
D. Sebastião e Fernão Teles de Meneses partilham a mesma gramática simbólica nos seus túmulos: um corpo piramidal assente sobre elefantes, onde a pedra se converte em memória e a morte em narrativa de glória.
O rei que não voltou
- D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer Quibir, em agosto de 1578, tendo o seu corpo sido reconhecido no campo de batalha por fidalgos portugueses que juraram novamente sobre o cadáver já em Lisboa, no Convento do Carmo.
- Entregue por Mulei Ahmed em Ceuta, em dezembro desse mesmo ano, o corpo foi depositado na Capela de Santiago, na Igreja da Trindade, antes de Filipe I ordenar, em 1582, a trasladação para a Igreja de Santa Maria de Belém, onde ainda hoje repousa numa das capelas laterais do cruzeiro.
A pirâmide de um rei
- O túmulo de D. Sebastião, mandado executar por D. Pedro II em 1682 e atribuído a Mateus do Couto, ergue-se como uma pirâmide de mármore, rematada pela coroa e pela cruz, apoiada em dois elefantes que parecem sustentar o peso do reino perdido em África.
- Estes elefantes, eco dos animais exóticos trazidos do Oriente, simbolizavam poder, memória e o alargamento do mundo português, levando o jovem rei “nos ombros” até à eternidade e alimentando a lenda daquele que, morto de forma tão concreta, continuou a ser esperado como Encoberto.

O fundador da Cotovia
- Quase quarenta anos depois da morte de D. Sebastião, outro português sonhador, Fernão Teles de Meneses, investia a sua fortuna na fundação do noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, cuja primeira pedra foi lançada em 23 de abril de 1603, ricamente ornamentada e com moedas devotas no interior.
- Morreu a 26 de janeiro de 1605, e a sua viúva, D. Maria de Noronha, mandou erguer um mausoléu de grande aparato para a capela‑mor da nova igreja, pagando 3 000 cruzados para que os ossos do marido, guardados provisoriamente em S. Roque, tivessem morada definitiva junto ao altar.
A “cópia” jesuíta do modelo régio
- O túmulo de Fernão Teles e de sua esposa, hoje no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, retoma quase literalmente o modelo régio de Santa Maria de Belém: uma arca lisa, de mármore rosado, encimada por estrutura piramidal e assentando em dois elefantes de mármore cinzento‑escuro, provavelmente segundo traça de Pedro Nunes Tinoco.
- Tal como nos Jerónimos, os elefantes indianos funcionam como pedestais exóticos da santidade social do fundador, traduzindo nas regras da Companhia de Jesus – que exigiam a presença do túmulo do benfeitor na capela‑mor – a mesma gramática visual de poder, gratidão e eternidade reservada aos reis.

Duas vidas, um mesmo pedestal
- O rei guerreiro que morreu em Alcácer Quibir e o fidalgo que preferiu “construir” noviços para o futuro partilham assim a mesma arquitetura de eternidade: ambos sobem, em mármore, por uma escadaria piramidal para a coroa ou para o brasão, erguidos sobre elefantes que evocam os mundos descobertos e o peso da História.
- Na capela‑mor dos Jerónimos e na antiga igreja do noviciado da Cotovia (hoje MNHNC), estes túmulos contam uma narrativa silenciosa: em Portugal, tanto a realeza como o grande fundador e mecenas da Casa de Provação jesuíta caminhavam para Deus pelos mesmos degraus de pedra, sustentados pelos mesmos animais fabulosos, como se o Império e a fé partilhassem o mesmo chão e a mesma promessa de memória sem fim.
Faz este mês de dezembro de 2025, 443 anos sobre a trasladação solene que fixou em Belém o lugar definitivo de memória de D. Sebastião, por decisão de Filipe I, rei que então unia na sua pessoa as coroas de Portugal e de Espanha.
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Como referir este texto:
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VEIGA, Francisca Branco (2025), Quando os Elefantes Sustentam a Eternidade: Dos Jerónimos à Cotovia (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [22 de dezembro de 2025].
In VEIGA, Francisca Branco, Noviciado da Cotovia 1619-1759 (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [22 de dezembro de 2025].
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