“Companhia de Jesus. O Breve Regresso No Reinado de D. Miguel”. Introdução

A Companhia de Jesus, Ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Inácio de Loyola, é conhecida principalmente pelo seu trabalho missionário e de educação.

Ao entrar em Portugal pela mão do rei D. João III, logo após a sua fundação, foi, no reinado de D. José, expulsa de Portugal, levando ao encerramento da presença evangelizadora, missionária e educativa nos territórios portugueses (1759).

Reentrou em Portugal em 1829, no reinado de D. Miguel, e foi novamente expulsa seis anos depois por D. Pedro, regente em nome de sua filha D. Maria II.

Em 1858, foi o padre Rademaker a pessoa que fez renascer os missionários jesuítas em Portugal, que a República voltou a expulsar (outubro de 1910).

A partir de 1923, no governo do presidente António José de Almeida[1] reabriram algumas residências em Portugal, sendo, pelo decreto de 12 de maio de 1941, reconhecidos como corporação missionária, normalizando, deste modo, a sua situação jurídica.

Observando estes pontos de chegada e de partida, pretende-se nesta obra deixar registado a segunda entrada da Companhia de Jesus em Portugal no período entre 1829 e 1834, ano da segunda expulsão.

Estudar a Missão Portuguesa da Companhia de Jesus neste período implicou a construção de conhecimento e a compreensão da história do período miguelista na sua totalidade e entender o que isso possa representar no destino destes missionários.

Deste modo, o primeiro capítulo com o título 1814-1829: MISSÃO JESUÍTA EM PROGRESSO está baseado em cinco ideias força: Restauração — Tradicionalismo — Aceitação/Rejeição — Companhia de Jesus — Contrarrevolução.

A abordagem a este primeiro capítulo é feita no sentido de verificar que, com o Tratado da Santa Aliança (26 setembro 1815), se garantia a realização prática das medidas que foram aprovadas pelo Congresso de Viena, bem como a intenção de bloquear o avanço nas áreas sob sua influência das ideias liberais e constitucionalistas, pretendendo-se, deste modo, propagar os princípios da Fé cristã e manter o absolutismo como filosofia do Estado e sistema político dominante na Europa.

Após 1815, houve uma ilusória tentativa de retomo à velha ordem, patente na reação conservadora e definidora da tradição e do carácter sagrado do passado e contrária ao desvio da evolução natural por qualquer alteração brusca ou de qualquer reforma. Esta Santa Aliança, que durou até às revoluções de 1848, combateu e conteve diversos tumultos liberais e nacionalistas.

Pretende-se tornar claro que o princípio da legitimidade esteve subjacente ao pensamento contrarrevolucionário e à política dos regimes conservadores. Criticando a política racional, criaram o elogio sistemático da tradição e exaltação do passado, onde a religião e a Igreja tradicionais eram vistas como garantia da conservação política e social.

No que concerne à Companhia de Jesus, constatou-se que o século XIX, repleto de mudanças políticas e sociais, foi para os jesuítas um renascer tímido e repleto de perdas, sendo confrontados com os novos ideais liberais e com as diversas tentativas de separação entre o Trono e o Altar, onde se pretendia colocar o poder espiritual ao serviço do poder político. Para o jesuíta William Bangert: «Em fins do século XVIII, o Iluminismo encerrou o que se pode propriamente chamar séculos jesuíticos.»[2].

Foi neste contexto internacional que em 1828 surgiu em Portugal a figura de D. Miguel que, tendo como retaguarda a bandeira da Santa Aliança, pretendeu reforçar a união entre o Trono e o Altar, usando os eclesiásticos para fortalecer a sua causa partidária.

Para restaurar o movimento absolutista e o conservadorismo apostólico, os contrarrevolucionários defendiam a sacralidade do trono, na exclusividade da religião católica e na defesa das instituições tradicionais. Nesse sentido, encontram-se um conjunto de personagens com um discurso ideopolítico e ideopropagandístico que combateram os liberalismos, a maçonaria e as ideias destrutivas do filosofismo, utilizando a imprensa periódica, panfletária e propagandística para espalhar o seu ideário antiliberal e na defesa do seu rei.

Após o enquadramento geral, o segundo capítulo surge com o título 1829: MISSÃO JESUÍTA NO REFORÇO DO ABSOLUTISMO MIGUELISTA. São desenvolvidos cronologicamente todos os acontecimentos, seguindo todos os passos e momentos da Missão jesuíta e o contexto envolvente à sua instalação e recuperação de privilégios anteriores.

Neste capítulo é descrito todo o dispositivo de propaganda ideológica que surgiu ao serviço do miguelismo e do filo jesuitismo: ministérios sacerdotais tradicionais (pregação, confissões, catequese…); missões junto da população (uma catequese adequada, tornava mais eficiente a ligação do povo à Igreja Católica (Altar) e ao próprio rei (Trono) e reforçava o ultramontanismo); e reforço da atividade educativa da juventude. Para D. Miguel, tal como para os jesuítas, as missões, a catequese, o confessionário e a educação eram a base principal da manutenção da ordem social.

Um dos objetivos e fundamentos da doutrinação contrarrevolucionária e antiliberal miguelista era a renovação na formação religiosa e moral dos jovens, sendo reconhecida nesta Ordem a solidez do ensino face à «superficialidade» do ensino reformado de Pombal. Deste modo, é validado se os jesuítas restaurados por D. Miguel vieram, tal como Teófilo Braga afirmava, com a antiga tradição[3], um dos critérios que o novo quadro político necessitava para legitimar o statu quo.

Por fim, entrando no terceiro e último capítulo, intitulado 1833-1834: CAPITULAÇÃO DO REGIME MIGUELISTA, FIM DAS ORDENS RELIGIOSAS E FIM DA MISSÃO JESUÍTA, dá-se conhecimento, ao utilizar o mesmo estudo cronológico dos acontecimentos mais relevantes, do dia a dia dos missionários jesuítas, revelando quais os contextos e pretextos que levaram à derrocada miguelista e ao «terramoto» na Igreja Católica portuguesa, mais especificamente à expulsão dos missionários jesuítas instalados em Portugal.

O estudo de documentos inéditos como o espólio documental do Arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus e uma pequena obra elaborada por ex missionários jesuítas em 1834 que se encontra no Arquivo da revista Brotéria, despertou o interesse para este período de seis anos, período de profundas transformações no campo político, social e das mentalidades.

Também na coleção privada da família Conefrey encontra-se um copiador, no qual se destaca um Requerimento escrito pelos habitantes de Coimbra (de ambas as fações políticas) ao governo do regente D. Pedro, dando conhecimento do não envolvimento dos missionários jesuítas na política do país.

Destaca-se, inclusive, nos reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, um espólio documental relativo à correspondência trocada entre António Ribeiro Saraiva e diversas personalidades, como por exemplo, a princesa da Beira, D. Maria Teresa, o padre provincial francês Godinot e o duque de Cadaval, relativas ao assunto dos jesuítas em Portugal, revelando estes o interesse e preocupação das principais figuras do reino para com estes “homens de Deus”.

A partir deste estudo exploratório ficou evidente a ausência de análise aprofundada com a abrangência que o tema requere.

Em suma, após a leitura cuidada dos documentos primários e inéditos, e abordando um período histórico e cronologicamente evolutivo, pretende-se dar testemunho de todo o processo de construção e queda de uma estrutura tradicionalista, apostólica e legitimista baseada na imagem ideológica de D. Miguel e no epíteto «Em Nome de Deus, da Pátria e d’El Rei».


[1] Sexto presidente da Primeira República Portuguesa (5 de outubro de 1919 a 5 de outubro de 1923).

[2] BANGERT, William V. – História da Companhia de Jesus, Porto: A. I. São Paulo: Loyola, imp. 1985, p. 518.

[3] BRAGA, Teófilo – História da Universidade de Coimbra, Tomo IV: 1801 a 1872. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1902, p. 414.

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VEIGA, Francisca Branco (2023), Companhia de Jesus, O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [02 de Outubro de 2023].

VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus, O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)

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