Revolução Liberal do Porto, 24 de agosto de 1820

Alegoria da Revolução Liberal do Porto: a Liberdade esmaga sob seus pés a tirania e soldados e a população carregam bandeiras pedindo “Constituição”.

Após 1815, aumentava a pobreza, a ruína agrícola e industrial. O colapso nas rendas públicas teve como consequência atrasos nos pagamentos aos funcionários públicos e militares, a miséria e o desemprego. Esta situação levou à Conspiração de Lisboa em 1817, liderada pelo General Gomes Freire de Andrade, Grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (1815-1817), que teve como objetivo da conjura a substituição de D. João VI que se encontrava no Brasil pelo duque de Cadaval[1], “… reformar abusos, cohibir um governo injusto, dispotico, absurdo; salvar a Patria já quasi sepultada no abismo, &c…”[2], e à Revolução do Porto de 24 de agosto de 1820, que já teve o cunho liberal.

A Revolução de 1820, que já vinha imbuída deste conjunto de antecedentes[3], aos quais podemos adicionar outros eventos como a fundação do chamado “Sinédrio” (Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho, José Ferreira Borges e João Ferreira Viana), e que tinha como finalidade a consolidação do Exército Português no país, e a Revolução de 1820 na Espanha que restaura, em março, a Constituição liberal de Cádis (1812), evidenciava uma viragem na mentalidade das elites portuguesas, só quebrada no período de 1829-1834, período do absolutismo miguelista.

Imagem de alguns dos fundadores do Sinédrio:
Manuel Fernandes Tomás
José Ferreira Borges
José da Silva Carvalho

Às oito horas da manhã do dia 24 de Agosto de 1820, os revolucionários reuniram-se nas dependências da Câmara Municipal do Porto, e aí constituíram a “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino”. Manuel Fernandes Tomás foi o redator do Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino aos Portugueses, no qual se davam a conhecer à nação os objetivos do movimento.

Pormenor de Manuel Fernandes Tomás (1771-1822), numa luneta evocativa das Cortes Constituintes de 1820 no Palácio de São Bento, por Veloso Salgado.
Sala das Sessões
Vista da Sala das Sessões a partir das galerias, Miguel Saavedra, 2010

A Junta do Governo Provisório do Reino emitiu, inclusive, um Manifesto da Nação Portugueza aos Soberanos, e Povos da Europa, no qual pretendeu tornar relevante os elos de relacionamento com as diversas monarquias. Enumerando as motivações que presidiram ao desenrolar do movimento revolucionário no país, afirmam:

«A Naçaõ Portugueza, animada do mais sincero e ardente desejo de manter as relações politicas e comerciaes, que até agora a tem ligado a todos os Governos e Povos da Europa; e tendo ainda mais particularmente a peito continuar a merecer na opiniaõ, e conceito dos homens illustrados de todas as Nações a estima e consideração, que nunca se recusou ao caracter leal e honrado dos Portuguezes: julga de indispensavel necessidade offerecer ao publico a sucinta, mas franca exposiçaõ das causas que produziraõ os memoraveis acontecimentos ha pouco succedidos em Portugal».

A bandeira da revolução chega a Lisboa no dia 15 de setembro.

As notícias chegam ao Brasil, onde se encontrava o rei D. João VI e toda a Corte portuguesa, em outubro. Sobre o assunto, Flávio José Gomes Cabral menciona que,

“No dia 22 de outubro de 1820 atracava no porto recifense o paquete inglês Cresterfiel, trazendo as recentes notícias sobre uma revolução iniciada na cidade do Porto no dia 24 de agosto, a qual havia dado início a um movimento de caráter constitucionalista que exigia, entre outras medidas, a convocação de cortes, o que de certa forma punha em xeque a monarquia absoluta”[4].

A 23 de setembro de 1822 foi promulgada a Constituição Portuguesa que se afastava frontalmente do regime absoluto ao criar um sistema de poderes tripartido, com a independência dos três poderes políticos separados (legislativo, executivo e judicial), o que contrariava os princípios básicos do absolutismo que concentrava os três poderes na figura do rei .


[1] Opinião de PEREIRA, Ângelo – D. João VI Príncipe e rei: a retirada da família real para o Brasil, 1807. Lisboa: Imprensa Nacional de Publicidade, 1943, p. 144.  Apud VENTURA, António – ibidem, 2013, pp. 90-93.

[2] Pretendiam também a reunião das cortes, uma Constituição e a eleição de um rei constitucional. FREITAS, Joaquim Ferreira de – Memoria sobre a conspiração de 1817: vulgarmente chamada a conspiração de Gomes Freire. Londres: Ricardo e Artur Taylor, 1822, p. 70.

[3] Teve como antecedentes: a invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas, em 1807; a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821); a assinatura do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, no dia 28 de janeiro de 1808 e o posterior Tratado de Comércio e Navegação assinado entre Portugal e a Grã-Bretanha em 19 de fevereiro de 1810; situação de miséria económica em Portugal, com fábricas em declínio, a agricultura em decadência, que levou a um colapso das rendas públicas e a miséria social.  Mas também contribuíram para esta Revolução Liberal do Porto, uma oposição à influência inglesa nos assuntos internos do Estado; a Conspiração de Lisboa de 1817; a fundação do chamado “Sinédrio”, integrado por alguns maçons, e que tinha como finalidade a consolidação do Exército Português no país; e a Revolução de 1820 na Espanha que restaura, em março, a Constituição de Cádis (1812), e que servia de exemplo para Portugal instalar os ideias do liberalismo. Veja-se VARGUES, Isabel Nobre – “O processo de formação do primeiro movimento liberal: a Revolução de 1820”. In MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, pp. 45-63.

[4] CABRAL, Flávio José Gomes – “Vozes Públicas: as ruas e os embates políticos em Pernambuco na crise do Antigo Regime português (1820-1821)”. In SÆCULUM: Revista de História, nº13, (jul./ dez. 2005), pp. 63-64.