O Congresso de Viena: restaurar a ordem absolutista do Antigo Regime após o fim da época napoleónica

A Batalha de Waterloo, em 1815, marcaria definitivamente o fim da Era Napoleónica causando, de modo consequente, mudanças políticas, sociais e económicas em toda a Europa. Um acordo entre os países vencedores (Império Austríaco, Império Russo, Prússia e Grã-Bretanha) contribuiu para o restabelecimento da paz e estabilidade política na Europa.

Battle of Waterloo. William Sadler.

Pyms Gallery

Assim, no Congresso de Viena (entre 11 de novembro de 1814 e 9 de junho de 1815) reorganizaram-se as fronteiras europeias afetadas pelas conquistas de Napoleão, restauraram-se «as velhas casas dinásticas», procurando-se um «equilíbrio geoestratégico entre um Directório ou Pentarquia de potências»[1].

O Congresso de Viena em 22/06/1815: o bolo dos reis. Reuniu as oito potências mundiais e procurou redefinir as fronteiras após a queda do Império de Napoleão I. Alexandre I, Czar da Rússia; R. H. Stewart, Castlereagh; François José I, Imperador de Au ·
Musee de la Ville de Paris, Musee Carnavalet, Paris, France. 

A expansão napoleónica pela Europa revelara-se um perigo para o sistema legitimista, confessional e aristocrático, uma ameaça para a Europa dos reis. Deste modo, o Congresso de Viena teve três objetivos fundamentais, necessários para se estabelecer um equilíbrio entre as grandes potências vencedoras de Napoleão[2]:

1) a restauração do Antigo Regime e do absolutismo: grande preocupação das monarquias absolutistas uma vez que se tratava de recolocar a Europa na mesma situação política em que se encontrava antes da Revolução Francesa dado que esta havia terminado com os privilégios reais e instituído o direito legítimo de propriedade aos burgueses;

2) o regresso das dinastias depostas pela política expansionista de Napoleão Bonaparte, defendido sobretudo por Talleyrand que garantia com isso o retorno dos Bourbon ao poder com a aprovação dos vencedores. Assim, após 1815, voltam a subir ao trono os Bourbon em Nápoles e em Espanha, a dinastia de Orange nos Países Baixos, assim como se mantem a dinastia dos Habsburgo, em Viena, símbolo da ordem tradicional do Antigo Regime. Em Portugal, os Bragança tinham transferido a corte portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807 de onde regressam em 1820;

3) o restabelecimento do equilíbrio político-militar entre os estados europeus, embora com ascendência de uns face a outros, promoveu a preservação da paz.

Houve uma tentativa de retorno à velha ordem. Mas a restauração não conseguiu restabelecer inteiramente a situação de 1789. O mapa europeu foi muito simplificado e o número de Estados ficou reduzido. Os vencedores saíram da guerra engrandecidos, a Grã-Bretanha expandiu-se dentro e fora da Europa e as três potências continentais (Rússia, Prússia e Áustria) cresceram dentro da Europa[3].

No futuro próximo esta partilha da Europa irá produzir descontentamentos entre os Estados que foram sacrificados por um “equilíbrio europeu” realizado em proveito das grandes potências.

A Liberdade Guiando o Povo, quadro no qual Delacroix mostra a revolta da população parisiense, que, mobilizada pelas idéias liberais, em 1830, sai às ruas para pôr fim ao absolutismo.

Numa grande parte da Europa, porém, os ideais da França revolucionária tinham deixado sementes, continuando a subsistir uma corrente liberal que era apoiada por fações da sociedade, e que atuavam como força de contestação às monarquias restauradas em 1815. Tal como afirmou Theodoros Kolokotronis (1770-1843), marechal de campo e herói grego, “a Revolução Francesa e os feitos de Napoleão abriram os olhos ao mundo. Antes disso, as nações nada sabiam, e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que era obrigado a dizer que aquilo que estes fizessem era bem feito. Devido a esta presente mudança, é mais difícil governar o povo” [4].


[1] SARDICA, José Miguel – A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, p. 55. Veja-se, inclusive, BONIFÁCIO, Maria de Fátima – Seis Estudos sobre O Liberalismo Português. Lisboa: Ed. Estampa, 1991, pp. 297-303 (O Concerto Europeu ou a Europa das Potências).

[2] Veja-se DUROSELLE, Jean Baptiste – A Europa de 1815 aos nossos dias: vida política e relações Internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976, pp. 4 e ss.; CORREIA, Maldonado – “O Congresso de Viena – Fórum da Diplomacia Conservadora no Refazer da Carta Europeia”. In Nação e Defesa, Ano XIX, nº 69, jan-mar 1994, pp. 40-41.

[3] RÉMOND, René – iIntrodução à História do Nosso Tempo: do Antigo Regime aos nossos dias. Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 139-144.

[4] HÄBICH, Theodor – Deutsche Latifundien. Stuttgart: W. Kohlhammer, 1947, pp. 27 e ss.. Apud HOBSBAWM, Eric J. – A Era das Revoluções, 1789-1848. 5ª ed.. Lisboa: ed. Presença, 2001, p. 99.

Queda do império napoleónico e o Congresso de Viena.

No dia 2 de janeiro de 1815 a Gazeta de Lisboa expressava o sentimento geral de satisfação que existia na Europa face à queda do império napoleónico e às expetativas que trazia o Congresso de Viena:

“Começa finalmente hum ano de paz, depois de tantas e sanguinozas guerras; respira a humanidade, tanto tempo opressa pela tyrannia; e se o anno passado há de ser eternamente memorável pelo estrondo das victorias que conquistarão a paz da Europa, desthronárão o Despota, e restituírão os thronos aos legítimos Soberanos, não o ficará sendo menos o presente pelo complemento que a esta grande obra hão de pôr os Monarcas por meio do Congresso de Vienna, cujas decisões acertadas esperamos satisfarão a toda a família Européa” (1).

A Batalha de Waterloo, em junho de  1815 (este confronto marcou o fim dos Cem Dias, período do retorno do imperador francês Napoleão I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba), marcaria definitivamente o fim da Era Napoleónica causando, de modo consequente, mudanças políticas, sociais e económicas em toda a Europa. Um acordo entre os países vencedores (Império Austríaco, Império Russo, Prússia e Grã-Bretanha) contribuiu para o restabelecimento da paz e estabilidade política na Europa.

The Battle of Waterloo
William Sadler II (c. 1782 – 1839)
Oil on canvas in its original plaster frame
81 x 177 cm

No Congresso de Viena (entre 11 de novembro de 1814 e 9 de junho de 1815) reorganizaram-se as fronteiras europeias afetadas pelas conquistas de Napoleão, restauraram-se «as velhas casas dinásticas», procurando-se um «equilíbrio geoestratégico entre um Directório ou Pentarquia de potências» (2).

Le congrès de Vienne.
ISABEY Jean-Baptiste (1767 – 1855)
 Musée du Louvre

A expansão napoleónica pela Europa revelara-se um perigo para o sistema legitimista, confessional e aristocrático, uma ameaça para a Europa dos Reis.

Deste modo, o Congresso de Viena teve três objetivos fundamentais, necessários para se estabelecer um equilíbrio entre as grandes potências vencedoras de Napoleão[1]:

1) a restauração do Antigo Regime e do absolutismo: grande preocupação das monarquias absolutistas uma vez que se tratava de recolocar a Europa na mesma situação política em que se encontrava antes da Revolução Francesa dado que esta havia terminado com os privilégios reais e instituído o direito legítimo de propriedade aos burgueses;

2) o regresso das dinastias depostas pela política expansionista de Napoleão Bonaparte, defendido sobretudo por Talleyrand que garantia com isso o retorno dos Bourbon ao poder com a aprovação dos vencedores. Assim, após 1815, voltam a subir ao trono os Bourbon em Nápoles e em Espanha, a dinastia de Orange nos Países Baixos, assim como se mantem a dinastia dos Habsburgo, em Viena, símbolo da ordem tradicional do Antigo Regime. Em Portugal, os Bragança tinham transferido a corte portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807 de onde regressam em 1820;

3) o restabelecimento do equilíbrio político-militar entre os estados europeus, embora com ascendência de uns face a outros, promoveu a preservação da paz.

Houve uma tentativa de retorno à velha ordem, patente, por exemplo, na reação conservadora que se encontra manifestada nas proposições de F. K. von Savigny (1789-1861) e na sua Escola do Direito Histórico definidora da tradição e do carácter sagrado do passado e contrária ao desvio da evolução natural por qualquer alteração brusca ou de qualquer reforma[2]. Segundo René Rémond, “Na nova Europa já não se pensa na República e o princípio da legitimidade monárquica triunfa inequivocamente. É dele que se reclamam os doutrinários da restauração, os filósofos da contra-revolução, os Burke, os Maistre, os Boland, os Haller. É igualmente nesta noção de legitimidade que se inspiraram os diplomatas que, em Viena, recompõem os territórios”[3].

Este princípio de legitimidade vai estar subjacente ao pensamento contrarrevolucionário e à política dos regimes conservadores. A Santa Aliança, acordo entre as três grandes potências cristãs da Europa (Império Russo, Prússia e Império Austríaco), criada após o Congresso de Viena, e assinado em 26 de setembro de 1815, em Paris, teve como intenção a manutenção de um acordo mútuo entre soberanos, e em relação aos seus súbditos, no sentido da manutenção da fé cristã. Mas tal aliança veio a funcionar como bloqueadora do avanço de novos focos revolucionários nas décadas seguintes.


[1] Veja-se DUROSELLE, Jean Baptiste – A Europa de 1815 aos nossos dias: vida política e relações Internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976, pp. 4 e ss.; CORREIA, Maldonado – “O Congresso de Viena – Fórum da Diplomacia Conservadora no Refazer da Carta Europeia”. In Nação e Defesa, Ano XIX, nº 69, jan-mar 1994, pp. 40-41.

[2] Veja-se COSTA, Alexandre Araújo – Hermenêutica e método: diálogo entre a hermenêutica filosófica e a Hermenêutica Jurídica.Tese de Doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2008,cap. III, secção 2 (Do historicismo ao conceitualismo: Savigny); RÉMOND, René – Introdução à História do Nosso Tempo: Do Antigo Regime aos Nossos Dias, Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 139-141.

[3] RÉMOND, René – ibidem, p. 140.

(1) Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5.

(2) SARDICA, José Miguel – A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, p. 55.

Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815
Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5