Na Europa dos anos 30, devido à expansão do liberalismo e nacionalismo como ideologias, renovavam-se os conceitos de liberdade e de revolução, opondo-se totalmente à restauração da Santa Aliança idealizada por Metternich e pelo czar Alexandre I, e à política representada por D. Miguel em Portugal.
Esta viragem na política europeia, iniciada com as revoluções de julho de 1830 em Paris, é consumada quatro anos depois com o Tratado da Quádrupla Aliança, assinado em Londres no dia 22 de abril de 1834.
À conjuntura política cada vez mais fortalecida por agentes externos, que pretendiam instalar no país instituições parlamentares, junta-se a ação da Maçonaria e da Imprensa escrita, ligada aos intelectuais e burgueses emigrados, no sentido da capitulação do regime miguelista.
Associado às alterações políticas externas e à falta de apoio interno, encontrámos referências à falta de competência de muitos que se encontravam junto deste rei, tornando-se um handicap em diversas questões políticas e militares. O próprio D. Miguel, no protesto de 1 de janeiro de 1836, esclarecia que, a Convenção de Évora Monte tinha sido, acima de tudo, uma capitulação militar imposta pela lei dos mais fortes.
Publicava-se no periódico Chronica Constitucional de Lisboa do dia 29 de novembro de 1833 que,
“O General Bourmont dirigiu aos seus amigos uma memoria, datada de Alcantara, onde se acha detido pelas Authoridades Hespanholas, na qual justifica a sua conducta Militar em Portugal, attribuindo todos os desastres que occorreram durante a Campanha, á inexperiencia ou desafeição dos Generaes Portuguezes (Le Temps)”[1]
Como refere António Ventura, talvez por falta de fidelidade ao rei,
“… alguns chefes militares miguelistas contactaram em segredo os seus congéneres liberais. A 22 de Maio, o general Azevedo Lemos escreveu ao duque da Terceira, que marchava sobre Estremoz, e ao marechal Saldanha, que avançava em direcção a Évora, propondo-lhes um cessar-fogo e uma conferência, o que foi aceite. As negociações tiveram lugar em Évora Monte entre os três generais. A 26 de Maio foi assinado o documento que ficou conhecido com o nome de «Convenção de Évora Monte», que pôs fim à Guerra Civil, mas que ao qual os liberais sempre chamaram «concessão»”[2].
O testemunho do carlista Auget de St. Sylvan, barão de los Valles reflete essa mesma falta de apoio imparcial a D. Miguel, referindo que o rei se rodeava de «conselheiros pérfidos e pusilânimes». Nas suas palavras:
“O general Lemos, na qualidade de comandante em chefe do exército miguelista, recebeu o encargo de ajustar as condições daquela capitulação, e para esse fim passou ao quartel general do Duque da Terceira. O referido mandatado cedeu em tudo quanto se lhe indicou, até o despojar o seu dono do título de infante de Portugal”[3]
No periódico O Conimbricense, Joaquim Martins de Carvalho, escreve um artigo intitulado Coimbra, Reflexões Politicas, onde reflete sobre o tipo de homens que rodeavam D. Miguel. No seu ponto de vista, D. Miguel rodeava-se em geral de «homens violentos de caracter, atrabiliarios e vingativos». Martins de Carvalho refere que,
“… D. Miguel, em vez de dar ao seu partido e ao seu exercito um caracter puramente nacional; mostrando que as capacidades do paiz estavam em grande maioria pelo seu lado, em quanto que o partido liberal precisava de recrutar regimentos no estrangeiro e fazer commandar o seu exercito por um estrangeiro; não quis deixar de praticar idêntico desatino. Para isso fez vir de França o marechal Bourmont, os generaes Clouet, Almer, Larochejaquelein, […]. Em particular Bourmont era um caracter infamado pela ignóbil traição que tinha feito a Napoleão, desertando cobardemente na véspera da batalha de Waterloo para o exercito inglez. […] e de 1832 a 1834 era uma guerra civil, em que D. Miguel devia mostrar, que só por si podia vencer o partido liberal, que havia desembarcado no Mindello apenas com 7:500 homens”[4]
A derrota miguelista na batalha da Asseiceira (16 de maio de 1834) teria desmotivado muitos oficiais levando-os ao abandono da causa absolutista. O próprio coronel dos dragões de Chaves[5], que era compadre de D. Miguel, e lhe devia muitos favores, desertou com quase todo o regimento, indo apresentar-se ao marechal Saldanha.
No dia 26 de maio de 1834, em Évora Monte, sucumbe o governo absolutista de D. Miguel.
A Convenção contém nove artigos: 1.º concede amnistia a todos os delitos políticos cometidos desde 31 de julho de 1826; 2.º permite a livre saída de Portugal a todos os amnistiados; 3.º garante aos militares os postos legalmente adquiridos; 4.º dispõe que com os funcionários civis e eclesiásticos haja a consideração que merecerem por seus serviços e qualidades; 5.º estabelece a dotação anual de 60.000$000 réis ao infante D. Miguel; 6.º permite que o infante embarque no porto que escolher com a devida segurança para a sua pessoa e comitiva; 7.º presume a obrigação de D. Miguel sair do reino no prazo de quinze dias com a declaração de não voltar mais à península; 8.º estabelece que as tropas miguelistas entregarão as armas no depósito que for indicado; 9.º dispõe que os regimentos e corpos de serviço de D. Miguel se dissolvam pacificamente.
A estes artigos foram aditados mais quatro: o1.º e 2.º direcionados às autoridades que ainda reconhecessem a autoridade do infante, para que fosse dada imediata ordem para se submeterem ao governo da rainha D. Maria II; o 3.º marcando o dia 30 para D. Miguel sair de Évora para o porto de Sines, onde devia embarcar, e por fim, o 4.º fixando o dia 31 para a entrega das armas no seminário de Évora.
Intervenientes na Convenção de Évora Monte:
António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha (1792 – 1860), 7.º Conde de Juro e Herdade, 1.º Marquês de Vila Flor e ainda 1.º Duque da Terceira; Francisco Vaz Pereira Pinto Guedes (1814 – 1835), 3.º visconde de Monte Alegre, Capitão do exército miguelista; João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun (1790 – 1876), 1.º conde, 1.º marquês e 1.º duque de Saldanha, Marechal de Campo do exército pedrista e deputado na Câmara dos Deputados; José de Sousa Pereira de Sampaio Vaía (1790 – 1847), 2.º visconde de Santa Marta, Marechal de Campo do exército miguelista até fevereiro de 1833; D. Pedro de Sousa Holstein, 1.º Duque de Palmela, (1781 – 1850), Ministro do Reino e Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Regência, e Presidente do Conselho de Ministros de Portugal no I Governo da Monarquia Constitucional; Martinho Correia de Morais e Castro (1771 – 1833), 1.º visconde de Azenha, Marechal de Campo do exército miguelista até janeiro de 1832.
D. Miguel morre no exílio, em Bronnbach (Alemanha), no ano 1866, sem poder voltar a Portugal (pela Carta de Lei de 19 de dezembro de 1834, foi proibido de regressar a Portugal).
A 5 de abril de 1967, chegam a Lisboa em aviões da Força Aérea Portuguesa, os restos mortais do rei D. Miguel I e de sua esposa, a Princesa Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg. Os despojos reais foram acolhidos em São Vicente de Fora, no Panteão da Dinastia de Bragança[1]. No 6 de abril de 1967, o periódico Diário da Manhã publicava um artigo, cujo título era Chegaram a Terra Portuguesa os Restos Mortais de D. Miguel, e que começava do seguinte modo: “DIA histórico o de ontem, em que D. Miguel 1, o mais português dos nossos Reis, regressou à Pátria que o banira, entre o respeito do povo que o vtu passar, enternecido, a caminho da sua Jazida de S. Vicente, aquela que já agora será a sua última morada até ao dia da Ressurreição dos mortos”.
Após a leitura do Evangelho, subiu ao púlpito o Padre jesuíta Domingos Maurício, que prestou uma sentida homenagem à memória de D. Miguel: “No desterro imposto pelas contingências políticas obscureceu-se a lembrança das vossas benemerências nacionais […]. Surgiu, enfim, o momento redentor, a hora da reparação sincera, que vos reintegra no lugar que vos compete na tessitura histórica de Portugal”[a]
Fica uma breve curiosidade em relação aos restos mortais de D. Pedro. Em março de 1972, os seus restos mortais, por decisão do Governo Português e a conselho de D. Filipa de Bragança (1905–1990), deixaram o Panteão da Dinastia de Bragança, e atravessando o Atlântico foram repousar no Monumento do Ipiranga, em São Paulo, Brasil.
[a] CUNHA, José Correia da, (P.) – “Sono Final, No Solo Pátrio… Bem Merecido Pelo Homem Rei, Como Cristão E Como Português…”. [Consultado 10 janeiro 2017]. Disponível na internet em: <http://realbeiralitoral.blogspot.pt/2012/11/ > .
[1] Chronica Constitucional de Lisboa, nº 109,de 29 de novembro de 1833, p. 4.
[2] VENTURA, António – As Guerras Liberais 1820-1834. Lisboa: QuidNovi, 2008, p. 119.
[3] VENTURA, António (selec. textos, pról. e introd.); FERREIRA, Filipe Moura (ed. lit.). – D. Miguel e o fim da guerra civil: testemunhos, p. 112 (Capítulo II – O testemunho do carlista Auget de St. Sylvan, barão de los Valles).
[4] Coimbra, Reflexões Politicas, artigo de Joaquim Martins de Carvalho. In O Conimbricense, nº 3373, de 29 de novembro de 1879, pp. 1-2.
[5] A designação de Regimento de “Dragões de Chaves” remonta a 1754, simultaneamente com a criação do Regimento de Cavalaria Ligeira de Bragança. Veja-se DRAGÕES D´ENTRE DOURO E MINHO [Consultado 12 setembro de 2016]. Disponível na Internet em: <https://www.exercito.pt/pt/quem-somos/organizacao/ceme/cft/brigint/rc6>




