«… explica-lhes como o Templo está feito: o seu traçado, as entradas e saídas, a forma, a disposição de tudo e os regulamentos. Escreve tudo para que possam ler e vejam como tudo está delineado …»
Livro de Ezequiel 43, 11-12
A Contrarreforma caracterizou-se por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja Católica, diante do movimento de Reforma Protestante na Europa do século XVI. O Papa Paulo III convocou um concílio ecuménico, em Trento, para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica. O Concílio de Trento (1545 – 1563), ou o chamado Concílio da Contrarreforma veio definir de uma forma explícita e intencional que a arte deve estar ao serviço dos ritos da igreja católica.

Fresco por Pasquale Cati (1550-1620)
1588-1589
Igreja de Santa Maria em Trastevere, Roma
As profundas modificações surgidas na Igreja Católica foram, sem dúvida, provocadas pelo surgimento e expansão do protestantismo tendo a reação católica sido encabeçada pelo Papa Paulo III, Júlio III, Paulo IV, Pio V, Gregório XIII e Sisto V. O Concílio de Trento foi convocado pelo Papa Paulo III, a fim de estreitar a união da Igreja e reprimir os abusos, isto em 1546, na cidade de Trento, no Tirol italiano. No Concílio tridentino os teólogos mais famosos da época elaboraram os decretos, que foram depois discutidos pelos bispos em sessões privadas.
Além da reorganização de muitas comunidades religiosas, novas ordens foram fundadas, entre elas, a Companhia de Jesus, cujo fundador Santo Inácio de Loyola, foi um lutador da causa católica, num dos momentos mais críticos da Igreja. Foi reconhecida em 27 de Setembro de 1540 pelo Paulo III, através da Bula Regimini militantis Ecclesiae.
O Concílio de Trento definiu o pecado original (Sessão V – Decreto do Pecado Original) e declarou como texto bíblico autêntico, a tradução de São Jerónimo, denominada “Vulgata” (Sessão IV – Decreto das Escrituras), manteve os sete sacramentos (Sessão VII – Decreto dos Sacramentos), o celibato clerical e a indissolubilidade do matrimónio (Sessão XXIV – Doutrina do Sacramento do Matrimónio), o culto dos santos e das relíquias, a doutrina do purgatório e as indulgências (Sessão XXV – Decreto do Purgatório) e recomendou a criação de escolas para a preparação dos que quisessem ingressar no clero. Regulou também as obrigações dos bispos e confirmou a presença de Cristo na Eucaristia através de imagens. Definiu de uma forma explícita que a arte deve estar ao serviço dos ritos da igreja católica. São criticados pelos protestantes pelo uso excessivo das imagens sagradas, pois estes tinham uma postura iconoclasta (para o catolicismo, as imagens são elementos mediadores entre a humanidade e Deus). Definiram-se as autoridades eclesiásticas: as Escrituras (Antigo e Novo Testamentos e os reconhecidos livros apócrifos) têm idêntico valor à tradição, competindo à Igreja a sua interpretação. No que concerne à doutrina da salvação, foi proclamado o princípio da necessidade dos sacramentos. Reafirma-se a doutrina da transubstanciação e dá-se ênfase ao poder sacerdotal do ministro ordenado. Ao contrário da teologia protestante, a pregação é de valor secundário. A missa, considerado um santo “sacrifício” do corpo de Cristo, ocupa lugar central na expressão da vida cristã.
A Reforma Católica deu especial atenção à eficácia litúrgica e simplicidade dos templos, traduzidas fundamentalmente por preocupações ao nível do desenho da nave vista do altar principal – centro espiritual do templo; controle do excesso; visibilidade da Eucaristia; cerimónia, que se centra na consagração da hóstia, como prova da transmutação do corpo e sangue de Cristo; espaço interno, que se alterou para abraçar o final da procissão do Corpus Domini; interiores espaçosos; clareza estrutural e equilíbrio visual; abolição do tramezzo[1], para que o ponto focal passasse para o altar; colocação do coro atrás da Capela-mor, para separar os frades, mas pouco importante para os jesuítas que no início não cantavam; exercício de culto como ato público de piedade implicando, por vezes, sacrifícios de monges e civis; acessibilidade das massas às imagens sacras; capelas, que permitissem devoções privadas (fonte de rendimento) e visibilidade para os monumentos funerários.
Dos decretos tridentinos e diplomas emanados do concílio transparece uma nova forma de ver a imagem sagrada, onde o “ver” uma coisa com desejo e com intenção equivalia a possuí-la. Na sessão XXV, celebrada em Outubro de 1563, aconselhava-se que os dogmas sancionados e as verdades da fé se expressem através da arte, como por exemplo, da pintura e da escultura. Através das representações artísticas os fiéis eram “instruídos” com mais facilidade do que através de enunciados teóricos. A obra de arte nasce, neste contexto, ligada ao movimento contrarreformista, com novos valores expressivos, novos cânones e com uma iconografia muito ligada e ao serviço da fé.
Na última sessão, em 1563, o Concílio de Trento, num período de quase vinte anos, codificou a função das artes na igreja reformada. Uma disciplina rígida articulará as relações do clero com os artistas.
Os primeiros países que aceitaram, incondicionalmente, as resoluções tridentinas foram Portugal, Espanha, Polónia e os Estados italianos.
A Companhia de Jesus surge como um instrumento na definição do ideal de uma Igreja reformada. Pelas virtudes dos seus atos e pela suas Constituições (nas Constituições, Inácio de Loyola aspirava não deixar nada ao acaso ou improvisado, prescrevendo, formalizando e institucionalizando ao mínimo detalhe –Tudo pela Maior Glória de Deus) rapidamente respondem a esta igreja reformada. Os seus membros estão ligados por exigentes votos e um grande zelo missionário. A sua disciplina e a hierarquização do seu sistema de relações predispõem esta Ordem para a aceitação de esquemas rígidos. Ao nível religioso a Companhia de Jesus vem defender a participação humana no convívio divino, influenciando o momento artístico.
É importante para conhecermos a arte resultante de uma Ordem religiosa, saber os princípios de identificação dessa mesma Ordem. São três os documentos básicos da Companhia de Jesus, que justificam a sua identidade: a Formula Instituti (1539, 1540, 1550), as Constituições e a Autobiografia de Santo Inácio (1553 – 1555), sendo os três obra do seu fundador, Inácio de Loyola.
Assim, baseado nestes três documentos e nas normas saídas do Concílio de Trento surgiu um programa cultual e de doutrinação que teve como consequência a criação de uma arte religiosa muito própria desta Ordem ao nível da arquitetura, da pintura, da escultura, da ourivesaria.

Pierre Paul Rubens
1618-1619
Composée pour l’église de la maison professe des Jésuites d’Anvers (aujourd’hui église Saint-Charles-Borromée), en Belgique. La toile se trouve depuis 1776 au Musée d’histoire de l’art, à Vienne (Autriche).
[1] Na arquitetura eclesiástica corresponde à parte que divide a igreja aberta ao público da que está reservada apenas aos religiosos.
In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.