Tradição e Resistência: A Força do Tradicionalismo Contrarrevolucionário Pós-Revolução Francesa

Não surgimos, pois, de improviso,

desbaratando os ídolos com a intrepidez da nossa convicção.

Para trás, ao longo das caminhadas ásperas de Portugal,

bastantes espíritos nos anunciaram,

numa anciã dolorida de perscrutarem as incertezas do futuro.”

António Sardinha, Na Feira dos Mitos[1]

Foi após a Revolução Francesa que se começou a estruturar o movimento tradicionalista e contrarrevolucionário, como resposta firme às ideias liberais e maçónicas que então ganhavam terreno. No Congresso de Viena, procurou-se o retorno à velha ordem, e Friedrich Carl von Savigny destacou-se como um dos principais responsáveis pela afirmação da Tradição e da sacralidade do passado.

Luís Reis Torgal define este movimento como um conservadorismo absoluto que visa preservar uma ordem política historicamente estabelecida, contra o impulso inovador do liberalismo, defendendo o absolutismo régio, a hierarquia social tradicional, o catolicismo integral e uma cultura ortodoxa alinhada com os princípios da Igreja [2].

Para os contrarrevolucionários, havia uma clara distinção entre as sociedades naturalmente formadas e estabilizadas pela História e aquelas implantadas abruptamente por “artifícios”. Na viragem para o século XIX, surgem pensadores que reagem às doutrinas iluministas – o cientificismo, o racionalismo, o ateísmo e o progressismo –, as quais procuravam derrubar as instituições tradicionais do Antigo Regime. Em contraponto, exalavam a tradição e o passado como garantias da conservação política e social, com a religião e a Igreja tradicionais no centro dessa promessa de estabilidade.

O historiador Eric Hobsbawm sintetiza esta visão afirmando que a crítica contrarrevolucionária ao liberalismo se baseava na defesa da ordem social contra o que consideravam uma anarquia competitiva destruidora das comunidades essenciais à vida humana[3] .

Um dos expoentes desta corrente foi Edmund Burke (1729-1797), considerado o fundador do conservadorismo moderno. Parlamentar pelo Partido Whig na Grã-Bretanha, Burke criticou severamente os excessos da Revolução Francesa na obra Reflections on the Revolution in France (1790). Para ele, a história representa um património acumulado de tradições, moral e prudência, e não meras construções intelectuais abstratas. Burke preferia a ordem sustentada pela paixão humana e pelo costume, rejeitando o racionalismo iluminista como fundamento da política [4].

Na defesa do binómio Trono e Altar, destacou-se ainda o padre jesuíta Augustin Barruel (1741-1820), que denunciou a Maçonaria como conspiradora da Revolução Francesa e dos seus desígnios anticlericais e contrários ao absolutismo tradicional. A Revolução Francesa levou-o a procurar refugiu na Grã-Bretanha. Aí, ele escreveu, como contrarrevolucionário, crítico do jacobinismo e da Maçonaria, Histoire du clergé pendant la Révolution française (1793), dedicando o trabalho à nação inglesa, como reconhecimento da hospitalidade que ela havia mostrado para com os eclesiásticos franceses.

Escreveu também Mémoires pour servir à l’Histoire du Jacobinisme, em5 volumes (1800), denunciando a Maçonaria como responsável pela Revolução. O Abade de Barruel está, deste modo, ligado à política absolutista, identificando a estrutura das sociedades secretas como uma afronta aos princípios políticos do Antigo Regime.

Barruel exerceu grande influência em Portugal, onde as suas obras serviram de arma intelectual contra as ideias liberais e maçonas até 1834, como foi o caso do Arcebispo de Évora, Fr. Fortunato de São Boaventura e do galego Padre Buela[5].

Paralelamente, figuras como Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), afirmaram uma conceção política estruturalmente religiosa, defendendo a indissociabilidade entre fé católica, autoridade régia e ordem social hierárquica. Maistre, com a sua célebre frase “Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite”, reafirmou o papel sagrado do papado e a providência divina como sustentáculos da ordem europeia restaurada[6] .

Outros nomes como Lamennais (1782-1854) no domínio da filosofia, Ferdinand Eckstein (1790-1861) na história, ou o teorético conde de Ferrand (1751-1825), defensor do retorno à constituição tradicional da França, e o visconde de Chateaubriand (1768-1848), autor de Le Génie du Christianisme (1802), compuseram o coro ideológico do conservadorismo católico, legitimando a resistência contra as forças revolucionárias com uma argumentação que misturava valores morais, religiosos e sócio-políticos estáticos.

Armando Malheiro da Silva lembra que,  “… o que está em jogo é o discurso ideológico (um misto complexo de valores morais e religiosos, de princípios sócio-políticos estáticos, de representações legitimadoras do ‘status quo’, de conhecimentos empíricos, etc.) fabricado para o combate imediatista e sem tréguas contra as ‘noções destrutivas’ do filosofismo, do maçonismo, do revolucionarismo…”[7].

Este vasto conjunto de pensadores e movimentos serviu de alicerce intelectual ao tradicionalismo contrarrevolucionário que moldou a Europa pós-Revolução Francesa, sustentando a defesa da monarquia católica, da autoridade pontifícia e dos privilégios da aristocracia e da Igreja.

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[1] SARDINHA, António – Na feira dos mitos: ideias & factos, p. 30.

[2] TORGAL, Luís Reis – “O Tradicionalismo Absolutista e Contra-Revolucionário e o Movimento Católico”, p. 228.

[3] HOBSBAWM, Eric J. – A Era das Revoluções, p. 248.

[4] BURKE, Edmund; MOREIRA, Ivone (trad.) – Reflexões sobre a Revolução em França, 2015.

[5] LOUSADA, Maria Alexandre; FERREIRA, M. de Fátima Sá e Mello – D. Miguel, p. 170.

[6] MAISTRE, Joseph Marie, Conde de; BLANC, Alberto, Barão (ed.) – Correspondance diplomatique, tome 2. Paris: Michel Lévy frères, 1860, p.196.

[7] SILVA, Armando Barreiros Malheiro da – Miguelismo: ideologia e mito, p. 7.

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VEIGA, Francisca Branco, Tradição e Resistência: A Força do Tradicionalismo Contrarrevolucionário Pós-Revolução Francesa (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [20 de agosto de 2025].

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VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus. O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)