Jesuítas Matemáticos Portugueses no Império da China (século XVI-XVIII)

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Nos séculos XV e XVI desenvolveram-se em Portugal os meios técnicos necessários que possibilitaram as grandes navegações, as quais, por sua vez, vieram a permitir progressos científicos notáveis nos mais variados domínios, com destaque para a Náutica, a Cartografia, a Construção Naval, a Medicina e a Botânica.

As viagens dos Descobrimentos obrigaram os portugueses a considerar o regime dos ventos e das correntes no Atlântico e a desenvolver a náutica astronómica, isto é, a capacidade de conhecer a posição aproximada dos navios em alto mar.

Para esse feito utilizaram-se instrumentos de observação astronómica como o quadrante e o astrolábio náuticos ou ainda a balestilha, que permitiam determinar a altura de um astro sobre o horizonte e dessa forma calcular a latitude do lugar onde se realizava a observação.

Lisboa tornou-se no centro de intercâmbio científico entre os Colégios Europeus e as missões orientais.

Quase todos os professores que passaram por Lisboa estudaram no Colégio Romano, acompanhando de perto as grandes descobertas e as grandes polémicas científicas da época.

Os mais preparados davam aulas no Colégio de Santo Antão e traziam as novidades científicas mais recentes.

Conteúdos ensinados no Colégio Santo Antão-o-Novo
Fotografia: Francisca Branco Veiga

Entrada dos Matemáticos no Império da China

Três dos Imperadores da Dinastia Qing
Imperador Kangxi
Imperador Yongzheng
Imperador Qianlong
Palácio Imperial da Dinastia Qing em Shenyang, com  114 edifícios, construídos entre 1625-26 e 1783. 

Através de um grande esforço de aproximação, do fomento desse intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China.

Na China, todos os nobres, incluindo os imperadores, se espantavam com as novas ideias ocidentais. Mais importante, a explicação exata da regularidade astronómica e do calendário foram algumas das eficazes ferramentas simbólicas que ajudaram o governo Qing a estabelecer o poder no país.

No dia 1 de agosto do 1º ano do reinado de Shun Zhi (1644 AD), o calendário tradicional chinês (Calendário Dai Tong) foi declarado inexato.

Adam Schall (1591 – 1666) astrónomo e matemático, fez a sugestão ao Imperador de que calculasse o calendário usando os novos instrumentos astronómicos ocidentais que foram logo feitos entrar no Palácio Qing pelo portão principal.

Retrato do jesuíta alemão Johann Adam Schall von Bell (1592–1666),
missionário na China (dinastias Ming e Qing) de 1622 até sua morte em 1666.

No ano seguinte, o governo Qing revelou ao público o “Calendário Shi Xian” que tinha sido estabelecido por Adam Schall, a quem foi atribuído o título de “Tou Xuan” (Mestre) pelo Imperador Shun Zhi.

Ferdinand Verbiest (1623 – 1688) recorreu a um quadrante, um sextante, um altazímute, um nível equatorial e outros instrumentos ocidentais, reproduzidos das ideias de Kepler, para calcular com exatidão o primeiro dia da Primavera. 

Ferdinand Verbiest foi nomeado para tratar dos assuntos do “Qin Tian Jian” (Tribunal das Matemáticas) e encarregou-se prontamente de desmantelar o Observatório Astronómico de Pequim, que incluía equipamento das anteriores dinastias Yuan e Ming, substituindo tudo por avançados instrumentos produzidos sob a sua direção.

Um retrato de Ferdinand Verbiest (9 de outubro de 1623 – 28 de janeiro de 1688),
missionário jesuíta flamengo na China durante a dinastia Qing.

Portugueses no Tribunal das Matemáticas

Observatório Astronómico de Pequim,
gravura do século XVIII

Entre 1583 e 1805, portugueses presidiram, em Pequim, ao célebre Tribunal das Matemáticas – uma espécie de Ministério do Interior encarregue de elaborar o Calendário Imperial e que empregava 150 a 200 funcionários.

Sobre a atividade científica dos portugueses em Pequim escreve Francisco Rodrigues:

“Matheus Ricci, auxiliado pela dedicação de tantos portugueses como Duarte Sande, António de Almeida, Francisco Cabral, João Soeiro, João da Rocha, Gaspar Ferreira e Manuel Dias, sénior, chegou a gozar de tamanha reputação pela sua ciência que julgava a sua permanência segura no Celeste Império.”

Menos de dois anos antes da sua morte (1610), escrevia com satisfação neste sentido:

“Sobretudo pelos mapas e livros que estampámos, da nossa Matemática e pelas muitas novidades nesta matéria, até hoje desconhecidas da China e por nós ensinadas, nos dão o maior crédito em assuntos matemáticos e nos guardam respeito extraordinário, O que porém mais os impressiona, por ser cousa nunca ouvida entre eles desde que há memória, é o terem vindo à China estrangeiros, que lhes possam ser mestres em todas as ciências com tão grande superioridade.”

Alguns portugueses Presidentes do Tribunal das Matemáticas

Gabriel de Magalhães – An Wensi, Jingming

Manuel Dias Júnior – Yang Manuo, Yenxi

Tomás Pereira – Xu Risheng, Yingong

João Francisco Cardoso – Mai Dacheng, Ershang

Félix da Rocha – Fu zoulin, Lisi

André Rodrigues – An Guoning, YongKang

O jesuíta Tomás Pereira jaz agora nos jardins da embaixada portuguesa em Pequim.
Trata-se de um desenho do relógio que Tomás Pereira fabricou para a torre de uma igreja, em Pequim.
Introduziu no interior da torre um tambor com espigões, semelhantes aos das caixas de música, que acionavam arames ligados aos badalos de um carrilhão o qual, a todas as horas, tocava músicas tradicionais chinesas.

Vários mandarins chineses aconselharam os astrónomos portugueses a adotarem o traje dos letrados chineses, pois passariam a usufruir do estatuto dos Letrados, o que reforçaria grandemente a sua posição e credibilidade tanto junto dos mandarins como junto das populações.

Traje do Astrónomo chinês em 1675

Portugal – China: Encontro de Culturas

Através de um grande esforço de aproximação, do fomento do intercâmbio científico e de uma missionação empenhada, os missionários portugueses da Companhia de Jesus desempenharam um papel importante, a partir dos finais do século XVI e, em especial, durante o século XVII, na aproximação cultural entre Portugal e a China.

Alguns destes missionários da Companhia de Jesus foram nomeados mandarins pelos Imperadores da China como recompensa pelos seus méritos científicos e pedagógicos. Entre eles destacamos: Padre Gabriel de Magalhães; Padre Manuel Dias Júnior; Padre Tomás Pereira; Padre João Francisco Cardoso; Padre André Pereira; Padre Domingos Pinheiro; Padre Félix da Rocha; Padre José de Espinha; Padre André Rodrigues.