SIMÃO RODRIGUES (primeiro Provincial da Companhia de Jesus em Portugal)

N. 1510, Vouzela (Viseu), Portugal; M. 15 julho 1579, Lisboa, Portugal.

Cofundador da Companhia de Jesus, estando ao lado de Inácio de Loyola na criação desta Ordem, fundada em Paris em 1534.

P. Simão Rodrigues SJ
Inácio de Loyola e os primeiros companheiros

De família nobre, foi para a Universidade de Paris (1527) como bolseiro do rei D. João III. Em Paris ficou no colégio de Santa Bárbara, dirigida pelo português Diogo de Gouveia, o Velho. Estudou letras e entrou em 1532, no círculo de amigos de Inigo de Loyola, formando assim parte do núcleo inicial da Companhia de Jesus. Formado como Mestre em Artes (1536), e, em seguida, estudou Teologia.

Collège Sainte-Barbe, 4 rue Valette, Paris 

Foi ordenado sacerdote em 24 de Junho de 1537, em Veneza.

Diogo de Gouveia, ciente dos projetos e frutos apostólicos de Inácio e dos seus companheiros, propôs (1538) a D. João III de Portugal que os convidasse para irem à Índia.

Diogo de Gouveia (c. 1471, Beja – 8 de dezembro de 1557, Lisboa), conhecido como Diogo de Gouveia, o Velho para o distinguir do seu sobrinho Diogo Gouveia, o moço, que foi embaixador de D. João III junto do Concílio de Trento.

D. João III confiou este assunto ao seu embaixador em Roma, D. Pedro de Mascarenhas, e Inácio de Loyola designou Francisco Javier e Simão Rodrigues para esta missão. Vendo os frutos que produziam em Lisboa, o Rei decidiu que Francisco de Javier seguiria para a Índia e que Simão Rodrigues ficaria em Portugal com a tarefa de recrutar missionários para irem para o exterior.

Em janeiro de 1542, o rei doou o mosteiro de Santo Antão-o-Velho (Mouraria, Lisboa), que foi a primeira casa que a Companhia de Jesus teve no mundo e também o seu primeiro colégio em Portugal.

Colégio de Santo Antão-o-Velho | Colégio de Santo Agostinho | Exterior | Fachada poente | Eduardo Portugal s.d. © CML | DMC | Arquivo Municipal de Lisboa
Colégio de Santo Antão-o-Velho | Colégio de Santo Agostinho | Museu de Lisboa | Maqueta de Lisboa antes do Terramoto de 1755 | Pormenor | José Vicente

Em julho de 1542, Simão Rodrigues fundou o Colégio de Jesus, em Coimbra (mais tarde daria origem ao imponente  Real Colégio das Artes e Humanidades), e preparou a fundação do colégio do Espírito Santo, em Évora. Os três colégios já contavam com 240 a 250 jesuítas em 1551.

Primeira pedra do Colégio de Jesus (Coutinho, J.E.R. 2003. Sé Nova de Coimbra. Colégio das Onze Mil Virgens.Igreja de Jesuítas. Coimbra, Paróquia da Sé Nova, pg. 34)
Complexo jesuítico: à esquerda o Colégio de Jesus, à direita o Colégio das Artes e, atrás deste, o refeitório com ligação direta aos dois colégios
In Imago Collegii, in Societate Iesu omnium primi, á Ioanne III Lusitaniae Rege Conimbricae fundati / Carolus Grandi scul Romae 1732.
Lisboa, Bibliioteca Nacional.

Simão Rodrigues promoveu uma expansão notável das missões no exterior.


A partir de 1545 enviou sucessivas expedições ao Oriente, com um total de 35 missionários. Juntamente com D. João III e Inácio de Loyola, participou nas primeiras negociações sobre a missão etíope; enviou quatro companheiros ao Congo para ali fundar a missão em 1547; três para Ceuta e Tetuão para serem dedicados aos cativos em 1548; Manuel da Nóbrega e cinco companheiros, para fundar a missão brasileira em 1549, e uma segunda expedição de quatro missionários em 1553. Promoveu também missões populares nas diferentes regiões de Portugal.

O Rei tinha tanta estima por Rodrigues que o nomeou preceptor do filho em 1545 (conseguiu afastar Damião de Góis da função de mestre de letras do mesmo príncipe). E em 25 de outubro de 1546, foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus em Portugal.

Durante os doze anos do seu governo, a Companhia de Jesus cresceu muito rapidamente em Portugal.

Simão Rodrigues foi acusado de ser muito tendencioso no seu governo, sendo, entre outras acusações, acusado de falhas de obediência. Em 1552, foi deposto do cargo de Provincial, o que agravou ainda mais a situação.

Embora resistisse em partir para Espanha, como Provincial de Aragão, tendo o rei o advertido a obedecer. Visitou as casas de Saragoça, Barcelona, ​​​​Valência e Gandía.
Com o agravamento da sua saúde, regressou sem autorização a Portugal em 1553. Considerando a sua presença prejudicial, o Provincial Diego Mirón ordenou-lhe que abandonasse o reino e fosse para Roma. Pouco depois da sua chegada, Rodrigues começou a queixar-se de alguns jesuítas em Portugal, que lhe tinham feito acusações contra ele e ao seu governo.

Rodrigues propôs a Ignacio de Loyola que submetesse o seu caso a julgamento, pois em sua consciência se considerava inocente daquilo de que era acusado. O julgamento durou pouco mais de dois meses e a sentença foi pronunciada (7 de fevereiro de 1554).

Os juízes enumerando os seus erros, impuseram-lhe duras penas, que Rodrigues aceitou humildemente. Ignacio de Loyola retirou-lhe as penas e apenas permitiu que ele não voltasse a Portugal. No entanto, Rodrigues procurou mais tarde que o Papa, como Superior supremo da Companhia de Jesus, confiasse a sua causa ao cardeal protetor para regressar com honra a Portugal. Rodrigues passou durante algum tempo triste no norte da Itália, com a memória da sua reputação perdida.

O Geral Diego Laínez mostrou-se inclinado a satisfazer o desejo de Rodrigues de regressar a Portugal, para o qual escreveu (1564) aos Padres Portugueses solicitando a sua opinião, mas ainda não foi considerado adequado. Simão Rodrigues foi para a Espanha e fixou residência em Andaluzia a partir de 1564 e em Toledo a partir de 1570, já muito melhor espiritualmente.

Por sua vez, o Padre Geral Borja, como prova de confiança (1 de janeiro de 1572) tomou medidas para preparar o regresso de Rodrigues à sua terra natal, mas Borja morreu (3 de setembro , 1572) sem tê-lo concluído. O seu sucessor Everardo Mercúriano executou o projeto de Borja e permitiu-lhe (29 de julho de 1573) o seu regresso a Portugal.
Após vinte anos de ausência, Rodrigues chegou ao Colégio de Coimbra, em 24 de setembro de 1573. Informou o Geral sobre a situação da Província e sugeriu os meios para resolver a crise. Rodrigues continuou interessado no bem da província. Apesar de ter recusado o cargo de Superior, continuou a contribuir com os seus conselhos para o bom andamento das comunidades.

Viveu os seus últimos anos na Casa Professa de São Roque, de Lisboa, onde morreu a 15 de junho de 1579, tendo ficado sepultado na igreja de S. Roque.

Uma inscrição junto à entrada da Sacristia da Igreja de S. Roque assinala, ainda hoje, o local onde repousam os seus restos mortais.

Sepultura do P. Simão Rodrigues, fundador da Companhia de Jesus em Portugal.
Na parede do cruzeiro da Igreja de S. Roque de Lisboa, do lado do Evangelho e à esquerda da porta de comunicação com o corredor da Sacristia, está um painel cuja moldura é de mármore negro, a faixa de mármore amarelo e a tabela de mármore de Carrara. @franciscabrancoveiga

O epitáfio do padre Simão Rodrigues foi mandado gravar na tabela do painel, sendo as letras douradas e o seu teor o seguinte:

OSSA P. M. SIMONIS
RODERICI PIAE RECORDA-
TIONIS, QUI PROVINCI-
AM HANC LUSITA-
NAM FUNDAVIT, PRIMUS
IN EA PROVINCIALIS,
UNUS E NOVEM
B. P. N. IGNATII SOCIIS.
OBIIT IN HAC DOMO
XV. JULII MDLXXIX

Como referir este texto:

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VEIGA, Francisca Branco, SIMÃO RODRIGUES (primeiro Provincial da Companhia de Jesus em Portugal)(blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [15 de Setembro de 2024].

@franciscabrancoveiga @destacar

D. Miguel entrega à Companhia de Jesus, por decreto de 9 de janeiro de 1832, o Real Collegio das Artes.

D. João III (1502-1557) foi um rei que herdou um vasto império ultramarino que se estendia por três continentes e com imensos problemas de administração à distância. As fortes relações com a Santa Sé levam a que os bispos portugueses adiram ao espírito da Contrarreforma, conseguindo também estabelecer o Tribunal da Inquisição em Portugal.

Em 1540, com D. João III, a Companhia de Jesus entra em Portugal, sendo o nosso país a primeira Província jesuíta no mundo. Numa época de forte expansão territorial D. João irá ser o primeiro rei na Europa a contactar Inácio de Loyola devido à necessidade de encontrar missionários, homens letrados, para evangelizar o Oriente, pregando e convertendo à Fé cristã os nativos. D. João concedeu privilégios aos jesuítas, nomeadamente casas gratuitas, liberdade de enviar missionários para todo o mundo e de fundar colégios. A Companhia de Jesus instalou-se em Portugal continental e Ilhas Atlânticas, e até 1959 funda diversas casas professas, colégios, noviciados e quintas de recreio.

A proteção à cultura foi muito dominante neste reinado. D. João pôs em prática uma reforma do ensino e pode-se afirmar que «…pela honra que, depois reinou, soube fazer às letras e a todas as boas artes»[1]. Deu subsídios a muitos jovens para irem estudar em universidades estrangeiras, principalmente para o Colégio de Santa Bárbara, em Paris, onde era reitor o português Diogo de Gouveia. Mas ao mesmo tempo trouxe para Portugal muitos homens instruídos que foram ensinar letras e ciências na Universidade que, em 1537 tinha sido transferida de Lisboa para Coimbra. A reforma do ensino ficou concluída com a fundação e entrega à Companhia de Jesus do Colégio das Artes (1548), local onde se faziam os estudos de preparação para o ingresso na universidade. A afluência às aulas dos novos mestres, vindos de Paris, levou a que D. João III ordenasse a Frei Brás de Barros que instituísse escolas fora do claustro do mosteiro[2].

Contudo, em janeiro de 1759, por alvará régio, foram sequestrados os bens da Companhia de Jesus. A 3 de setembro do mesmo ano foi abolida, todos os padres expulsos do reino e os seus bens confiscados.

Após a restauração universal da Companhia de Jesus em 1814, esta irá regressar a Portugal em 1829, no reinado de D. Miguel. Como rei absolutista necessitava do apoio legitimador da Santa Sé e da Companhia de Jesus, que se encontrava ligada ao ideário tradicionalista.

Na opinião de Daurignac, o rei D. Miguel, para consolidar o seu trono e como forma de erradicar as ideias revolucionárias, solicita ajuda ao Papa pedindo-lhe o regresso dos jesuítas para Portugal:

 “En 1829, ce prince fait demander par le marquis de Lavradio, son ambassadeur à Rome, quelques Pères de la Compagnie. Il sent d’ailleurs que le moyen le plus sûr de consolider son trône déjà menacé est de l’ appuyer sur les principes que les Jésuites ont toujours enseignés, et son cœur lui dit que cette réparation est due à l’ Ordre de Saint Ignace, dont un ministre portugais fut le premier et le plus acharné persécuteur”[3].

Assim, em 1829 D. Miguel ordenou ao Duque de Cadaval que permitisse o regresso desta Ordem a fim de restaurar o ensino em Portugal[4].

E é com este fim que D. Miguel entrega à Companhia de Jesus, por decreto do dia 9 de janeiro de 1832, «o Real Collegio das Artes», para aí exercerem o ministério principal do seu Instituto, que é a educação da mocidade.

Assim, este decreto reintegrava os Jesuítas em todas as graças e privilégios dos reis antecessores, seguindo-se a legislação de D. João III, dando-lhe a posse do que usufruíram durante dois séculos.

A entrega do Colégio das Artes aos Jesuítas era considerada como uma restituição, colocando novamente a Universidade tributaria da Companhia de Jesus.

A este decreto outorgado aos religiosos de Santo Inácio chamou Lino de Assunção a «Carta reparadora»[5].

Domingo,12 de janeiro, D. Miguel dirigiu-se ao Colégio de Santo Antão-o-Velho, «sans être inattendu, ni annoncé, ni accompagné», para despedir-se destes religiosos, prometendo-lhes que no dia 22, dia do aniversário do seu regresso a Portugal, seria publicado o decreto do restabelecimento da Companhia. Esta visita deixa os missionários jesuítas muito tranquilos.

O rei entre outros assuntos informa-os do seu amor para com a Companhia de Jesus, «dando-lhes assim nova prova da Sua Augusta benevolência», dizendo-lhes que o Colégio das Artes foi criado pelo seu Instituto e com a maior independência e por isso mesmo o que ele queria era o mesmo colégio da Companhia[6].

VEIGA, Francisca Branco – Noviciado da Cotovia: O passado dos Museus da Politécnica 1619-1759 [texto policopiado]. Dissertação elaborada para a obtenção do Grau de Mestre em Património Cultural. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2009.

Idem – A Restauração da Companhia de Jesus em Portugal 1828-1834: O breve regresso no reinado de D. Miguel. Dissertação elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de História Contemporânea, 2019.


[1] Frei Luís de Sousa, Anais de D. João III, Colecção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, 1938, I, p.8 e 9.

[2] RIBEIRO, José Silvestre, Historia dos estabilicimentos scientificos litterarios e artisticos de Portugal nos successsivos reinados da monarchia , 1871-1914, p.65 a 78.

[3] DAURIGNAC, J.M.S. –  Histoire de la Compagnie de Jésus depuis sa fondation jusqu’a nos jours. 2ª ed., Paris: Librairie Catholique de Périsse Frères, 1863, Tomo II, p. 232.

[4] LLORCA, Bernardino, S.J. – Historia de la Iglesia Catolica: en sus cinco grandes edades: Antiqua, Media, Nueva, Moderna y Contemporanea, vol. IV.  Madrid: La Editorial Catolica, 1963, p. 641.

[5] ASSUNÇÃO, Tomás Lino da – História Geral Dos Jesuítas, p. 618.

[6] Carta do Padre Delvaux para o Padre Druilhet, em Paris. Coimbra, 10 de março de 1832. In CARAYON, Auguste – Documents inédits concernant la Compagnie de Jésus, vol. XIX, p. 329.

Colégio das Artes, Coimbra
Johann Nepomuk Ender
Viena, Áustria, 1827
Óleo sobre tela
256×180 cm
Assinado e datadp: “Giovanni Ender pinx, Vienne 1827”
D. Miguel nasceu no Palácio de Queluz, a 26 de Maio de 1802, recebendo o nome de Miguel Maria do Patrocínio João Carlos Francisco de Assis Xavier de Paula Pedro de Alcântara António Rafael Gabriel Joaquim José Gonzaga Evaristo, e faleceu em Carlsruhe, na Alemanha, a 14 de Novembro de 1866.
São Francisco Xavier na Corte de Dom João III antes da viagem para a Índia.
Pintura de André Reinoso, 1619.
Igreja de São Roque, em Lisboa.