
Em 10 de março de 1826, quando o rei D. João VI morre, a sucessão vai cair novamente em D. Miguel que se encontrava desterrado em Viena, pois o seu filho primogénito, D. Pedro, era agora Imperador do Brasil[1]. Mas a fação maçónica e liberal portuguesa não aceita e proclama como rei D. Pedro IV que, do Brasil outorga a Portugal a Carta Constitucional.
A regência, nomeada em 6 de março de 1826, apenas quatro dias antes da morte do rei, na pessoa da infanta D. Isabel Maria, declara D. Pedro Rei de Portugal.
A Carta Constitucional de 29 de abril de1826, outorgada por D. Pedro IV e não elaborada por deputados, era menos liberal que a Constituição de 1822: o rei tinha dois poderes, cabendo-lhe o direito de veto sobre as leis votadas em Cortes (uma das suas Câmaras era formada por membros nomeados pelo rei). A Carta representou um compromisso entre os defensores da soberania nacional adotada na Constituição de 1822 e os defensores da reafirmação do poder régio.
Quando em 1826 os absolutistas apoiados pelo clero se pronunciam a favor de D. Miguel, D. Pedro abdica dos seus direitos em favor da sua filha Maria da Glória. Para poder voltar a Portugal e conquistar o seu reino, D. Miguel fica noivo da sobrinha, D. Maria da Glória, jurando a Carta Constitucional de 1826 perante a corte austríaca e expressa determinação de esta ser previamente aceite pelos três Estados do reino, conforme seu decreto de outorga[2].

Domingos António de Sequeira. 1826.
Museu Nacional de Arte Antiga
Em 22 de fevereiro de 1828, à sua chegada a Lisboa, D. Miguel jura, novamente, fidelidade à Carta e à rainha, sua prometida mulher. Em 26 de fevereiro, pela uma hora da tarde, foi entregue o governo do país a D. Miguel, na sua qualidade de regente. Esta cerimónia realizou-se na sala das sessões do palácio da Ajuda, e a ela assistiram as duas câmaras, toda a corte, bem como o corpo diplomático.
No mesmo dia, D. Miguel nomeou como ministros o Duque de Cadaval, o conde de Basto, José António de Oliveira Leite de Barros e Furtado do Rio de Mendonça, conde de Vila Real e conde da Lousã. D. Miguel dissolveu as cortes sem ordenar no mesmo decreto, como exigia a Carta, que se procedesse a novas eleições.
A 25 de abril o senado de Lisboa proclamou rei D. Miguel, tendo como apoiantes os seguintes titulares: Duque: Lafões; marqueses: Louriçal, Borba, Tancos, Olhão, Sabugosa, Lavradio (D. António), Penalva, Torres Novas, Belas, Valadas, Pombal, Vagos, Viana, e Alvito; condes: S. Lourenço, Figueira, Castro Marim, Barbacena, Murça, Cintra, Parati, Valadares, Peniche, Alhandra, Ega, Rio Maior, S. Miguel, Belmonte (D. Vasco), Belmonte (D. José), Almada, Soure, Redondo, S. Vicente, Viana, Atalaia, Seia, Porto Santo, Carvalhais, Mesquitela, Póvoa, Povolide, Anadia, Redinha, Pombeiro, Arcos (D. Marcos), Subserra, Lousã (D. Luís), Resende, Ponte, Galveias barão do Alvito, e Lapa; viscondes: Baía, Sousel, Torre Bela, Asseca, Magé, Vila Nova da Rainha, Estremoz, Juromenha, Souto d’EI-Rei, Azurara, Manique, Beire, e Veiros; barões: Sobral (Gerardo), Vila da Praia, Beduido, Sande, Portela, Queluz, Tavarede, e Quintela; principais: Menezes, Lencastre, Corte Real, Furtado, Silva, e Freire; Dom-priores: Guimarães e Avis. É anulada a Carta Constitucional e repostas as Leis constitucionais tradicionais[3].
A Carta Constitucional de 1826 (art. 6º) e a Constituição de 1838[4] representavam um Estado católico, consagrando constitucionalmente o beneplácito régio. A Carta, outorgada pelo rei D. Pedro IV (Imperador D. Pedro I do Brasil), após a morte do pai, D. João VI, foi a segunda Constituição Portuguesa à qual se deu o nome de Carta Constitucional por ter sido outorgada pelo rei, mas não redigida e votada por Cortes Constituintes eleitas pela Nação, tal como sucedera com a de 1822. Teve como influência a Constituição brasileira de 1824, de aparência liberal, com divisão de poderes políticos entre Legislativo, Executivo e Judicial mas, criando a figura do “Poder Moderador”, exercido por D. Pedro, com o poder de desfazer e anular as decisões tomadas pelos outros poderes, a Carta Constitucional francesa de 4 de junho de 1814, onde Luís XVIII pretendia ver implantado um poder executivo nas mãos da monarquia, um parlamento bicameral, tolerância religiosa e direitos civis, e como base o texto constitucional de 1822.
Gazeta de Lisboa, nº 164 de 15 de Julho de 1826 (publicada entre 15 de Julho a 26 de Julho de 1826)
CARTA CONSTITUCIONAL DA MONARCHIA PORTUGUESA DECRETADA, E DADA PELO REI DE PORTUGAL E ALGARVES D. PEDRO, IMPERADOR DO BRASIL AOS 29 DE ABRIL DE 1826.
DOM PEDRO, POR GRAÇA DE DEO, Rei de Portugal, dos Algarves, etc. Faço Saber a todos os Meus Subditos portugueses, que sou Servido Decretar, Dar, e Mandar Jurar imediatamente pelas Tres Ordens do Estado a Carta Constitucional abaixo transcrita, a qual d’ora em diante regerá esses Meus Reinos, e Dominios, e que he do theor seguinte…

No entanto a Carta Constitucional marcou um retrocesso em relação aos princípios liberais da lei anterior porque a soberania passava a residir no Rei e na Nação (art.º 12); o Rei passava a deter a supremacia política; garantiu-se a existência de uma nobreza hereditária, com todas as regalias e privilégios; preservava-se o princípio da separação dos poderes, reconhecendo a existência de quatro poderes políticos (art.º 11): o legislativo (art.º 13 – O poder legislativo compete às Cortes com a sanção do Rei (…)), o executivo, o judicial e o moderador, que é a novidade (art.º 17 – O poder moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, como chefe supremo da Nação, para que vele sobre a independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos (…)); manteve-se inalterado o princípio da ausência de liberdade religiosa definindo-se, novamente, a religião Católica como religião oficial do Estado.

Num tempo de forte instabilidade política e social, a Carta Constitucional teve três períodos de vigência durante os quais foi alvo de três revisões (Actos Adicionais de 1852, 1855 e 1896):
– De 31 de julho de 1826 a 3 de maio de 1828, com a convocação dos três estados do reino pelo rei D. Miguel, opondo-se à Carta.
– De 27 de maio de 1834 até 9 de setembro de 1836, isto é, entre a Convenção de Évora Monte, que pôs fim à guerra civil entre os absolutistas de D. Miguel I e os liberais de D. Pedro IV, repondo a Carta até à Revolução de Setembro e nova adoção da Constituição de 1822. Em 1838, foi elaborada a redação de uma nova Constituição iluminada pela Revolução Francesa de 1830 e embrenhada por uma forte corrente liberal. Esta Constituição pretendia que não houvesse dependência da vontade do rei, suprimindo o poder moderador instituído pela Carta, e que fosse reconhecida pelo povo, representado na Assembleia Nacional. Vigorou até10 de fevereiro de 1842 e teve por base a Constituição liberal de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a Constituição belga de 1831 (Constituição com um poder legislativo bicameral, em que o rei compartilhava o poder com as duas câmaras legislativas) e a Constituição espanhola de 1837 (correspondente à reformada Constituição de Cádis de 1812).
– Entre o golpe de Estado de Costa Cabral, no Porto, em 27 de janeiro de 1842 e o 5 de outubro de 1910, com a revolução republicana, é restaurada a Carta Constitucional.
[1] Em 1822, por iniciativa de D. Pedro, filho primogénito de D. João VI e de Carlota Joaquina e defensor acérrimo dos ideais liberais, foi proclamada a independência do Brasil.
[2] Francisco Pina Manique, A Causa de D. Miguel, Lisboa, Caleidoscópio, 2007, p. 20.
[3] A Gazeta de Lisboa faz referência à relação das pessoas que partiram no dia 10 de Julho de 1828 do Porto para Londres, num barco a vapor inglês. Entre os nomes constam: o Marquez de Palmela, o Conde e Condessa de Villa Flor, o conde de Sampayo, o Conde da Taipa, entre muitos outros. Gazeta de Lisboa, nº 166, 1828. O nome dos indivíduos que assinaram o auto pelo qual a maior parte da alta nobreza portuguesa pediu ao infante D. Miguel que convoca-se os três estados do reino para o declararem rei absoluto e rasgasse a Carta Constitucional encontra-se em: José Liberato Freire de Carvalho, Ensaio político sobre as causas que prepararam a usurpação do Infante Dom Miguel no ano de 1828, e com ela a queda da Carta Constitucional do ano de 1826, Lisboa : Imp. Nevesiana, 1840, pp.221-223. Encontra-se no mesmo documento de José Liberato de Carvalho referência aos nomes dos indivíduos (braço eclesiástico, braço da nobreza e braço do povo) que assinaram o assento dos três estados, no dia 11 de Julho de 1823: ibid, ibidem, pp. 227-239.
[4] Outro texto constitucional a vigorar em Portugal foi a Constituição de 1838, que resultou de um compromisso entre as teses liberais da Constituição de 1822 e as teses mais conservadoras expressas na Carta Constitucional de 1826 que dera origem ao sistema bicameral com a criação do Pariato.
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VEIGA, Francisca Branco (2023), Carta Constitucional de 1826 (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [24 de Outubro de 2023].
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VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus, Companhia de Jesus. O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)
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