As pinturas relativas ao ciclo da vida de Santo Inácio que ligam o Noviciado da Cotovia à Igreja de São Roque

Em Lisboa, no Largo Trindade Coelho, ergue-se a Igreja de São Roque, antiga Casa Professa da Companhia de Jesus, onde os Jesuítas exerceram a sua missão durante mais de dois séculos, até à sua expulsão de Portugal, em 1759. Esta foi a primeira igreja jesuíta em território português e uma das primeiras em todo o mundo.

No ambiente singular da sacristia da Igreja de São Roque, encontram-se catorze pinturas que narram a envolvente história do Ciclo da Vida de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.

Estas obras têm por base as gravuras da obra Vita Beattii Patris Ignatii Loyolae Religionis Societatis Iesu Fundatoris ad Vivum Expressa ex ea quam, da autoria do padre jesuíta Pedro de Ribadeneira, publicada em 1610, em Antuérpia, por Cornelis Galle. A edição inclui dezasseis buris produzidos por Cornelis e Theodore Galle, bem como por Adrien e Johann Collaert e Charles de Mallery.

De acordo com diversos historiadores de arte, seis destas pinturas poderão ser atribuídas a Domingos da Cunha, conhecido como o Cabrinha, artista jesuíta com obra reconhecida. Apresentam semelhanças compositivas e técnicas que sugerem terem sido reaproveitadas para São Roque, ou então executadas especificamente do antigo Noviciado da Cotovia. Apesar das dúvidas e críticas que persistem quanto à montagem e autoria, estas telas mantêm-se como peças centrais para a compreensão da história do Noviciado e do valioso espólio jesuíta que chegou até nós — mas também da própria história da arte sacra em Portugal.

As seis obras atribuídas a Domingos da Cunha são:

  • Quadro nº 3: Santo Inácio entrega as roupas a um pobre
  • Quadro nº 4: Santo Inácio no Monte Olivete, Jerusalém
  • Quadro nº 5: O senador Trevisano descobre Santo Inácio adormecido sob as arcadas de S. Marcos, em Veneza
  • Quadro nº 9: O O Papa Paulo III aprova a Companhia de Jesus
  • Quadro nº 13: O rapto de Santo Inácio em Manresa
  • Quadro nº 14: Ao ouvir um sermão, saem raios da cabeça de Santo Inácio

Este conjunto artístico constitui um dos mais expressivos testemunhos do legado jesuíta em Portugal, unindo espiritualidade, pedagogia visual e arte barroca numa narrativa que continua a fascinar os visitantes e investigadores.

Planta da Sacristia da Igreja de São Roque. Esquema de @franciscabrancoveiga

Quadro nº3: Santo Inácio entrega as roupas a um pobre

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro nº 4: Santo Inácio no Monte Olivete, Jerusalem

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro n°5: O Senador Trevisano descobre Santo Inácio adormecido debaixo das arcadas de S. Marcos em Veneza.

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro n°9: Paulo III aprova a Companhia de Jesus.

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro n°13: O Rapto de Santo Inácio em Manresa.

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro n°14: Ao ouvir um sermão, saem raios da cabeça de Santo Inácio

Fotografia @franciscabrancoveiga

Quadro: O Senador Marco António Trevisani encontra Inácio de Loyola sob as arcadas de São Marcos em Veneza

Num recente leilão de antiguidades e obras de arte moderna e contemporânea realizado em Lisboa pela Cabral Moncada Leilões, em 3 de dezembro de 2019, foi leiloado um quadro que representa O Senador Marco António Trevisani encontra Santo Inácio de Loyola a dormir sob as arcadas de São Marcos, em Veneza. De acordo com Vítor Serrão, esta obra é atribuída a Domingos da Cunha, pintor da Companhia de Jesus. Segundo Vítor Serrão, a pintura foi executada para a série destinada ao noviciado da Companhia de Jesus, por volta de 1635.

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Como referir este texto:

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VEIGA, Francisca Branco, O Ciclo da Vida de Santo Inácio de Loyola na Sacristia da Igreja de São Roque (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [23 de julho de 2025].

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In VEIGA, Francisca Branco, Noviciado da Cotovia 1619-1759. Ed. Autor, 2025.

Disponível em : https://www.amazon.com/Noviciado-Cotovia-1619-1759-Portuguesa-Portuguese/dp/B0F26LJL35

Exílio e Igreja del Gesù: Os Jesuítas Portugueses em Génova, 1834

A igreja é conhecida como Chiesa del Gesù ou Chiesa dei Santi Ambrogio e Andrea, em referência ao seu fundador do século VI, o bispo Honorato de Milão, que se refugiou em Génova para escapar às perseguições dos lombardos.

O edifício localiza-se numa zona que, durante a Idade Média, era conhecida como o bairro dos vendedores de aves, como testemunha a vizinha Salita Pollaiuoli. Abandonada no século VII pela comunidade milanesa, a igreja foi entregue à Companhia de Jesus no século XVI, sendo reconstruída entre 1552 e 1589.

Localiza-se no coração de Génova, diante da Piazza Matteotti e nas imediações da Piazza De Ferrari. A sua localização central, aliada ao contraste entre a sobriedade da fachada e a monumentalidade do interior, reflete não apenas a importância da presença jesuíta em Génova desde meados do século XVI, mas também a tensão simbólica entre a simplicidade exterior exigida nos primórdios da Companhia de Jesus e a riqueza decorativa que veio a caracterizar os seus espaços litúrgicos.

Após a chegada da Companhia de Jesus a Génova, em 1552, o edifício foi-lhe confiado, tendo sido profundamente reformulado a partir de 1589, com base num projeto de Giuseppe Valeriano, arquiteto jesuíta responsável também pela concepção da Igreja del Gesù Nuovo, em Nápoles. O financiamento da reconstrução esteve a cargo da influente família Pallavicini, cujo apoio consolidou o prestígio da Ordem na cidade.

A planta da igreja foi inspirada no modelo da Santa Maria Assunta em Carignano, obra de Galeazzo Alessi, caracterizando-se originalmente por um traçado quadrado e cinco cúpulas. Estas cúpulas, ou zimbórios, apresentam-se encimadas por lanternas superiores com janelas, frequentemente associadas a um nível inferior de lucarnas, que garantem a iluminação natural do espaço litúrgico. Posteriormente, foi adicionada uma baía junto à entrada principal, o que alterou a configuração original para uma planta rectangular, como é possível observar na gravura publicada por Peter Paul Rubens na sua obra Palazzi di Genova.

O interior da igreja revela um programa iconográfico de grande coerência e riqueza, reunindo obras de figuras centrais do barroco italiano e flamengo. Três obras-primas encontram-se alojadas no seu interior: duas de Peter Paul Rubens — A Circuncisão (1608, no altar-mor) e São Inácio curando uma mulher possuída (terceira capela do corredor esquerdo) — assim como uma de Guido Reni, A Suplição (terceira capela do corredor direito).

A fachada, datada do século XIX, foi reconstruída com base em desenhos de Rubens, após a demolição de uma estrutura que ligava a igreja ao Palazzo Ducale.

Apresenta atualmente um esplendor multicolorido, típico do barroco genovês.

A Partida dos Jesuítas Portugueses para Génova em 1834

Sentindo que o momento de partir finalmente chegara, os missionários jesuítas começaram a organizar cuidadosamente a sua saída de Lisboa, conscientes da delicada situação política que se desenrolava no país. Entre eles destacavam-se os padres Boulogne, Palavicini e o padre superior Delvaux, figuras de grande importância na missão jesuítica portuguesa. Inicialmente, pretendiam embarcar num navio de guerra inglês que se encontrava estacionado no rio Tejo, de modo a acompanhar mais de perto o desenrolar dos acontecimentos políticos e garantir uma saída segura.

No entanto, antes que pudessem seguir esse plano, foram convocados pelo Núncio Apostólico, que os acolheu junto de si durante alguns dias, em ambiente de precaução e cuidado. A autoridade eclesiástica, consciente da delicada conjuntura, solicitou então os seus passaportes junto do governo português e pediu-lhes que o acompanhassem numa viagem discreta e protegida, visando evitar maiores riscos.

Assim, no dia 4 de agosto de 1834, partiram a bordo de um brigue genovês fretado pelo próprio Núncio, rumando para Génova. A viagem durou cerca de duas semanas, e embora tenham chegado às proximidades da cidade a 17 de agosto, só lhes foi possível entrar em Génova no dia 1 de setembro. Segundo registos do padre Carayon, o Superior da Missão Portuguesa nutria inicialmente a intenção de desembarcar num porto espanhol e dali seguir para Coimbra, para se juntar aos religiosos que ainda permaneciam em território português e compartilhar o destino da missão.

Porém, devido à persistência do surto de cólera em Portugal, o capitão do brigue recusou-se a aproximar-se das costas espanholas, temendo o atraso que uma quarentena obrigatória poderia acarretar. Consequentemente, viram-se obrigados a prolongar a viagem e seguir diretamente até Itália, onde finalmente puderam desembarcar com relativa segurança. Desta forma, os jesuítas que partiram de Portugal em 1834 enfrentaram não só os desafios políticos e religiosos da época, mas também os obstáculos sanitários que marcavam o contexto europeu naquele momento, encontrando em Génova um novo ponto de partida para a sua missão.

A presente reportagem fotográfica, da autoria de André Branco Veiga (André Veiga), regista com detalhe a riqueza arquitetónica e artística da Igreja del Gesù, constituindo um complemento visual ao texto apresentado.

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Como referir este texto:

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VEIGA, Francisca Branco, Exílio e Igreja del Gesù: Os Jesuítas Portugueses em Génova, 1834 (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [12 de julho de 2025].

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