, despojando o culto de suas opulencias, para as converter em meios, e estimulos de guerra, distribuindo com huma mão as reliquias dos Santos, e com a outra as armas fratricidas, alternando as verdades do Evangelho com as mentiras mais absurdas, as orações com as proclamações mais ferozes, e para cumulo de horror, perpetrando na solidão da noite desacatos inauditos para os assoalhar de dia como obra dos Liberaes: a Nação toda o viu alistado n’esses bandos de selvagens assim por elle fanatisados, correndo as fileiras, cingindo, em vez do cilicio, que lhe cumpria trazer, a espada que devêra exterminal-o, e disparando raios de morte com as mãos que foram sagradas para suplicar, e attrair as bênçãos do Ceo sobre os seus similhantes, incitando com sua palavra, e com o exemplo ao roubo, ao assassinio e ao incendio; submettendo emfim a Religião aos caprichos d’uma imaginação delirante, e furiosa”[xxiii]
Termina o seu relatório reiterando, «Senhor, he força extinguir as Ordens Regulares, e dar destino aos bens que possuem». Pretendia-se convencer que as Ordens eram o obstáculo principal que impedia o desenvolvimento do país.
Dando seguimento ao Relatório, saí o decreto no mesmo dia. Destacam-se alguns artigos:
“Artigo 2.º Os bens dos Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospícios, e quaesquer Casas de Religiosos das Ordens Regulares, ficam incorporadas nos próprios da Fazenda Nacional.[…]
Artigo 4.º […] será paga pelo Thesouro Publico, para sua sustentação, huma pensão annual, em quanto não tiverem igual, ou maior rendimento de Beneficio, ou Emprego Publico. Exceptuam-se:
§ 1.º Os que tomaram armas contra o Throno Ligitimo, ou contra a Liberdade Nacional.
§ 2.º Os que em favor da Usurpação abusaram do seu Ministério no Confissionario ou no Púlpito.
§ 3.º Os que acceitaram Beneficio, ou Emprego do Governo do usurpador.
§ 4.º Os que denunciaram, ou perseguiram directamente os seus Concidadãos por seus sentimentos de fidelidade ao Throno Legitimo, e de adhesão á Carta Constitucional.
§ 5.º Os que acompanharam as tropas do usurpador.
§ 6.º Os que no acto do restabelecimento da Authoridade da RAINHA, ou depois d’elle. nas terras em que residiam abandonaram os seus Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospicios ou Casas respectivas”[xxiv]
O liberal Joaquim Martins de Carvalho reforça a contribuição dada por D. Pedro nestes assuntos legais. Eis parte do artigo por ele publicado no jornal O Conimbricense: “Apezar do voto unanimemente contrario do conselho d’estado. D. Pedro aprovou a referida proposta, pondo a sua assignatura, juntamente com Joaquim Antonio de Aguiar no famoso decreto de 28 de Maio de 1834, …”[xxv].
Estas medidas desencadearam reações e tensões, pois o religioso passava tendencialmente a ser visto como “o inimigo absolutista” por parte dos setores liberais mais radicais. Estes decretos são justificados pela procura de uma política baseada na prosperidade pública que não se coadunava com a relaxação dos costumes de muitos membros das ordens religiosas, com o elevado número de religiosos regulares e com o sentimento geral de ociosidade e inutilidade. Também a atitude de apoio pessoal e material à causa absolutista era questionada e injustificável para o novo regime[xxvi]. Estes fatores conjugados criaram uma conjuntura política e social propícia à extinção ou reforma religiosa. Transformava-se o poder temporal em juiz e avaliador da disciplina eclesiástica, deixando aos bispos e governadores dos bispados o papel de instrumentos da sua vontade.
In VEIGA, Francisca Branco (2019, nov.). 1832-1834 Regência de D. Pedro em nome de sua filha D. Maria da Glória: fim do governo temporal da Igreja Católica e das Ordens Religiosas em Portugal. In SOARES, Clara Moura; MALTA, Marize (eds.), D. Maria II, princesa do Brasil, rainha de Portugal Arte, Património e Identidade, Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 12 nov. (pp. 113-120). ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
[i] SÁ, Víctor de – Mousinho da Silveira, Revolucionário a Título Póstumo. In Liberais & Republicanos, Lisboa: Livros Horizonte, 1986, pp. 29-57.
[ii] MARQUES, António Henrique Rodrigo de Oliveira – Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. I. Lisboa: Delta, 1986, p. Colunas 288-90.
[iii] SILVA, Innocencio Francisco da – Diccionario Bibliographico Portuguez: tomo II: Letras C-Fr.. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859, p. 28.
[iv] MARQUES, A. H. de Oliveira – Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. I. Lisboa: Delta, 1986, p. Colunas 27-8; SILVA, Innocencio Francisco da – op. cit., tomo IV: Letra Jo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1860, p. 62.
[v] A extinção das Ordens Religiosas promulgada em 1834 foi precedida de uma preparação legislativa, contribuindo para este cenário as Cortes Constituintes de 1821-1822. SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira – Nova História de Portugal, 9º vol.: Portugal e a instauração do Liberalismo. Lisboa: Presença,2002, p. 327; ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal, 3º vol., Livro IV. Nova ed. / prep. e dir. por Damião Peres, 1971, pp. 131-134; CORREIA, José Eduardo Horta – Liberalismo e catolicismo: o problema congreganista (1820-1823). Coimbra: Universidade, 1974, pp. 139-195; 239-246; 250-254.
[vi] VENTURA, António – As Guerras Liberais 1820-1834. Lisboa: Academia Portuguesa da História; QuidNovi, 2008,p. 53.
[vii] BRANDÃO, Maria de Fátima; FEIJÓ, Rui Graça – O discurso reformador de Mouzinho da Silveira. In Análise Social, vol. XVI (61-62), 1980-l.º-2.º, pp. 237-258; Legislação de Mouzinho da Silveira recolhida na Collecção de Decretos e Regulamentos Mandados Publicar por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino, desde Que Assumiu a Regência em 3 de Março de 1832 até Sua Entrada em Lisboa em 28 de Julho de 1833, 2.a série, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836, passim..
[viii] MARTINS, J. P. Oliveira – História de Portugal, 2º vol., 3ª ed. emendada. Lisboa: Viúva Bertrand, 1882, pp. 283-284.
[ix]Collecção de Decretos & Regulamentos: mandados publicar por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino desde que assumiu a regencia até á sua entrada em Lisboa, 2ª serie. Lisboa: Imprensa Nacional, 1834, pp. 271-272.
[x] NORONHA, Eduardo – O Conde de Farrobo: memórias da sua vida e do seu tempo. Lisboa, João Romano Torres & Cª, 1945, p.166.
[xi]Officio de Cândido José Xavier ao Cardeal Giustiniani, de 29 de julho de 1833. In BIKER, Júlio Firmino Júdice – Supplemento à colecção dos tratados, convenções, contratos a actos publicos celebrados entre a coroa e Portugal e as mais potências desde 1640, Tomo XXX, Parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1879, p. 75.
[xii]Offício de Cândido José Xavier para o Ministro dos Negócios Ecclesiasticos e de Justiça, de 29 de julho de 1833. Ibidem, p. 76.
[xiii] Veja-se sobre o Padre Marcos, CARROMEU, Francisco – Arcebispo e Maçon: o Padre Marcos na reforma liberal do Estado e da Igreja (1820-51). Lisboa: ed. Colibri, 2013.
[xiv] ALMEIDA, Fortunato – História da igreja em Portugal, Tomo IV, Parte II. Coimbra: Imprensa académica, 1922, p. 395.
[xv]BIKER, Júlio Firmino Júdice – op. cit., pp. 80-85.
[xvi] Decreto annullando a instituição dos Prelados maiores das Ordens militares, etc., de 9 de julho de 1833. In BIKER, Júlio Firmino Júdice – ibidem, p. 86.
[xvii]Decreto extinguindo o Tribunal da Legacia, de 23 de agosto de 1833. In BIKER, Júlio Firmino Júdice – ibidem, pp. 92-93.
[xviii] CEMENTE, Manuel, D. – Laicização da Sociedade e Afirmação do Laicado em Portugal (1820-1840). In Lusitânia Sacra, 2.ª série, 3 (1991), p. 124.
[xix] L’Ami de la religion, vol. 77, nº 2142, de 17 de agosto de 1833, pp. 126-127.
[xx]Collecção Decretos e Regulamentos, 1834, (Ano 1833), pp. 127-129.
[xxi] VIANA, António – José da Silva Carvalho e o seu Tempo, Tomo II. Lisboa: Imprensa nacional, 1894, pp. 152-153.
[xxii]Extinção dos conventos das Ordens regulares – Relatório. Paço das Necessidades, em 28 de maio de 1834. Joaquim António de Aguiar. In BIKER, Júlio Firmino Júdice – op. cit., pp. 109-116. Vide Anexo 53.
[xxiii]Extinção dos conventos das Ordens regulares – Relatório. Ibidem, pp. 113-114.
[xxiv]Extinção dos conventos das Ordens regulares – Decreto. Ibidem, pp. 117-118.
[xxv]O Conimbricense, nº 5566, 16 de março de 1901, p. 2.
[xxvi] SILVA, Armando Barreiros Malheiro da – Miguelismo.Ideologia e mito. Coimbra: ed. Minerva, 1993, pp. 60-75.