No dia 2 de janeiro de 1815 a Gazeta de Lisboa expressava o sentimento geral de satisfação que existia na Europa face à queda do império napoleónico e às expetativas que trazia o Congresso de Viena:
“Começa finalmente hum ano de paz, depois de tantas e sanguinozas guerras; respira a humanidade, tanto tempo opressa pela tyrannia; e se o anno passado há de ser eternamente memorável pelo estrondo das victorias que conquistarão a paz da Europa, desthronárão o Despota, e restituírão os thronos aos legítimos Soberanos, não o ficará sendo menos o presente pelo complemento que a esta grande obra hão de pôr os Monarcas por meio do Congresso de Vienna, cujas decisões acertadas esperamos satisfarão a toda a família Européa” (1).
A Batalha de Waterloo, em junho de 1815 (este confronto marcou o fim dos Cem Dias, período do retorno do imperador francês Napoleão I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba), marcaria definitivamente o fim da Era Napoleónica causando, de modo consequente, mudanças políticas, sociais e económicas em toda a Europa. Um acordo entre os países vencedores (Império Austríaco, Império Russo, Prússia e Grã-Bretanha) contribuiu para o restabelecimento da paz e estabilidade política na Europa.

William Sadler II (c. 1782 – 1839)
Oil on canvas in its original plaster frame
81 x 177 cm
No Congresso de Viena (entre 11 de novembro de 1814 e 9 de junho de 1815) reorganizaram-se as fronteiras europeias afetadas pelas conquistas de Napoleão, restauraram-se «as velhas casas dinásticas», procurando-se um «equilíbrio geoestratégico entre um Directório ou Pentarquia de potências» (2).

ISABEY Jean-Baptiste (1767 – 1855)
Musée du Louvre
A expansão napoleónica pela Europa revelara-se um perigo para o sistema legitimista, confessional e aristocrático, uma ameaça para a Europa dos Reis.
Deste modo, o Congresso de Viena teve três objetivos fundamentais, necessários para se estabelecer um equilíbrio entre as grandes potências vencedoras de Napoleão[1]:
1) a restauração do Antigo Regime e do absolutismo: grande preocupação das monarquias absolutistas uma vez que se tratava de recolocar a Europa na mesma situação política em que se encontrava antes da Revolução Francesa dado que esta havia terminado com os privilégios reais e instituído o direito legítimo de propriedade aos burgueses;
2) o regresso das dinastias depostas pela política expansionista de Napoleão Bonaparte, defendido sobretudo por Talleyrand que garantia com isso o retorno dos Bourbon ao poder com a aprovação dos vencedores. Assim, após 1815, voltam a subir ao trono os Bourbon em Nápoles e em Espanha, a dinastia de Orange nos Países Baixos, assim como se mantem a dinastia dos Habsburgo, em Viena, símbolo da ordem tradicional do Antigo Regime. Em Portugal, os Bragança tinham transferido a corte portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807 de onde regressam em 1820;
3) o restabelecimento do equilíbrio político-militar entre os estados europeus, embora com ascendência de uns face a outros, promoveu a preservação da paz.
Houve uma tentativa de retorno à velha ordem, patente, por exemplo, na reação conservadora que se encontra manifestada nas proposições de F. K. von Savigny (1789-1861) e na sua Escola do Direito Histórico definidora da tradição e do carácter sagrado do passado e contrária ao desvio da evolução natural por qualquer alteração brusca ou de qualquer reforma[2]. Segundo René Rémond, “Na nova Europa já não se pensa na República e o princípio da legitimidade monárquica triunfa inequivocamente. É dele que se reclamam os doutrinários da restauração, os filósofos da contra-revolução, os Burke, os Maistre, os Boland, os Haller. É igualmente nesta noção de legitimidade que se inspiraram os diplomatas que, em Viena, recompõem os territórios”[3].
Este princípio de legitimidade vai estar subjacente ao pensamento contrarrevolucionário e à política dos regimes conservadores. A Santa Aliança, acordo entre as três grandes potências cristãs da Europa (Império Russo, Prússia e Império Austríaco), criada após o Congresso de Viena, e assinado em 26 de setembro de 1815, em Paris, teve como intenção a manutenção de um acordo mútuo entre soberanos, e em relação aos seus súbditos, no sentido da manutenção da fé cristã. Mas tal aliança veio a funcionar como bloqueadora do avanço de novos focos revolucionários nas décadas seguintes.
[1] Veja-se DUROSELLE, Jean Baptiste – A Europa de 1815 aos nossos dias: vida política e relações Internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976, pp. 4 e ss.; CORREIA, Maldonado – “O Congresso de Viena – Fórum da Diplomacia Conservadora no Refazer da Carta Europeia”. In Nação e Defesa, Ano XIX, nº 69, jan-mar 1994, pp. 40-41.
[2] Veja-se COSTA, Alexandre Araújo – Hermenêutica e método: diálogo entre a hermenêutica filosófica e a Hermenêutica Jurídica.Tese de Doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2008,cap. III, secção 2 (Do historicismo ao conceitualismo: Savigny); RÉMOND, René – Introdução à História do Nosso Tempo: Do Antigo Regime aos Nossos Dias, Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 139-141.
[3] RÉMOND, René – ibidem, p. 140.
(1) Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5.
(2) SARDICA, José Miguel – A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, p. 55.

