A Imprensa Oficial Portuguesa de 1820 à atualidade

Foi em 1715, reinava D. João V, que o primeiro jornal oficial português iniciou a sua publicação, com o nome Gazeta de Lisboa, convertendo-se no principal periódico de informação política portuguesa entre 1715 e 1820. Contudo, o seu nome foi sendo alterado ao longo dos anos.

NOTÍCIAS DO ESTADO DO MUNDO
[GAZETA DE  LISBOA]
Num. 1, Sabbado, 10 de Agosto de 1715

Estreou-se com o título Notícias do Estado do Mundo, sintetizando com bastante rigor a sua matéria: pequenas notícias sobre as principais cortes europeias, as famílias reais, os príncipes da igreja, as guerras, os tratados, as bulas, etc. Portugal não era sequer objecto de um tratamento especial [https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/efemerides/gazetadelisboa/GazetadeLisboa_1.htm].

O seu redator era José Freire de Monterroio Mascarenhas (1670-1760), que dirigiu o jornal até à sua morte, em 1760 (Obras digitalizadas de Mascarenhas, José Freire de Monterroio, https://bndigital.bnportugal.gov.pt/indexer/index/reservManuscritos/aut/PT/81141.html).

Outros redatores: Correia Garção; Félix António Castrioto; Fortunato de S. Boaventura; José Agostinho Macedo; Pierre Lagarde; Francisco Soares Franco; Joaquim José Pedro Lopes; Diogo Góis Lara de Andrade; José Luis Pinto Queirós; José Liberato Freire de Carvalho e António Vicente Della Nave. 

D. João V queria ver representados no periódico “oficial” da corte o seu ambiente, a ordem, as cerimónias e as hierarquias, numa obsessão pela ordem social que não podia ser desestabilizada: A importância da questão da nomeação das diferentes hierarquias sociais (leis dos «tratamentos») e das questões de precedência no reinado de D. João V encontra uma tradução muito
visível no periódico. Concebido como a encenação de um desfile de personagens públicas, o trabalho de redacção parece viver
obcecado com a hierarquia e com a correcta nomeação das personagens. (Belo 2001: 111).

Foi a partir da revolução liberal de 1820 e da luta entre absolutistas e liberais, que a Gazeta de Lisboa se começou a valorizar.

Entre 16 de setembro e 31 de dezembro de 1820 publicou-se simultaneamente a Gazeta de Lisboa e o Diário do Governo, fundindo-se num só jornal em 1 de janeiro de 1821 com o nome de Diário do Governo, até 10 de fevereiro desse ano.

DIARIO DO GOVERNO
Num. 1, SEGUNDA FEIRA 1.º DE JANEIRO DE 1821

Publicou-se com este título entre 16 de setembro de 1820 e 10 de fevereiro de 1821

Começou a ser publicado a 16 de outubro de 1820, por iniciativa da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, resultante da junção dos órgãos governativos que se constituíram no Porto e em Lisboa, após a revolução de Agosto. 

No dia 30 de dezembro de 1820, o redator da Gazeta informa-nos acerca da mudança do seu título, apresentando-nos uma publicação em que é notória a preocupação com a verdade e utilidade das informações que surgem neste jornal:

“Esta he a ultima folha deste periodico com o titulo de Gazeta de Lisboa, em lugar da qual fica o Diario do Governo, de que hoje
se dá hum exemplar do deste dia a todos os subscriptores da Gazeta, para poderem formar idéa da nova e mais ampla forma
que ella vai ter, e de quanto a folha do Governo se tornará mais interessante, e mais digna desta illustre Nação, á qual comunicará tudo o que em noticias politicas, e mesmo litterarias e scientificas, segundo a occasião se offerecer, se possa publicar como proprio para illustrar o publico; sendo principal objecto o que pertencer ao nosso paiz, não desdenhando mesmo o Redactor quaesquer noticias de ponderação e utilidade, que de qualquer parte do Reino lhe sejão transmittidas por pessoas fidedignas e de conhecimentos, cujos nomes e letra possa verificar em Lisboa declarando as mesmas cartas a quem para isso poderá dirigir-se, e vindo francas de porte. (GL nº 313, 30 de dezembro de 1820: [I]).


Desde então, reflectindo o período conturbado que se vivia, passa por diversas designações:

Diário da Regência (de 12 de Fevereiro a 4 de Julho de 1821);
Diário do Governo (de 5 de Julho de 1821 a 4 de Junho de 1823);
Gazeta de Lisboa (de 5 de Junho de 1823 a 24 de Julho de 1833);

GAZETA DE LISBOA
N.º 132, Quinta Feira, 5 de Junho de 1823

Publicou-se com este título entre 5 de junho de 1823 e 23 de julho de 1833. Para assinalar a restauração do regime absolutista, os miguelistas decidiram recuperar o título original da publicação.

Sendo a Gazeta de Lisboa o órgão oficial do regime, não surpreende que atravesse a quase totalidade da duração do Cerco do Porto veiculando a perspetiva do governo absolutista, dando o apoio incondicional à causa de D. Miguel e transmitindo desdém perante o atrevimento dos liberais na sua luta. Esta posição vincada do periódico inverter-se-ia aquando da mudança de regime, que se verificaria em finais de julho de 1833, quando os liberais tomam as rédeas do poder.

Durante a década de governação miguelista, foram redatores da GazetaJosé Luíz Pinto QueirozJosé Liberato Freire de Carvalho (1772-1855), António Vicente Dellaneve. Como oficina tipográfica era referida a «Impressão Régia».

[José Luíz Pinto Queiroz Oficial da secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros desde 1824. Já tinha sido oficial maior da Junta Provisória do Governo Supremo, instalada no Porto em 24 de agosto de 1820. Exerceu o cargo de redator da Gazeta de Lisboa, na vaga deixada pela exoneração de Joaquim José Pedro Lopes. Morreu no exílio em 1834.

José Liberato Freire de Carvalho Exerceu as funções de deputado às Cortes e de redator do jornal oficial, a Gazeta de Lisboa. Foi um dos editores dos jornais da emigração liberal portuguesa em Londres e é autor de uma extensa obra sobre a história política de Portugal e da Europa. Foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa em 14 de dezembro de 1836.

(Gregório Francisco de Queirós (1768-1845) – http://purl.pt/4314/1/e-146-v_JPG/e-146-v_JPG_24-C-R0072/e-146-v_0001_1_p24-C-R0072.jpg . Biblioteca Nacional de Portugal)

António Vicente Dellaneve Inocêncio cita-o como redator da Gazeta, no período dos cinco anos que durou o Governo de D. Miguel]. 

Crónica Constitucional de Lisboa e depois apenas Crónica de Lisboa (de 25 de Julho de 1833 a 30 de Junho de 1834);
Gazeta Oficial do Governo (de 1 de Julho a 4 de Outubro de 1834);
Gazeta do Governo (de 6 de Outubro a 31 de Dezembro de 1834);
Diário do Governo (de 1 de Janeiro de 1835 a 31 de Dezembro de 1859);

Só a partir de 1859, é que o periódico oficial ficou, de facto, sob tutela da administração do Estado.


Diário de Lisboa (de 1 de Janeiro de 1860 e 31 de Dezembro de 1868);
Diário do Governo (de 1 de Janeiro de 1869 a 9 de Abril de 1976);
Diário da República (desde 10 de Abril de 1976).

DIÁRIO DA REPÚBLICA. I SÉRIE
Numero 86, Sábado 10 de Abril de 1976

Publicou-se com este título, em 3 séries, desde 10 de abril de 1976 até 29 de dezembro de 2006

A 9 de abril de 1976, antecipando por um dia a publicação da nova Constituição e dando cumprimento ao que nela estava consagrado, o Gabinete do Ministro da Administração Interna decretou a mudança de título do jornal oficial para Diário da República. (decreto-lei n.º 263-A/76) O diploma, que teve a aprovação do Conselho de Ministros, foi publicado no mesmo dia, no suplemento do Diário do Governo n.º 85. Na edição seguinte, sem interromper a contagem anual dos números, o jornal oficial assumiu o seu novo título, que se manteve até ao presente [https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/efemerides/gazetadelisboa/GazetadeLisboa_22.htm].

 É atualmente publicado, em duas séries, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, em formato digital, na Internet, no endereço https://dre.pt/

Queda do império napoleónico e o Congresso de Viena.

No dia 2 de janeiro de 1815 a Gazeta de Lisboa expressava o sentimento geral de satisfação que existia na Europa face à queda do império napoleónico e às expetativas que trazia o Congresso de Viena:

“Começa finalmente hum ano de paz, depois de tantas e sanguinozas guerras; respira a humanidade, tanto tempo opressa pela tyrannia; e se o anno passado há de ser eternamente memorável pelo estrondo das victorias que conquistarão a paz da Europa, desthronárão o Despota, e restituírão os thronos aos legítimos Soberanos, não o ficará sendo menos o presente pelo complemento que a esta grande obra hão de pôr os Monarcas por meio do Congresso de Vienna, cujas decisões acertadas esperamos satisfarão a toda a família Européa” (1).

A Batalha de Waterloo, em junho de  1815 (este confronto marcou o fim dos Cem Dias, período do retorno do imperador francês Napoleão I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba), marcaria definitivamente o fim da Era Napoleónica causando, de modo consequente, mudanças políticas, sociais e económicas em toda a Europa. Um acordo entre os países vencedores (Império Austríaco, Império Russo, Prússia e Grã-Bretanha) contribuiu para o restabelecimento da paz e estabilidade política na Europa.

The Battle of Waterloo
William Sadler II (c. 1782 – 1839)
Oil on canvas in its original plaster frame
81 x 177 cm

No Congresso de Viena (entre 11 de novembro de 1814 e 9 de junho de 1815) reorganizaram-se as fronteiras europeias afetadas pelas conquistas de Napoleão, restauraram-se «as velhas casas dinásticas», procurando-se um «equilíbrio geoestratégico entre um Directório ou Pentarquia de potências» (2).

Le congrès de Vienne.
ISABEY Jean-Baptiste (1767 – 1855)
 Musée du Louvre

A expansão napoleónica pela Europa revelara-se um perigo para o sistema legitimista, confessional e aristocrático, uma ameaça para a Europa dos Reis.

Deste modo, o Congresso de Viena teve três objetivos fundamentais, necessários para se estabelecer um equilíbrio entre as grandes potências vencedoras de Napoleão[1]:

1) a restauração do Antigo Regime e do absolutismo: grande preocupação das monarquias absolutistas uma vez que se tratava de recolocar a Europa na mesma situação política em que se encontrava antes da Revolução Francesa dado que esta havia terminado com os privilégios reais e instituído o direito legítimo de propriedade aos burgueses;

2) o regresso das dinastias depostas pela política expansionista de Napoleão Bonaparte, defendido sobretudo por Talleyrand que garantia com isso o retorno dos Bourbon ao poder com a aprovação dos vencedores. Assim, após 1815, voltam a subir ao trono os Bourbon em Nápoles e em Espanha, a dinastia de Orange nos Países Baixos, assim como se mantem a dinastia dos Habsburgo, em Viena, símbolo da ordem tradicional do Antigo Regime. Em Portugal, os Bragança tinham transferido a corte portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807 de onde regressam em 1820;

3) o restabelecimento do equilíbrio político-militar entre os estados europeus, embora com ascendência de uns face a outros, promoveu a preservação da paz.

Houve uma tentativa de retorno à velha ordem, patente, por exemplo, na reação conservadora que se encontra manifestada nas proposições de F. K. von Savigny (1789-1861) e na sua Escola do Direito Histórico definidora da tradição e do carácter sagrado do passado e contrária ao desvio da evolução natural por qualquer alteração brusca ou de qualquer reforma[2]. Segundo René Rémond, “Na nova Europa já não se pensa na República e o princípio da legitimidade monárquica triunfa inequivocamente. É dele que se reclamam os doutrinários da restauração, os filósofos da contra-revolução, os Burke, os Maistre, os Boland, os Haller. É igualmente nesta noção de legitimidade que se inspiraram os diplomatas que, em Viena, recompõem os territórios”[3].

Este princípio de legitimidade vai estar subjacente ao pensamento contrarrevolucionário e à política dos regimes conservadores. A Santa Aliança, acordo entre as três grandes potências cristãs da Europa (Império Russo, Prússia e Império Austríaco), criada após o Congresso de Viena, e assinado em 26 de setembro de 1815, em Paris, teve como intenção a manutenção de um acordo mútuo entre soberanos, e em relação aos seus súbditos, no sentido da manutenção da fé cristã. Mas tal aliança veio a funcionar como bloqueadora do avanço de novos focos revolucionários nas décadas seguintes.


[1] Veja-se DUROSELLE, Jean Baptiste – A Europa de 1815 aos nossos dias: vida política e relações Internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976, pp. 4 e ss.; CORREIA, Maldonado – “O Congresso de Viena – Fórum da Diplomacia Conservadora no Refazer da Carta Europeia”. In Nação e Defesa, Ano XIX, nº 69, jan-mar 1994, pp. 40-41.

[2] Veja-se COSTA, Alexandre Araújo – Hermenêutica e método: diálogo entre a hermenêutica filosófica e a Hermenêutica Jurídica.Tese de Doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2008,cap. III, secção 2 (Do historicismo ao conceitualismo: Savigny); RÉMOND, René – Introdução à História do Nosso Tempo: Do Antigo Regime aos Nossos Dias, Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 139-141.

[3] RÉMOND, René – ibidem, p. 140.

(1) Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5.

(2) SARDICA, José Miguel – A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, p. 55.

Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815
Gazeta de Lisboa, 2 de janeiro de 1815, p. 5