O espólio do noviciado da Cotovia: A obra de arte total como programa cultual e de doutrinação 

Não tendo como pretensão o estudo aprofundado da iconografia na Companhia de Jesus, achei conveniente mostrar que um programa cultual e de doutrinação teve como consequência a criação de uma arte religiosa muito própria da Companhia de Jesus ao nível da arquitetura, da pintura, da escultura, da ourivesaria.

1619 – Inauguração do noviciado da cotovia – Encontramo-nos num período de reforma católica referido como Contra-reforma que se caracterizou por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja Católica, diante do movimento de Reforma Protestante na Europa do século XVI. O Papa Paulo III convocou este concílio para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica.

Na última sessão do Concílio de Trento (1545 – 1563), definiu-se de  forma explícita e intencional que a arte deve estar ao serviço dos ritos da igreja católica.

Dos decretos tridentinos transparece uma nova forma de ver a imagem sagrada, onde o “ver” uma coisa com desejo e com intenção equivalia a possuí-la.

A Companhia de Jesus nasce, neste período, como um instrumento na definição do ideal de uma Igreja reformada.

4. História do noviciado

O noviciado da Cotovia surge da necessidade de se criar um espaço único para a formação de noviços destinados ao oriente para evangelizar.

Em 1540 D. João III irá ser o primeiro rei na Europa a contactar Inácio de Loyola devido à necessidade de encontrar missionários, homens letrados, para evangelizar o Oriente, pregando e convertendo à Fé cristã os nativos

Surge a figura de Fernão Teles de Meneses benemérito que doou toda a sua fortuna para a construção deste noviciado, virado para o Tejo de onde se via os barcos partirem. Com bons ares e fora das muralhas fernandinas.

Entram os primeiros noviços em 1619 e são expulsos deste espaço em 1759.

Ocuparam este espaço durante 140 anos, ligados ao ensino e formação de jovens destinados às missões do oriente.

5. Enquadramento religioso e artístico

Relativamente à  Companhia de Jesus esta rapidamente respondeu a esta igreja reformada.

Foram várias as contribuições para que se possa falar de um “estilo jesuítico”: Ao nível interno, as Constituições, A Formula do Instituto, a auto biografia de Sto Inácio de Loiola, tal como, os Exercícios Espirituais; a nível externo, o Concílio de Trento, as Instrução de S. Carlos Borromeu ou o Tratado de São Roberto Belarmino.

Estas, São as linhas essenciais que vão configurar a prática cultual e devocional e que vão ditar iconograficamente toda a Arte.

A vida cultual é regrada e normalizada de acordo com o tipo de indivíduo.

A prática devocional da Companhia orienta-se, de forma clara, em quatro vertentes: Trinitária, Cristológica, Mariana e Hagiográfica

Deste modo, estes religiosos conseguiram interpretar os princípios estéticos vigentes no mundo católico pós reforma.

6. Tipologia da Coleção

O espólio do noviciado é composto por sessenta peças, essencialmente, objetos que serviram ao culto na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, enriquecido com alguns paramentos que vieram da China e relicários de Itália.

Ao espólio do noviciado da Cotovia que se encontra no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, poderíamos adicionar pinturas e esculturas da igreja do antigo noviciado dispersas em diversas instituições de Lisboa

7. PINTURA FTM

Encontramo-nos no período de governação espanhola. FTM a 3 de Novembro de 1581 jurou e fez jurar o novo rei Filipe I em todo o estado da Índia.

Assim, ao observarmos o estilo de pintura aplicado no retrato sentimos que esta se aproxima da tradição tenebrista espanhola, da utilização pictórica do claro-escuro, como pintura de aparato e de representação. Iconograficamente muito ligado ao período filipino, pois tem como indumentária uma armadura filipina.

Muito idêntica à dos pintores Bartolomé González e Juan Pantoja de la Cruz .

Na tradição do retrato tem-se o cuidado de mostrar cuidadosamente rendas, vestidos e joias dos seus modelos, com postura rígida, e colocando um fundo de aparato. As mãos também são desenhadas com precisão, segurando um bastão, símbolo de comando. A luva destacada serve de reconhecimento da sua posição de Governador. Com Cruz de Cristo ao peito. Nesta tela visualiza-se os dois mundos de Fernão Teles de Meneses, o de guerreiro e o de político. É visível ao nível pictórico um desequilíbrio, mostrando uma pintura excelente na totalidade mas ao nível da feições a qualidade não é a mesma, denotando que provavelmente foram duas pessoas a pintá-la.

8. ESCULTURA TUMULÁRIA

Foram as sepulturas régias da capela-mor de Santa Maria de Belém que deram início a um conjunto de monumentos funerários tipologicamente idênticos

Na Capela-mor das Igrejas da Companhia de Jesus encontramos sempre o túmulo do fundador, conforme impunham as Constituições (309-310), além de testemunhar o sentimento de gratidão à figura benemérita do Fundador (312-314.

Existem duas ordens de razões para a grande aceitação deste tipo de fórmula: por um lado, o prestígio associado a monumentos fúnebres régios, e, por outro, o facto de a realização deste modelo não implicar, a nível técnico, a necessidade de grandes recursos ou apresentar particulares dificuldades.

Nível formal – composto por essas e suporte

Nível simbólico

Ásia simbolizava o poder real

arte oriental o elefante como elemento de suporte é simbólico de animal-suporte-do-mundo: o universo repousa sobre o lombo de um elefante.

Ocidente simbolizava eternidade, temperança, piedade, associadas à soberania, ao poder e à riqueza.

Nível técnico – não implica grandes recursos manuais e de especialidade.

 O que cativou a realeza e a nobreza por este tipo de sepultura terá sido o seu aspeto em pirâmide e o material utilizado (mármores).

9. ESCULTURA

As esculturas do noviciado da cotovia seguem as normas saídas do Concílio de Trento, refere-se à Invocação e Veneração às Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens da seguinte maneira:

“…declara este santo concílio, que as imagens devem existir, principalmente nos templos, principalmente as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus, e de todos os outros santos, e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração…» e «…que as imagens não sejam pintadas com formosura dissoluta…”.

“… se consegue muitos frutos de todas as sagradas imagens, não apenas por recordarem ao povo os benefícios e dons que Cristo lhes concedeu, mas também porque se expõe aos olhos dos fiéis os salutares exemplos dos santos milagres que Deus lhes concedeu,”

  • Santo Inácio nos Exercícios Espirituais (47), propõe o uso da visão e da imaginação como um recurso para que a oração se torne concreta. “…ver, com a vista da imaginação, o lugar material onde se acha aquilo que quero contemplar…”

As esculturas do noviciado da Cotovia são maneiristas, do início do século XVII, fidelizadas a parâmetros de imaginária sacra portuguesa, tipo esculturas de Gonçalo Rodrigues que trabalhou para uma clientela religiosa e tradicionalista.

A escultura é representada com equilíbrio e síntese no tratamento volumétrico, com serenidade expressiva e gestual.

A escultura da Virgem com o Menino Salvador do Mundo é uma imagem de vulto, em madeira de carvalho setentrional, estofada e policromada, apresentando grande delicadeza na sua postura.

A escultura de S. Paulo, com estofo em tons vermelho e verde e com vestígios de policromia floral e geométrica, com desenho de linha a dourado. Simbolicamente, teria uma espada aludindo ao seu martírio, pois foi decapitado, mas também é símbolo da palavra divina por ele anunciada, como diz a Carta aos Hebreus: “a palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4, 12). Existem referências ao local onde se encontrava: Na sacristia encontrava-se «…em cima do caixão duas imagens de vulto, uma de S. Pedro, outra de S. Paulo, ambas de cinco palmos com resplendores de folha prateada…».

A escultura de Cristo estaria na sua origem atado a uma coluna. Esta imagem está associada à flagelação de Cristo. A cena da Flagelação, tal como os outros episódios da Paixão é, a partir do século XVI, representada com grande dramatismo, com Cristo atado a uma coluna e ladeada dos verdugos. Quando a cena se encontra despida de todo e qualquer elemento (verdugos, açoites) transforma-se numa imagem de grande devoção, como é o caso deste exemplar do noviciado da Cotovia. A coluna à qual Jesus geralmente aparece amarrado, e a corda, o flagelo, são elementos tipo que aparecem na Arma Christ. Com estas imagens os escultores praticavam a criação do nu, proibido pela igreja pois era considerado indecoroso e desonesto

10. PARAMENTARIA

Na paramentaria impera o princípio do culti decori, onde a sacralidade da função está associada à riqueza dos materiais. Servem para glorificar a Deus de maneira mais nobre e eficaz.

A função dos paramentos, ricamente bordados, é decorativa mas também serve «…de reforço do mecanismo de atracão dos sentidos dos crentes.»

Concílio de Trento, Sessão XXII refere-se ao aparato na celebração da missa da seguinte maneira:

 aquele que «…disser que as cerimónias, vestimentas, e sinais externos que usa a Igreja Católica na celebração das Missas, são muito mais incentivos de impiedade que obséquios piedosos, seja excomungado» (Cân. VII).

Para a igreja católica, as vestes representam Cristo cheio de glória.

Importam-se as novas tendências do Oriente exótico. Chegam a Lisboa, – a cidade europeia mais cosmopolita – como produto exótico, muito atrativo e a baixo custo, devido à utilização de mão-de-obra barata.

No Frontal de altar da igreja do noviciado da Cotovia vamos encontrar símbolos chineses: no campo central uma águia bicéfala; nas laterais, um vaso bojudo com crisântemos e peónias; é ladeado por um dragão e por um leão a brincar com a bola de brocado. No centro da barra, inscreve-se, em cartela circular com resplendor raiado, a inscrição IHS, emblema dos jesuítas.

O Véu de cálice, é em seda creme de origem chinesa, tem um estampado com imagens de crisântemos e galhos de frutos. Ao centro, inscreve-se, em cartela circular com raios setiformes, lisos e em serpentina, alternantes, a inscrição IHS.

11. MISSAL

Inseridos no espólio do noviciado da Cotovia encontram-se três Missais dos séculos XVII e XVIII d.C..

O missal Romano contém as leituras da Missa 

Pio V em 1570, através da bula Quo primum tempore, definiu o novo Missal Romano com o fim de eliminar os abusos cometidos na celebração da missa.

«…de tal sorte que os padres saibam de que preces devem servir-se e quais os ritos, quais as cerimonias, que devem observar doravante na celebração das Missas»

Lê-se: as missas de acordo com o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo Pascal e Tempo Comum); O Rito da Missa (Ritos Iniciais, Liturgia da Palavra, Liturgia Eucarística (ofertório e prefácios), o Rito da Comunhão e os Ritos Finais); Apêndice do Rito da Missa (Bênçãos Solenes e Orações sobre o povo.

Este missal é da Primeira metade do séc. XVIII d.C. (1732). A capa é centrada pela imagem de Santo Inácio segurando com as mãos o livro da “Regra” da Companhia em que está inscrita a divisa AD MAIO DEI GLO REG SOC IESV, encimado por uma coroa e anjo, tudo em prata. Na contracapa a ornamentação é idêntica mas tendo ao centro a imagem de S. Francisco Xavier com lírios, atributo alusivo à pureza.

Várias gravuras a buril ornamentam o texto: a Adoração do Santíssimo, a Anunciação, o Nascimento do Menino Jesus, o Calvário e a Ressurreição

 12. RELICÁRIO

Da igreja do Noviciado da Cotovia chegou-nos este relicário em prata que é testemunho da veneração que se prestava aos Santos e aos Mártires

A exposição das relíquias dos santos era, nesta época pós-tridentina, um poderoso meio de propaganda religiosa.

Santo Inácio de Loyola, afirmava que se devia venerar as relíquias, tendo a mesma fé e devoção que perante as imagens dos santos.

Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio de Loyola escreve:

«Louvar as relíquias dos Santos, venerando-a estas e rezando a eles.»

O Concílio de Trento na sessão XXV referiu-se às relíquias da seguinte maneira:

«Ordena o Santo Concílio a todos os Bispos e demais pessoas que tenham o encargo ou obrigação de ensinar… sobre a intercessão e invocação dos santos, honra das relíquias e uso legítimo das imagens…».

«… também os condena a Igreja, aos que afirmam que não se deve honrar nem venerar as relíquias dos santos, ou que é vã a veneração que estas relíquias e outros monumentos sagrados recebem dos fiéis…»

Era importante transmitir ao povo crente que o culto das relíquias servia de veículo para estes alcançarem a Salvação.

Quase todas as casas da Companhia de Jesus receberam relíquias vindas de Roma e da Alemanha. A igreja de S. Roque, em Lisboa, é um bom exemplo da atitude da Companhia face às relíquias.

Eram frequentemente escolhidos para adornar os altares pois exerciam um poder enigmático sobre o crente.

Este relicário é de origem italiana com as marcas da Contrastaria de Roma (chaves cruzadas e umbela) e a do ourives: leão rampante (esta marca apresenta-se defeituosa, dificultando a sua leitura e justifica a interrogação da autoria).

Relicário em forma de custódia, realizado com folha de prata aplicada sobre estrutura de madeira e assente sobre base de madeira dourada, de secção triangular, mistilínea e moldurada, com relíquias correspondentes aos dois irmãos coadjutores João Soan (de Goto) e Diogo Kisai, martirizados em Nagasaki a 5 de Fevereiro de 1597; canonizados apenas em 8 de Junho de 1862 por Pio IX mas já anteriormente venerados no contexto da Companhia de Jesus.

Concluindo,

 [19, 20 e 21 novembro 2014 

I SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DE COLECÇÕES 

Investigação recente e novos olhares 

– Da Cotovia ao Museu Nacional de História Natural e da Ciência – 

21 DE NOVEMBRO 2014 │DIA 3 

Sexta –feira 

Anfiteatro Manuel Valadares 

5ª SESSÃO │HISTÓRIA DE COLECÇÕES: ARTE, CIÊNCIA E LIVROS 

9h30 │O espólio do noviciado da Cotovia: A obra de arte total como programa cultual e de doutrinação 

Francisca Branco Veiga ]

Segundo o “modo nostro”: o edifício do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, 1619 – 1759

Noviciado da Cotovia – Fachada, 1863 (Archivo Pittoresco, 1863)

Resumo

Este artigo sobre o noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, instituição criada no espaço onde atualmente existe o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MNHNC), tem como objetivo dar a conhecer a história e edificação deste espaço de educação e religião, no período entre 1619 e 1759.

Pelo estudo do espólio arquitetónico e artístico que chegou aos nossos dias e de fontes de informação com ele relacionado pretendeu-se demonstrar que combinando os fatores espirituais com os factores físicos, este espaço assumiu a sua forma exaltando-se o espírito do lugar de acordo com o modo nostro.

Assim, concebido para responder ao programa arquitetónico específico desta Ordem, o noviciado da Cotovia tornou-se uma referência como primeiro noviciado da Companhia de Jesus na Província Portuguesa.

Palavras-chave: Companhia de Jesus – Noviciado – Arquitetura – História

Abstract

This article about the novitiate of the Cotovia da Companhia de Jesus, an institution created in the space where the National Museum of Natural History and Science (NMNHS) currently exists, has the objective of reviewing the history and construction of this education and religion space, in the period between 1619 and 1759.

By studying the architectural and artistic heritage that has come to our days and the sources of information related to it, it was intended to demonstrate that combining spiritual with physical factors, this space built its shape, exalting the spirit of the place according to the modo nostro.

Thus, conceived to respond to the specific architectural program of this Order, the Cotovia novitiate became a reference as the first novitiate of the Society of Jesus in the Portuguese Province.

Keywords: Society of Jesus – Novitiate – Architecture – History

Introdução

Partindo do título deste artigo Segundo o modo nostro: o edifício do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, 1619 – 1759 é nosso propósito fazer um estudo sobre a arquitetura do edifício dos atuais Museus da Politécnica (MNHNC), no período de 1619 a 1759, isto é, desde o início do noviciado jesuíta até à expulsão da Companhia de Jesus de Portugal.

Depois de fazer um estudo do espólio que chegou até nós e que se encontra nos reservados do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, sentiu-se ser pertinente efetuar uma recolha de informação documental, com uma perspetiva de análise nunca realizada até hoje.

Como orientação desta análise, optou-se por uma metodologia de organização documental, baseada numa abordagem histórica e interpretativa do programa arquitetónico específico da Companhia de Jesus. Desta forma, iremos focar-nos, principalmente, em dois temas: a histórica do edifício nos 140 anos da existência do noviciado e a arquitetura dos seus espaços, inserindo-os no pós Concílio de Trento e nas instruções da Companhia de Jesus para a criação de edifícios jesuítas.

A arquitetura do edifício pensada pelo arquiteto Baltasar Alvares segue a linha do modo nostro jesuíta, onde a atenção ao método, materiais e coerência funcional tinha como fim último a criação de dois espaços distintos, a área da ação do espírito e a área das atividades do corpo e da comunidade.

Os documentos mais importantes para este estudo são as Constituições da Companhia de Jesus, os decretos e os diversos diplomas emanados do Concílio de Trento, as Instrução de S. Carlos Borromeu e os Exercícios Espirituais. Do Arquivo Nacional da Torre do Tombo recolhemos da Colecção do Colégio dos Nobres o Livro 154, da Biblioteca Nacional de Portugal o códice 145, e da biblioteca dos Museu Nacional de História Natural e da Ciência o livro do jesuíta António Franco A imagem da Virtude … em Lisboa. Todos os documentos contêm informação sobre a história do noviciado da Cotovia. Destaca-se o manuscrito do ANTT sobre a História da Fundaçam aumento e progresso da casa de provaçam da Companhia de Iesu de Lisboa, Anno de 1597, pelo facto de nunca ter sido transcrito e de conter informação precisa, escrita por contemporâneos, desde a escritura da Quinta da Cotovia até à entrada dos noviços.

Objetivamente, optou-se de forma explicita por um processo de amostragem qualitativa, assumindo a parcialidade e subjetividade dos autores e intervenientes. Na decorrência deste artigo, acredita-se terem ficado claras as razões que estiveram na origem e posterior construção deste espaço único, criado para a formação de jovens que tinham como objetivo final «ir em missão».

Veja o artigo completo em

Mátria Digital, Ano X, Número X, Dezembro 2022 – Novembro 2023

Francisca M. Branco Veiga, Segundo o modo nostro: o edifício do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, 1619 – 1759, pp. 285-318.

https://matriadigital.cm-santarem.pt/index.php/ensaio

Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

A formação de um noviço da Companhia de Jesus no Noviciado da Cotovia (1616-1759)

[Pregação (Martins: Via Spiritus 11, 2004)].

Santo Inácio de Loyola reuniu em dois documentos toda a legislação jesuítica pela qual a Ordem se manteve una (corpo e mente): as Constituições e os Exercícios Espirituais, completando a primeira os segundos. A primeira cuida da vida em grupo, isto é, organiza a Companhia de Jesus e a vida dos seus membros, os segundos cuidam da parte espiritual e individual dos indivíduos.

Para o noviço da Companhia de Jesus a oração vocal e mental, a correcção dos hábitos, a assimilação dos valores da vida espiritual, assistir às instruções sobre a doutrina cristã e sobre a vida religiosa específica do instituto, fazem parte da sua formação de base.

O noviciado vai estruturar-se, basicamente, à volta de seis experiências/provações que se consideram principais (Const. 64-70) e que constituem “tempos fortes” de aprofundamento e confirmação da vocação:

primeira, um mês de Exercícios Espirituais que dão ao jesuíta a base e estrutura que orientará a sua vida espiritual e vão ser uma verdadeira escola de oração, de identificação com Cristo, de busca e acolhimento da vontade de Deus;

a segunda, será servir em hospitais durante outro mês, onde vão ser chamados a ajudar nos trabalhos, a servir e a conviver com os doentes – uma oportunidade para ter contacto com a realidade do sofrimento, bem como desenvolver a capacidade de abertura, de relação e de solidariedade, vão baixar-se e humilhar-se;

a terceira consiste num mês de peregrinação, sem dinheiro e mendigando, a fim de se habituarem a comer e a dormir mal. É um tempo para descobrir o valor do essencial na vida e deixar amadurecer a confiança na providência divina. O colégio de Coimbra ainda mantém o registo dos Avisos para os peregrinos, que são conselhos de vida espiritual destinados aos peregrinos;

as outras três experiências são, exercer ofícios domésticos para se humilhar, ensinar a doutrina cristã e confessar e predicar, consoante os tempos, os lugares ou a sua própria capacidade.

Trata-se, por tanto, de provar com estas experiências se a atitude e disposição do noviço está de acordo com a vida em missão na Companhia de Jesus além de criar no noviço atitudes correspondentes a um apóstolo evangélico.

No fim do noviciado, passadas todas as provações vão entregar-se, de acordo com as suas aptidões e talentos, às várias ocupações que a Companhia de Jesus lhes proporciona: estudo e lides literárias; serviço doméstico; Ministérios sacerdotais[1].

[Ministérios da Companhia de Jesus (Martins: Via Spiritus 11, 2004)].

O Padre António Franco no seu livro Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesu na Corte de Lisboa, refere o fim dos noviços da Cotovia:

«…o Padre lhe reprezentou esta caza, declarou o fim, pêra que se fundava, o qual era criaremse nella sugeytos, que fossem estudar aos collegios, e depois se repartissem pellas missoens da India, China, Japaõ, e outras da gentilidade, pêra pregar o Evangelho; donde resultava a Deos grande gloria, e augmento à fe Catholica»[2].

Faz referência às missões como «…o seu dia de allivio…»[3].


[1] Rodrigues, Francisco, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, Porto : Liv. Apostolado da Imprensa, 1931- ,  T.I, v. I, p. 506.

[2] FRANCO, António, Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesu na Corte de Lisboa, Coimbra : no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1717,  p.14.

A.N.T.T., Colecção do Colégio dos Nobres, Liv. 187, CAPº 3

[3] FRANCO, António, Ibidem, p.8.

Através de um grande esforço de aproximação, do fomento do intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários Portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante, a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China. Alguns destes missionários da Companhia de Jesus foram nomeados Mandarins pelos Imperadores da China como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos, entre eles: Padre Gabriel de Magalhães, Padre Manuel Dias Júnior, Padre Tomás Pereira, Padre João Francisco Cardoso, Padre André Pereira, Padre Domingos Pinheiro, Padre Félix da Rocha, Padre José de Espinha, Padre André Rodrigues. In VEIGA, Francisca M.C. Branco, Astrónomos Portugueses na China, Mestrado em Património Cultural de Matriz Cristã pela Universidade Católica Portuguesa, Cadeira de Museologia, 2006.

Veja-se, inclusive, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

Peças cedidas ao Museu Arqueológico do Carmo pela Escola Politécnica [São Estanislau Kostka e São Luís Gonzaga]

Nas peças cedidas ao Museu Arqueológico do Carmo pela Escola Politécnica[1] encontram-se duas peças do espólio do Noviciado da Cotovia: uma escultura de São Estanislau Kostka (padroeiro dos noviços) e uma de São Luís Gonzaga (padroeiro da juventude).

São Estanislau Kostka e São Luís Gonzaga (Museu Arqueológico do Carmo)

A estatuária religiosa em pedra possui uma função ornamental e identificativa. Trata-se de imaginária integrada em nichos abertos nas fachadas principais dos edifícios religiosos, aludindo ao orago do templo ou ao universo devocional da comunidade religiosa.

Neste caso específico encontramo-nos iconograficamente perante dois santos da Companhia de Jesus. 

São Estanislau Kostka (padroeiro dos noviços) surge-nos, iconograficamente, sustentando um menino nos seus braços, levando-nos ao encontro com sua história onde se conta que, estando doente e durante um sonho, viu a Virgem Maria colocar o Menino Jesus em seus braços. Nossa Senhora, na sua aparição, convidou-o a ingressar na Companhia de Jesus.

A indumentária de ambas as esculturas é semelhante, estando ambos vestidos como membros da Companhia de Jesus, isto é, com sobrepeliz[2].

São Luís Gonzaga (padroeiro da juventude)[3] tem como atributos um lírio, um crânio, uma disciplina ou um crucifixo. Um desses objetos, agora desaparecido da sua mão esquerda era por ele dado a contemplar.

Imagens que física e estilisticamente se aproximam uma da outra, onde a desproporção pode igualmente ser observada e sendo visível ao nível da cabeça, parecendo à vista desarmada um restauro quase desastroso. Cultiva-se o gosto pelo gesto e pela exploração do momento determinante da ação. Mas se olharmos estas figuras num plano mais elevado, esta desproporção ameniza-se. Ambas as peças estão sobre uma base do mesmo material mas também ela provocando alguma dinâmica.


[1] Informação recolhida em José Morais Arnaud (coord.); Carla Varela Fernandes (coord.); Vitória Mesquita (coord.), Construindo a Memória: As Colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2005 (a identificação dos santos encontra-se incorreta).

[2] A Companhia de Jesus ordenou o uso da sobrepeliz durante o sermão e nas lições sagradas, daí surgirem estas duas estátuas com este tipo de indumentária.

[3] São Luís Gonzaga é considerado “Patrono da Juventude”. Seu corpo repousa na Igreja de Santo Inácio, em Roma. São Luís Gonzaga escreveu: “Também os príncipes são pó como os pobres: talvez, cinzas mais fedidas”. Após ter recebido a primeira comunhão das mãos de São Carlos Borromeu, decidiu-se pela vida religiosa, entrando para a Companhia de Jesus.

Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

«Louvar os ornamentos e edifícios das igrejas. Do mesmo modo as imagens. Venerá-las segundo o que representam» (Inácio de Loyola)

Assiste-se a partir de meados do século XVI a um aumento da produção de imagens sacras. O conjunto escultórico do Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus ( espaços ocupados atualmente pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência, de Lisboa), que chegou aos nossos dias (e de nosso conhecimento), é bem representativo das novas exigências do culto tridentino, que deu especial relevo à imagem de Nossa Senhora sob as variadas invocações, à imagem de Cristo, dos Apóstolos e dos Santos mártires[1].

A escultura da Virgem com o Menino Salvador do Mundo é uma imagem de vulto, em madeira de carvalho setentrional, estofada e policromada, apresentando grande delicadeza na sua postura. Exibe um estofo muito desgastado e alguns vestígios de policromia.    

Virgem com o Menino Salvador do Mundo

Data: séc. XVII d.C.                                                                                                                                         
Dimensões:
– Altura: 130 cm
– Largura: 26 cm
– Comprimento: 51 cm  
Materiais:
 – Madeira
Técnicas:
– Dourado
– Estofado
– Policromado
– Escultura

 A outra escultura de vulto é um S. Paulo, e que apresenta os mesmos problemas na conservação. O estofo encontra-se muito desgastado, em tons vermelho e verde e com alguns vestígios de policromia, provavelmente floral e geométrica, com desenho de linha a dourado. Esta imagem parece ter sido repintada, pelo menos nas zonas sem estofo.

São Paulo
 
Autor: Desconhecido, trabalho português                 
Datação: séc. XVII d.C.                        
Dimensões:
– Altura: 115 cm
– Largura: 33 cm
– Profundidade: 40 cm
Materiais:
 – Madeira
Técnicas:
– Dourado
– Estofado
– Policromado
– Escultura

A terceira e última escultura do espólio do Noviciado da Cotovia é um Cristo que estaria na sua origem atado a uma coluna. Escultura em muito mau estado de conservação, com ténues vestígios de pintura. Esta imagem está associada à flagelação de Cristo. A cena da Flagelação, tal como os outros episódios da Paixão é, a partir do século XVI, representada com grande dramatismo, com Cristo atado a uma coluna e ladeada dos verdugos. Quando a cena se encontra despida de todo e qualquer elemento (verdugos, açoites) transforma-se numa imagem de grande devoção, como o caso deste exemplar do Noviciado da Cotovia. Com estas imagens os escultores praticavam a criação do nu, proibido pela igreja pois era considerado indecoroso e desonesto.[2]

Cristo preso à coluna
 
Autor (es): Desconhecido
Datação: séc. XVII d.C. 
Dimensões:
– Altura: 187 cm
– Largura: 32 cm
– Profundidade: 52 cm 
Materiais:
 – Madeira
Técnicas:
– Dourado
– Estofado
– Policromado
– Escultura

Não existem referências quanto aos seu autores, mas sabe-se o local para o qual a escultura de S. Paulo foi criada dado que em 1759, quando os bens da Companhia de Jesus foram sequestrados, foi elaborado um inventário onde era referido que na sacristia se encontrava «…em cima do caixão três imagens de vulto, uma de S. Pedro, outra de S. Paulo, ambas de cinco palmos com resplendores de folha prateada,…»[3]tendo em atenção que seguiam uma representação “tipo” seguindo as normas tridentinas.

Encontrámos referências bibliográficas a outra imagem escultórica, do século XVIII, pertencente ao Noviciado e que se encontra atualmente na igreja de S. Mamede, vizinha dos Museus da Politécnica, sendo lá colocada após um dos últimos incêndios que houve na antiga escola Politécnica. Esta escultura encontra-se em muito bom estado de conservação. José de Almeida foi o escultor desta imagem de vulto, em madeira policromada e estofada. 

Nª Sª da Conceição
Autor: José de Almeida 
Data: séc. XVIII

As esculturas do Noviciado da Cotovia são maneiristas, do início do século XVII, fidelizadas a parâmetros de imaginária sacra portuguesa, tipo esculturas de Gonçalo Rodrigues. Vitor Serrão num artigo publicado na revista Museu afirma que, este escultor trabalhou para uma clientela muito vasta, como por exemplo, a Misericórdia do Porto, os padres jesuítas de Braga e possivelmente para «…os inacianos de Lisboa»[4]. As esculturas maneiristas em madeira estofada e policromada, de que são exemplo as quatro referidas atrás, dão-nos a ideia do tipo de técnica usada neste período, tal como a postura da imagem e os tons e as cores utilizados.

As normas saídas do Concílio de Trento foram adotadas pela Companhia de Jesus a todos os níveis, incluindo as relativas à Invocação e Veneração das Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens. Inácio de Loyola afirmava que: «Louvar os ornamentos e edifícios das igrejas. Do mesmo modo as imagens. Venerá-las segundo o que representam».[a]


[a] INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais (360).


[1] CAETANO, Joaquim Oliveira; SILVA, Nuno Vassalo e, [e tal.], O púlpito e a imagem : os jesuítas e a arte, p. 25.  

[2] DIAS, Pedro, A escultura maneirista portuguesa: subsídio para uma síntese, p. 135.

[3] LINO, Raúl, SILVEIRA, Luís; MARQUES, A. H. de Oliveira, Documentos para a história da arte em Portugal,  p. 8.

[4] SERRÃO, Vítor, O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues e a sua actividade no Norte de Portugal. Museu, IV série, nº7, 1998, p.148.

Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

O Espólio do Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus (1619-1759)

Épocas representadas: séculos XVII-XVIII.
Tipo de coleções: Paramentaria, Pintura, Escultura, Ourivesaria, Espólio Documental.

 O Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MNHNC) que desde o primeiro quartel do século XVII até ao presente serviu de sede a respeitáveis instituições de ensino e de cultura, alberga um espólio variado de obras de arte e instrumentos científico-didácticos, onde se encontra inserido o espólio relativo ao Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus.    

O espólio do Noviciado é composto por sessenta peças, essencialmente, objetos que serviram ao culto na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, enriquecido com alguns paramentos que vieram da China e relicários de Itália.

Quadro indicativo do número de peças pertencentes ao espólio do Noviciado da Cotovia.

Esta coleção de Arte possui uma pintura a óleo, do século XVII, com o retrato do fundador do noviciado, importante personagem que foi Governador da Índia. São bastante numerosas as peças de paramentaria, incluindo estolas, manípulos, palas, bolsas de Corporal, véus de cálice e um frontal de altar que se destacam pela diversidade de cores e pelos emblemas bordados com o símbolo dos jesuítas (IHS). Da ourivesaria destaca-se um relicário, com as suas relíquias de antigos mártires jesuítas, um relicário-palmeta e um resplendor, os primeiros de prata e o segundo de latão, dos séculos XVII e XVIII. Existem três exemplares de escultura sacra que apesar do mau estado de conservação, permitem percecionar a sua qualidade e a experiência do artista que as criou, correspondendo a um S. Paulo, a uma Virgem com o Menino Salvador do Mundo e um Cristo atado à Coluna, datadas do século XVII. Esta coleção conta, também, com um conjunto de três missais, dois de uso comum e outro de cerimónia, pertencentes aos jesuítas da Cotovia, com identificações escritas e artísticas relativas a membros desta Companhia.

Ao espólio do noviciado da Cotovia que se encontra no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, poderíamos adicionar pinturas e esculturas da igreja do antigo noviciado mas que devido a uma série de incêndios e cataclismos que lavraram este edifício da Rua da Escola Politécnica, se perderam no fogo ou foram salvas e recuperadas por outras entidades, encontrando-se atualmente a embelezar igrejas ou museus nacionais.

GRANDE INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL DE HISTORIA NATURAL.
Diário Popular, 18 de março de 1978

Veja-se, VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

História do Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus: Cronologia

Excerto do Panorama de Lisboa. In Academia Nacional de Belas Artes

1540 – A 27 de Setembro, o papa Paulo III aprova a criação da Companhia de Jesus, pela bula “Regimini Militantis Ecclesiae”.

 Sto. Inácio de Loyola acedeu ao convite do rei português e enviou para Portugal dois dos seus primeiros companheiros: Francisco Xavier e  Simão Rodrigues.

1545-1563 – Concílio de Trento – Os Decretos Tridentinos produziram uma genuína reforma da Igreja Católica Romana, e reafirmaram as bases fundamentais do seu dogma.

1546 – É criada a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a primeira província de toda a Ordem no mundo.

– Fernão Telles de Menezes (Governador da Índia e 1º Governador do Algarve, Regedor das Justiças e Provedor da Misericórdia de Lisboa) e sua esposa, D. Maria de Noronha, acordam com os jesuítas serem os fundadores da Casa Do Noviciado.

1597 – Fernão Teles de Menezes oferece de dote à C. J. 20. 000 Cruzados (mais de 100.000 contos de hoje).

1598 – Celebra-se a dedicação da Casa a Nossa Senhora da Assunção (18 de Dezembro).

1603 – Lançamento da 1ª pedra para a construção do edifício (23 de Abril).

1605 – Morte de Fernão Telles de Menezes (26 de Novembro).

1607 – O arquitecto real Baltazar Álvares passa a dirigir a construção da obra.

1613 – Lourenço Lombardo, flamengo natural de Anvers, 2º financiador da Casa do Noviciado, dota a Casa com 30.000 cruzados (mais de 150.000 mil contos).

1616 – Foi feita a 1ª missa na Igreja do Noviciado (1 de Novembro).

Transladação dos ossos do fundador Fernão Telles de S. Roque para a igreja da Cotovia (9 de Novembro).

1619 – Inauguração do edifício do noviciado do Monte Olivete.

1634 – Morre Lourenço Lombardo. Foi sepultado na Sacristia em campa rasa com epitáfio.

1694 – Incêndio na Casa do Noviciado da Cotovia

1705 – É criado o Noviciado de Arroios (Lisboa), para as missões da Índia, dedicado a S. Francisco Xavier, e do qual aceitou ser fundadora D. Catarina rainha de Inglaterra.

1755 – Terramoto em Lisboa afecta parte do edifício.

1758 – Os jesuítas são suspensos do exercício de confessar e     pregar (Junho).

1759 – Sai o alvará de sequestro dos seus bens (Janeiro).

                  São reclusos e com guarda à porta (Fevereiro).

                  São proscritos e banidos do reino (3 de Setembro).

                  Noviciado da Cotovia foi confiscado para a Fazenda Real.

1773 – O Papa Clemente XIV, pressionado pelas cortes portuguesa e bourbónicas, promulga a 21 de Julho, o breve “Dominus ac Redemptor”, que decretava a extinção da Companhia de Jesus no mundo inteiro.

Foram 143 anos de existência e de prestação de serviços na formação missionária dos Padres da Companhia neste edifício do Monte Olivete.

1761 – Decreto-lei de 7 de Março institui o Colégio dos Nobres

1837 – Decreto-lei de 4 de Janeiro abole o Colégio dos Nobres

Decreto-Lei de 21 de Janeiro é criada a Escola Politécnica

1843 – Novo incêndio na agora Escola Politécnica

1911 – Pólo da Universidade de Lisboa: Faculdade de Ciências

1978 – Novo incêndio no edifício do antigo Noviciado.

Atualmente – Alberga dois Museus de referência em Portugal e no estrangeiro, o Museu da Ciência e o Museu de História Natural, e o Jardim Botânico de Lisboa, jardim científico, projetado em meados do século XIX para complemento do ensino e investigação da botânica na Escola Politécnica.

https://www.museus.ulisboa.pt/pt-pt

In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

Do Noviciado da Cotovia ao MNHNC (Museus da Universidade de Lisboa): Cronologia

1597 – Fernão Teles de Menezes oferece de dote à Companhia de Jesus 20. 000 Cruzados (mais de 100.000 contos de hoje).

1598 – Celebra-se a dedicação da Casa a Nossa Senhora da Assunção (18 de Dezembro).

1603 – Lançamento da 1ª pedra para a construção do edifício (23 de Abril).

Excerto do Panorama de Lisboa
In  Academia Nacional de Belas Artes

1605 – Morte de Fernão Telles de Menezes (26 de Novembro).

1607 – O arquiteto real Baltazar Álvares passa a dirigir a construção da obra.

1613 – Lourenço Lombardo, flamengo natural de Anvers, 2º financiador da Casa do Noviciado, dota a Casa com 30.000 cruzados (mais de 150.000 mil contos).

1616 – Foi feita a primeira missa na Igreja do Noviciado (1 de Novembro).

Transladação dos ossos do fundador Fernão Telles de S. Roque para a igreja da Cotovia (9 de Novembro).

1619 – Inauguração do edifício do noviciado do Monte Olivete.

Segundo o Painel de Azulejos “Vista de Lisboa”.
Desenho à penna por J.de C.

1634 – Morre Lourenço Lombardo. Foi sepultado na Sacristia em campa rasa com epitáfio.

1694 – Incêndio na Casa do Noviciado da Cotovia

1705 – É criado o Noviciado de Arroios (Lisboa), para as missões da Índia, dedicado a S. Francisco Xavier, e do qual aceitou ser fundadora D. Catarina, rainha de Inglaterra.

1755 – Terramoto em Lisboa afeta parte do edifício do noviciado da Cotovia.

1758 – Os jesuítas são suspensos do exercício de confessar e pregar (Junho).

1759 – Sai o alvará de sequestro dos seus bens (Janeiro).

                  São reclusos e com guarda à porta (Fevereiro).

                  São proscritos e banidos do reino (3 de Setembro).

                  Noviciado da Cotovia foi confiscado para a Fazenda Real.

1773 – O Papa Clemente XIV, pressionado pelas cortes portuguesa e bourbónica, promulga a 21 de Julho, o breve “Dominus ac Redemptor”, que decretava a extinção da Companhia de Jesus no mundo inteiro.

Foram 143 anos de existência e de prestação de serviços na formação missionária dos Padres da Companhia neste edifício do Monte Olivete.

1761 – Decreto-lei de 7 de Março institui o Colégio dos Nobres

Real Colégio dos Nobres – Wikipédia, a enciclopédia livre
Jornal de Belas Artes, n.º 26, 1817

1832 – Decreto de 10 de Setembro, o rei D. Miguel mostra intenção de entregar o espaço novamente aos Jesuítas.

1837 – Decreto-lei de 4 de Janeiro abole o Colégio dos Nobres

Decreto-Lei de 21 de Janeiro é criada a Escola Politécnica

1843 – Novo incêndio na agora Escola Politécnica

Rua da Escola Politécnica num postal de 1906

1911 – Pólo da Universidade de Lisboa: Faculdade de Ciências

1978 – Novo incêndio no edifício do antigo Noviciado.

Atualmente – Alberga dois Museus de referência em Portugal e no estrangeiro, o Museu da Ciência e o Museu de História Natural, da Universidade de Lisboa.

File:MNHNC.jpg - Wikimedia Commons
Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)

In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

A quinta da Cotovia do Monte Olivete

Noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus (1619 -1759).

Atual espaço ocupado pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Foi em 1540 com D. João III (1521-1557), que a Companhia de Jesus entrou em Portugal, sendo o nosso país a primeira Província jesuíta no mundo. Numa época de forte expansão territorial D. João III irá ser o primeiro rei na Europa a contactar Inácio de Loyola devido à necessidade de encontrar missionários, homens letrados, para evangelizar o Oriente, pregando e convertendo à Fé cristã os nativos. D. João concedeu privilégios aos jesuítas, nomeadamente casas gratuitas, liberdade de enviar missionários para todo o mundo e de fundar colégios.

A Companhia de Jesus instalou-se em Portugal continental e Ilhas Atlânticas, durante este período, fundando diversas Casas Professas, Colégios, Noviciados e quintas de recreio. Só em Lisboa, à data da extinção da Companhia havia sete instituições jesuítas: a Casa Professa de S. Roque, o Colégio de Santo Antão, o Seminário de S. Patrício dos irlandeses católicos, o Noviciado de Nossa Senhora da Assunção (da Cotovia), o Colégio de S. Francisco de Xavier em Alfama, o Hospício de S. Francisco de Borja e o Noviciado de Nossa Senhora da Nazaré em Arroios.

Começaram por se instalar em Lisboa no Colégio de Santo Antão, edifício sobre o terreno de uma antiga mesquita. Mais tarde, em 1553, estabelecem em Lisboa, na igreja de S. Roque, a sua Casa Professa e aí se inicia o Noviciado.

Na Congregação Geral de 1565 (dec.14), decretou-se que todas as províncias construíssem noviciados unidos ou separados de colégios. Na Congregação provincial de 1572, em Évora, discutiu-se pela primeira vez sobre a situação dos edifícios de Casa de Provação na Província Portuguesa, referindo a necessidade de nos colégios haver habitações e refeitórios separados para os noviços, para que estes se pudessem formar espiritualmente o melhor possível, tendo Roma aprovado a decisão[1]. Mas na Congregação Provincial de 1576, corrigindo a anterior, foi pedido ao padre Geral que se separassem os colégios das casas de noviciado[2]. Só na Congregação Geral de 1608 foi confirmada a separação dos jovens destinados à formação de jesuítas em casas próprias para assim se conservar melhor neles o fervor do noviciado e a sua formação específica.

Neste sentido, em Portugal, esta ideia de Casas de Provação tomou força, e em 1587 esse desejo de fundar um edifício separado como convinha para a boa disciplina dos noviços tornou-se realidade.

Foi Fernão Telles de Menezes (1530-1605), Governador da Índia em 1581 e mais tarde Capitão-General do Algarve, Presidente do Conselho da Índia, Geral da Armada e Conselheiro de Estado, casado com Maria de Noronha, o doador das terras do Noviciado da Cotovia, na quinta do Monte Olivete, (além de outros bens no valor total de 20 000 cruzados) para a concretização desse sonho.

A quinta ficava bem localizada porque se encontrava perto de S. Roque, Casa Professa da Companhia que, quando foi fundada ficava fora da muralha fernandina, local onde se concentrava o casario de Lisboa, provocando um desenvolvimento na malha da cidade para os lados da Cotovia. A quinta da Cotovia do Monte Olivete, tinha uma capelinha dedicada a Nossa Senhora da Assunção, sendo mais tarde adotado o mesmo orago na nova igreja. Situava-se esta quinta dos jesuítas segundo Matos Sequeira, «…à beira da estrada para Campolide, alongando-se, nessa direção, desde a esquina da Patriarcal Queimada até ao Rato e desde este ponto, pelo Salitre abaixo, até à Alegria.»[3]. O espaço total da quinta tinha forma triangular que foi ficando reduzido com a venda de terrenos para edificação de todo um casario circundante. Tinha água de nascente e um poço ao fundo da cerca além de duas cisternas no pátio principal do edifício. No terreno havia um olival, um pomar, cultivava-se trigo e plantavam-se produtos hortícolas[4]

Provavelmente terá ficado do período muçulmano o topónimo Cotovia (do árabe Kotoubia, minarete) que foi usado até ao século XVIII para designar a cumeada desde a Rua D. Pedro V até ao Largo do Rato onde está integrada a Quinta do Monte Olivete.

A primeira pedra do noviciado foi lançada em 26 de Abril de 1603, tendo ficado o Padre João Delgado a cargo da supervisão da obra. Dois anos depois, D. João Ribeiro Gaio, bispo de Malaca, lança a primeira pedra da igreja que, conforme o plano, se localizava no centro do edifício. A esta cerimónia já não assiste Fernão Teles de Meneses, que se encontrava doente. Em 1607, passou a dirigir a obra o famoso arquiteto real Baltazar Álvares (act. 1575 – m.1624). São dele a traça quer da igreja quer dos edifícios que compunham o Noviciado. A construção era complexa e tornou-se muito morosa e cara, provocando a escassez dos fundos.

Surge um novo financiador, Lourenço Lombardo ( ?  -1634), flamengo de Antuérpia, de 30 anos, homem de negócios e mercador que veio para Portugal com a intenção de fazer fortuna[5].

 Em 1613 entra para a Companhia de Jesus pela mão do seu confessor de S. Roque, o Padre Fernão Guerreiro e um ano mais tarde entra no Noviciado da Cotovia, dotando-o de 30 000 cruzados e cerca de vinte casas[6]. Quando Lourenço Lombardo assume a direção das obras do edifício este evoluiu muito rapidamente e as despesas diminuíram[7]. Em três anos e meio ficaram concluídas a igreja – incluindo a sacristia e o claustro anexo, – a portaria e as escadas, os corredores e os dormitórios do lado sul. A 1 de Novembro de 1616, transladaram-se os ossos do fundador Fernão Teles de Meneses, vindos da sacristia da igreja de S. Roque, para a nova igreja do Noviciado da Cotovia[8].

 Os ossos são depositados no túmulo, que a sua mulher mandou construir, na Capela-Mor, do lado do Evangelho[9].

Tumulo de Fernão Teles de Meneses e de sua esposa D. Maria de Noronha

Fotografia: Francisca Branco Veiga

Tumulo de Fernão Teles de Meneses e de sua esposa D. Maria de Noronha (vista superior).

Fotografia: Francisca Branco Veiga

A 13 de Junho de 1619, começaram a habitar o edifício os primeiros noviços estando nessa ocasião já concluídos o refeitório, a cozinha e despensa e os móveis necessários para a casa[10]. Lourenço Lombardo morre a «… 2 de Junho de 1634, depois de ter despendido o melhor da sua vida nas obras do Noviciado, rendeu a alma a Deus. Foi enterrado a meio da sacristia em uma campa raza com um simples epitáfio»[11].

Aos dois doadores atrás referenciados, temos que acrescentar o duque almirante de Castela, D. João Tomás Henriques de Cabrera, que deixou em testamento 80.000$000 réis em padrões de juro e a obrigação aos religiosos do noviciado de irem às missões da Índia e da China. Mas no seu testamento havia uma condição: no caso de suceder na coroa de Espanha D. Carlos, o Arquiduque de Áustria, todos os seus bens seriam aplicados num colégio em Madrid, se em vez disso subisse ao trono o Duque de Anjou, o colégio seria construído em Lisboa, com as mesmas condições. Verificou-se a segunda hipótese, e o Duque de Anjou sucedeu na coroa espanhola com a designação de Filipe V, ficando a herança com os jesuítas portugueses que investiram esse dinheiro no aumento do noviciado da Cotovia[12].

O edifício que Baltazar Alvares delineara inicialmente previa dois pisos, organizados em duas áreas bem distintas e hierarquizadas, com possibilidade de circulação entre elas por meio de corredores dispostos em quadra e abobadados. Este projeto nunca se chegou a executar na totalidade. Dos quatro lanços de corredores que devia ter o edifício apenas três se chegaram a concluir.

A igreja do noviciado encontrava-se no meio da largura do edifício, voltada a sul. Era cruciforme e constituída por uma única nave. Segundo Matos Sequeira possuía nove capelas[13], incluindo a capela-mor consagrada a Nossa Senhora da Assunção, padroeira da Casa do Noviciado[14]. A igreja era frequentada pela nobreza da corte e as próprias rainhas D. Maria Francisca Isabel de Saboia e D. Maria Ana de Áustria tinham aí as suas capelas[15].

D. Maria Francisca Isabel de Sabóia (1646- 1683). Esposa de D. Afonso VI e 2ª Esposa de D. Pedro II, fundou  uma Capela  na igreja do Noviciado invocando-a a Nossa Senhora da Conceição.
A rainha D. Maria Ana de Áustria (1683-1754). Esposa de D. João V, consagrou mais tarde a Capela de Nossa Senhora da Conceição a  S. Francisco de Xavier

O noviciado tinha uma cerca e, no meio desta, havia uma capelinha que a rainha de Inglaterra, D. Catarina, viúva de Carlos II de Inglaterra e filha de D. João IV, mandou construir em 1695 com a ajuda do arquiteto João Antunes[16]. Já em 1672 havia outra capela na cerca do Noviciado vindo referenciada no Livro das Rendas da Casa do Noviciado[17]. A partir de 1684, a cerca do Noviciado encontrava-se dividida em duas partes: a parte de cima, próxima ao edifício, era cultivada pelos padres jesuítas e a parte de baixo foi arrendada.

A 21 de Março de 1694 um incêndio destruiu grande parte da casa do noviciado, sendo referido esse incêndio por Júlio de Castilho e por Diogo Barbosa Machado[18].

O edifício do noviciado foi também afetado pelo terramoto de 1755. A Carta de doação feita ao Colégio dos Nobres, datada de 13 de Outubro de 1765 descreve a destruição do noviciado pelo terramoto: «nas cercas adjacentes ao sobredito noviciado demolido» e, mais adiante, «na igreja que o terremoto do primeiro de Novembro havia arruinado e demolido»[19].

Em Janeiro de 1759, por alvará régio, foram sequestrados os bens da Companhia de Jesus e a 3 de Setembro do mesmo ano foi decretado o seu banimento, sendo todos os padres expulsos do reino ou encarcerados e os seus bens confiscados.

Durante cento e quarenta e três anos no edifício do Monte Olivete formaram-se letrados e missionários.


[1] Francisco Rodrigues, S.J., História da Companhia de Jesus na assistência de Por­tugal, t. II, vol. I, Porto, Apostolado da Imprensa, 1938, p. 193; Arq. S.J., Congr. 42, f. 90.

[2] Arq. S.J., Congr.42, f.317.

[3] Gustavo de Matos Sequeira, Depois do terramoto, Lisboa, Academia das Ciências, p. 212.

[4] José Lopes Ribeiro, O edifício da Faculdade de Ciên­cias. Quatro séculos de re­tratos institucionais, Lisboa: Edições 70, 1987, p. 18.

[5] O padre António Franco refere-o da seguinte maneira:

«… veyo a Lisboa, & dela navegou à Mina, ajuntou algũ cabedal. Czou em Lisboa com huma filha de hum Flamengo, & de huma Portugueza. Depis disto foy duas vezes à India. Por ser homem de grande meneo, & industria, tratando & negoceando, enriqueceo de maneyra, que era dos homens estrangeyros nhum dos mais ricos de Lisboa». António Franco, Imagem da Virtude em o noviciado da Companhia de Jesus na corte de Lisboa, Coimbra, Real Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1717, pp. 12-13.

[6] Durval Pires de Lima, História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa na qual se dá notícia da fundação e fun­dadores das instituições religiosas, igrejas, capelas e irmandades desta cidade, Lisboa: Câmara Municipal, 1950-1972, p. 49.

[7] António Franco, op. cit., p. 16.

[8] «Em menos de três annos, & meyo poz o edifício capaz de se habitar; acabou a Igreja, que he muyto ayroza. Dia de todos os Sanctos primeiro de Novembro de mil seis centos, & dezaseis se poz nella o Sanctissimo Sacramẽnto.

Da hi a oito dias se treladaraõ pera o tumulo os ossos do Fundador, que estavaõ na sacristia de São Roque…». António Franco, op. cit., p. 16.

[9] B.N.P., Cód. 145, “História de Lisboa”, Cap. XV, Da casa do Noviciado da Com­panhia de Jesus, 2.º, De como por um meyo nãoesperado se adiantou muyto a casa do Noviciado.

[10] António Franco, op. cit., pp. 6 ss.; Jorge Cardoso, Agiologio lusitano dos sanc­tos e varoens illustres em virtude do reino de Portugal e suas conquistas, T. III, Lis­boa, Officina Craesbeekia-na, 1652, pp. 196ss.

[11] Sequeira, op. cit., p. 224; António Franco, op. cit., p. 19.

[12] Anuário da Es­cola Politécnica, 1909, pp. 11-12. Veja-se em anexo – Testamento do Almirante de Castella D. João Thomaz Henriques.

[13] Gustavo de Matos Sequeira, Depois do terramoto, Lisboa, Academia das Ciências, p. 235.

[14] Id., Ibid., p. 208.

[15] Id., Ibid., p. 239. No dia 6 de janeiro de 1718, a Gazeta de Lisboa Occidental fazia referência a uma visita da Casa Real ao noviciado: “A Rainha nossa Senhora, com Sereníssimo Principe, e as Sereníssimas Senhoras Infantes D. Maria, e D. Francisca, visitou no prymeiro dia deste anno a Casa do Noviciado da Companhia de Jesus, onde estava o Lausperenne, e depois passarão a ver o presépio dos Noviços, e ouvirão os Coloquios que dous deles fizeram ao Menino Deos.  Os religiosos lhe tinhão prevenido huma colação com toda a magnificência”. In Gazeta de Lisboa Occidental, nº 1, 6 de janeiro de 1718.

[16] Archivo Pittoresco, Lis­boa, Typ. de Castro Irmão, 1857-1868, pp. 244 ss.

[17] ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, Livro das Rendas da Casa do Noviciado, maço 10. Referenciado por G. de Matos Sequeira em “Depois do Terremoto”. Actualmente esta referência não existe.

[18] Júlio de Castilho, Lisboa antiga: o Bairro Alto, Lisboa, Antiga Casa Bertrand – José Bastos, p. 30; , Diogo Barbosa MACHADO, Bibliotheca Lusitana , Lisboa,[s.n.], 1935, T. IV, p.193.

[19] ARQUIVO HISTÓRICO DOS MUSEUS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA – MUHNAC. Carta de doação de bens ao Colégio dos Nobres por D. José. 7 de março de 1661.

In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.

Veneração aos Santos e Mártires: o relicário e as relíquias dos jesuítas João Soan (de Goto) e Diogo Kisai, martirizados em Nagasaki

O Museu Nacional de História Natural e da Ciência que desde o primeiro quartel do século XVII até ao presente serviu de sede a respeitáveis instituições de ensino e de cultura, alberga um espólio variado de obras de arte e instrumentos científico-didáticos, onde se encontra inserido o espólio relativo ao noviciado da Cotovia, da Companhia de Jesus.

Enquadramento religioso e artístico

O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico, convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica. Dos decretos tridentinos e diplomas emanados do concílio transparece uma nova forma de ver a imagem sagrada, onde o “ver” uma coisa com desejo e com intenção equivalia a possuí-la. Na sessão XXV, celebrada em Outubro de 1563, aconselha-se que os dogmas sancionados e as verdades da fé se expressem através da arte, como por exemplo, da pintura e da escultura. Através das representações artísticas os fiéis eram “instruídos” com mais facilidade do que através de enunciados teóricos. A obra de arte nasce, neste contexto, ligada ao movimento contra reformista, com novos valores expressivos, novos cânones e com uma iconografia muito ligada e ao serviço da fé.

Sai do Concílio de Trento uma nova Ordem religiosa, a Companhia de Jesus, reconhecida em 27 de Setembro de 1540 pelo Papa Paulo III, através da Bula “Regimini militantis Ecclesiae”. Inácio de Loyola, fundador da Companhia, escreveu as “Constituições” jesuítas, adoptadas em 1554 e que deram origem a uma organização rigidamente disciplinada, enfatizando a absoluta auto-abnegação e a obediência ao Papa e os superiores hierárquicos.

As normas saídas do Concílio de Trento foram adoptadas pela Companhia a todos os níveis, incluindo as relativas à Invocação e Veneração das Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens. Inácio de Loyola afirmava que: «Louvar os ornamentos e edifícios das igrejas. Do mesmo modo as imagens. Venerá-las segundo o que representam».[1]

Da igreja do noviciado chega-nos aos nossos dias um relicário em prata que é testemunho da veneração que se prestava aos Santos e aos Mártires.

Em forma de custódia, realizado com folha de prata aplicada sobre estrutura de madeira e assente sobre base de madeira dourada, de secção triangular, mistilínea e moldurada, com relíquias correspondentes aos dois irmãos coadjutores João Soan (de Goto) e Diogo Kisai, martirizados em Nagasaki. Este relicário é de origem italiana com as marcas da Contrastaria de Roma (chaves cruzadas e umbela) e a do ourives: leão rampante (esta marca apresenta-se defeituosa, dificultando a sua leitura e justifica a interrogação da autoria). Tem ainda junto com a peça o selo de autenticidade das relíquias.

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/38/The_Three_Maryrs_of_Nagasaki_-_Johann_Heinrich_Sch%C3%B6nfeld_-_Castel_Nuovo_-_Italy_2015.jpg
Crucificação dos mártires de Nagasaki (5 de fevereiro de 1597)
Johann Heinrich Schönfeld

[1] INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais (360).


Relicário

 Museu/instituição: Museu Nacional de História Natural e Ciência da Universidade de Lisboa

Super categoria: Artes Plásticas e Artes Decorativas

Categoria: Ourivesaria

Denominação: Relicário

Autor(es): Antonio GIGLI (c. 1704-1761?), Itália

Datação: séc. XVII d.C.

Matéria/suporte/técnica: Prata / madeira

Marcas: Contrastaria de Roma (chaves cruzadas e umbela)

Marca do ourives: leão rampante (?)                                                                                

Dimensões: 435mm (alt. com base) / 375mm (alt. sem base) x 165mm (larg.) x 90mm (prof.)        

Descrição:

Relicário em forma de custódia realizado com folha de prata aplicada sobre estrutura de madeira e assente sobre base de madeira dourada, de secção triangular, mistilínea e moldurada. Sobre a base elevam-se dois apoios em voluta que sustentam a base da peça, reconhecendo-se ainda, ao centro, uma cartela rematada por concha. O fuste apresenta-se constituído exclusivamente pelo nó, abalaustrado e ladeado por duas volutas, ostentando decoração de carácter vegetalista. O receptáculo, envidraçado, possui forma mistilínea. A restante decoração envolvente apresenta como motivos principais grinaldas e volutas.

A peça é superiormente rematada por motivos contracurvados sobre os quais se reconhece ainda uma cruz apical de avelã dotada de auréola de raios lanceolados.

Inscrição: S. JOAN. GOTTO. M. / S. JACOBI. KIS. M., correspondente aos dois irmãos coadjutores João Soan (de Goto) e Diogo Kisai, martirizados em Nagasaki a 5 de Fevereiro de 1597; canonizados apenas em 8 de Junho de 1862 por Pio IX mas já anteriormente venerados no contexto da Companhia de Jesus.

NOTA: a marca do ourives foi efectuada em dois locais diferentes da peça (à semelhança do que se verifica com a marca da contrastaria de Roma) mas em qualquer dos casos apresenta-se defeituosa, facto que dificulta a sua leitura e justifica a interrogação da autoria.

 Proveniência/incorporação: Noviciado da Cotovia

In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.