Convento da Cartuxa, Laveiras (Oeiras)

No passado sábado, dia 10 de abril, participei numa visita à Quinta da Cartuxa, antes do início dos trabalhos que irão iniciar-se em breve. O Município de Oeiras formalizou, no passado dia 17 de fevereiro, a transferência da posse da Quinta da Cartuxa para o Município, após anos de tentativas e negociações com o Estado.

Aqui vos deixo uma nótula brévis da história do espaço conventual e a minha reportagem fotográfica do estado em que se encontra o espaço neste momento, esperando que melhores dia virão!

D. Simôa Godinha, filha de um dos primeiros colonos de S. Tomé e Príncipe, casada com o fidalgo D. Luis de Almeida, morre em Lisboa em 1594, deixando à Santa Casa da Misericórdia a sua herança. Entre outros bens, deixa uma quinta em Laveiras para a fundação de um convento. A partir do início do século XVII a Ordem cartusiana, passaria a dispôr de uma segunda casa em Portugal (a primeira foi em Évora), em Laveiras, concelho de Oeiras.

A Cartuxa de Laveiras também será conhecida como Cartuxa de Santa Maria do Vale da Misericórdia (“Sanctae Mariae Vallis Misericordiae”), Cartuxa de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia, Cartuxa de Lisboa e Mosteiro de São Bruno.

Estudo para o Panorama de Lisboa, Domingos Sequeira. Em primeiro plano vê-se a ponte sobre a ribeira de Barcarena (dos Ossos) e a igreja da Cartuxa de Laveiras, seguidos da Quinta Real de Caxias. Em segundo plano, uma grande quantidade de navios e barcos sobem o Tejo sobre o cenário da Trafaria e do Cachopo sul ou Alpeidão. Ao fundo, na linha de horizonte, distingue-se o Cabo Espichel. In Revista Municipal, 4º Trimentre, 1941, pp. 14-18.

A vida da Ordem Cartusiana  assentava em princípios que impunham a solidão e o silêncio continuado, o jejum, a abstinência de carne, a clausura perpétua, o uso constante do cilício e a oração durante a maior parte do dia e da noite. Estes princípios eram seguidos com rigor. Os padres comunicavam entre si uma vez por semana passando a maior parte da jornada em clausura nas suas celas, onde rezavam, estudavam e tomavam as refeições, deslocando-se diariamente apenas à igreja e semanalmente ao refeitório. Assim, a cela de um monge cartuxo era constituída por mais do que um compartimento: ela continha em geral entre quatro a seis divisões, podendo ser considerada uma célula residencial autossuficiente com, no mínimo, um quarto, escritório, capela e jardim individual.

Revista Municipal, 4º Trimentre, 1941, pp. 14-18.

Estas celas formavam um módulo que se repetia em redor de um claustro principal de dimensão invulgarmente grande. O claustro, chamado “grande” ou “maior”, erguia-se tipicamente por trás da igreja. Nos flancos do templo, dispunham-se em geral outros claustros menores, que serviam outros compartimentos – o refeitório dos irmãos leigos, o dormitório destes, a sala capitular, a sacristia. A igreja é, em geral, de pequena dimensão, por servir uma comunidade relativamente reduzida e porque a assistência de público é pouco importante. A este era destinada a primeira parte da nave, junto ao acesso do adro; numa faixa intermédia ficavam os irmãos, e junto ao altar, de área mais generosa, os padres.

Em 1833, com a extinção das Ordens Religiosas pelo regime liberal, os monges da Cartuxa de Laveiras puseram-se em fuga, abandonando a clausura e seguindo a pé pelo país em busca de porto seguro. Na minha tese de doutoramento escrevi o seguinte sobre este momento:

«Com a entrada do exército do Duque da Terceira em Lisboa, os monges da Cartuxa de Laveiras, que ajudaram os missionários jesuítas no contacto com o povo, decidem abandonar o mosteiro e juntar-se ao Cortejo do Tesouro Real de Queluz, aos «Paisanos, Mulheres, Crianças, Frades»[1], e rumaram a Coimbra onde se encontrava a Corte. Pelo caminho encontraram já em debandada os franciscanos do Varatojo, os cistercienses de Alcobaça e os arrábidos de Mafra[2]». [3]

Já a Cartuxa de Évora fechou no ano seguinte, em 1834, após o fecho compulsivo e a expulsão dos monges da congregação.

Pelo convento da Cartuxa de Laveiras passou o pintor português Domingos Sequeira, que ingressou em 1796 e aí permaneceu até 1802.

No seu recolhimento pintou uma série de cinco telas de grande dimensão com passos da vida de S. Bruno (fundador e patrono dos Cartuxos) e de outros santos eremitas (Santo Onofre, S. Paulo e Santo Antão). O conjunto encontra-se disperso: «A conversão de S. Bruno», no Museu Nacional Soares dos Reis, «São Bruno em oração» e «Comunhão de Santo Onofre», ambos do Museu Nacional de Arte Antiga, e ainda «S. Paulo com Santo Antão no deserto». 

Telas com temática cartuxa da Igreja lisboeta de Santa Cruz do Castelo. Representam um bispo com o hábito cartuxo e sete mártires da perseguição levada a efeito pela reforma de Henrique VIII, todos com o hábito da Ordem. Seria um grupo de telas idêntico a este que se encontraria na Cartuxa de Laveiras. In Documento para a fundamentação da proposta de classificação de bens culturais relativo ao interesse histórico da igreja e mosteiro da Cartuxa (Documento da Direção-Geral do Património Cultural, Departamento dos Bens Culturais, Divisão do Património imóvel, móvel e imaterial.

Domingos Sequeira foi nomeado pintor da corte em 1802 e codiretor da empreitada de pintura do Palácio da Ajuda.

Domingos António de Sequeira.
(Lisboa, 10 de Março de 1768 – Roma, 8 de Março de 1837)

 

Autor    Domingos Sequeira
Data      1799-1800
Técnica               Pintura a óleo sobre tela
Dimensões         132 cm  × 192 cm
Localização        Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

São Bruno em oração é uma pintura a óleo sobre tela pintada por Domingos Sequeira em 1799-1800, obra que decorou inicialmente o Convento da Cartuxa (Caxias), perto de Oeiras, tendo posteriormente sido transferida para o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

Descrição da pintura: São Bruno encontra-se prostrado em oração no interior de uma gruta, lugar apropriado para a oração, tendo à sua frente um livro de orações aberto, e ao seu lado um crucifixo assente sobre dois livros fechados, uma caveira e uma lâmpada acesa. Ao fundo vê-se uma bilha e uma tigela.

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[1] COSTA, Francisco de Paula Ferreira da – Memórias de um miguelista: 1833-1834, p. 24.

[2]GOMES, J. Pinharanda A Ordem da Cartuxa em Portugal: Ensaio da Monografia Histórica, pref. dos Cartuxos de Scala Coeli. Salzburg: Institut für Anglistik und Amerikanistik, 2004, pp. 172-175.

[3] VEIGA, Francisca Branco – A Restauração da Companhia de Jesus em Portugal 1828-1834: O breve regresso no reinado de D. Miguel. Tese elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de História Contemporânea, 2019.

VISITA GUIADA 10 ABR 2021

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VEIGA, Francisca Branco (2021), Convento da Cartuxa, Laveiras, Oeiras (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [16 de Abril de 2021].

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