O Concílio de Trento serviu-se da paramentaria, da pintura, da escultura e da ourivesaria, para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica, emanando dele decretos e diplomas onde transpareceu uma nova forma de ver a imagem sagrada. Neste Concílio, também se sentiu a necessidade de normalizar a liturgia da missa para eliminar os abusos cometidos na sua celebração, procedendo-se à reforma dos livros litúrgicos. No entanto, como o Concílio se arrastava há já longos anos, os padres conciliares decidiram, na última sessão, incumbir o Papa Pio IV dessa função. Contudo, foi Pio V que realizou tal incumbência, promulgando, em 14 de julho de 1570, através da bula Quo primum tempore,[1]o novo Missal Romano[2]. Foi, durante quatro séculos, considerado pelos sacerdotes do rito latino como norma para a celebração do sacrifício eucarístico. É o livro litúrgico oficial da Igreja. Contém normas gerais sobre o cerimonial litúrgico, bem como as leituras e orações apropriadas para a Missa diária e das festas do ano litúrgico. O Missal Romano é obrigatório para toda a Igreja Latina.
No período anterior ao Concílio de Trento (1545-1563) pouco significado se deu à liturgia. Foi neste Concílio e com os Papas que o executaram (Papa Paulo III, Júlio III, Marcelo II e Pio IV) que se pôs fim aos abusos e se estabeleceram os fundamentos teológicos das ações litúrgicas, uniformizando a liturgia e centralizando toda a legislação na Cúria Romana.
No início da Igreja Católica Romana, a Bíblia era o único livro usado na celebração da missa, podendo o sacerdote improvisar nas orações. Mas, nos séculos V e VI foram surgindo um conjunto de textos escritos ao qual deram o nome de “Sacramentários”[3] e segundo os quais o sacerdote se orientava. Nos séculos XII e XIII, o sacerdote celebrante criou os seus próprios textos, os “Missais Plenários”, que incluíam o livro das leituras e o das orações. Em 1570, após Concílio de Trento, o Papa Pio V publica o Missal ao qual se chamou, desde então, “Missal de S. Pio V”.[4] Com o Concílio Vaticano II, em 1970, deu-se a separação dos livros: missal, lecionários, evangeliário e livros dos cânticos.[5]
Para que houvesse um culto divino digno muitos pontífices romanos, entre eles, Clemente VIII (1592-1605), Urbano VIII (1623-1644), São Pio X (1903-1914), Bento XV (1914-1922), Pio XII (1939-1958) e o Beato João XXIII (1958-1963), mostraram particular atenção à Sagrada Liturgia, para que esta se manifestasse de forma mais eficaz, definindo-a e conservando-a tanto em relação ao Sacrifício da Missa como ao Ofício Divino.
São Pio V (1566-1672), utilizando o Concílio como espaço próprio de renovação e criação de normas, renovou o culto de toda a Igreja, cuidou da correção dos livros litúrgicos e da sua edição segundo “as normas instituídas pelos Padres”.
No Missal Romano, lê-se: as missas de acordo com o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo Pascal e Tempo Comum); o Rito da Missa (Ritos Iniciais, Liturgia da Palavra, Liturgia Eucarística (ofertório e prefácios), o Rito da Comunhão e os Ritos Finais); apêndice do Rito da Missa (Bênçãos Solenes e Orações sobre o povo[6]
O missal distinguia-se no decorrer do calendário litúrgico pelo uso prático, isto é, um missal de serviço comum e serventia diária e pela aparência, num missal com capa de veludos, guarnições e fechos de prata. Estantes especiais e panos ricamente bordados envolviam os missais, valorizando-os e criando aparato, pois os missais estão destinados a figurar em cerimónias litúrgicas onde, em parceria com os paramentos, contribuíam para o brilho da liturgia.
Relativamente às gravuras que compunham e abrilhantavam as páginas dos missais, podemos afirmar que, por exemplo, na Architipographia Plantiniana, de Balthasaris Moreti, à qual pertence o exemplar que se encontram no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, e que é objeto deste estudo, emprega-se um leque bastante limitado de gravuras para cada uma das dez passagens bíblicas, ou seja, as mesmas gravuras eram usadas em várias edições dos missais da tipografia.
Depois desta abordagem sobre a Arte e a Companhia de Jesus seguimos a opinião de Pedro Dias:
«Foi com os Padres da Milícia que se iniciaram todas as correntes artísticas, da Renascença tardia ao fim do Barroco, e em todas as disciplinas, devido aos contactos constantes que tinham com os grandes centros artísticos da Europa, de onde vinham obras, artistas e projectos. Foram invariavelmente, até à sua extinção, os pioneiros na introdução das novidades estéticas».[7]
[1] BULA PONTIFÍCIA: O termo refere -se não ao conteúdo e à solenidade de um documento pontifício, como tal, mas à apresentação, à forma externa do documento, a saber, lacrado com pequena bola (em latim, “bulla”) de cera ou metal, em geral, chumbo (sub plumbo). Assim, existem Litterae Apostolicae (v. Carta Apostólica) em forma ou não de bula e também Constituição Apostólica em forma de bula.
[2] Documento pontifício que apresenta grande vigor, clareza e determinação, criado para proteger a Santa Missa dos ataques dos inimigos.
[3] Livro antigo que descrevia certas cerimónias religiosas, especialmente as relativas aos sacramentos. Com textos eucológicos ou orações.
[4] ALDAZÁBAL, José, Dicionário elementar de Liturgia, Lisboa, 2007, p.182,183.
[5] Disponível em: http://www.agencia.ecclesia.pt/catolicopedia/artigo.
[6] Toda a informação sobre a história da Liturgia e Livros Litúrgicos retirada de, BEJA. BISPO D. MANUEL FRANCO FALCÃO, Enciclopédia católica popular : espiritualidade : sagrada escritura : teologia : pastoral : liturgia : direito : moral, Lisboa, 2004.
No estudo sobre o livro antigo foi utilizado o livro de SANTOS, Maria Lucinda Tavares dos, PEREIRA, Isabel, PERICÃO, Maria da Graça, Livro Antigo, Museu de Aveiro, Aveiro, 1999.
[7] DIAS, Pedro, O espaço do Atlântico. In História da arte portuguesa no mundo 1415-1822, , p. 377.
Missal Romano

Museu/Instituição: Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Lisboa.
Super categoria: Artes Plásticas e Artes Decorativas
Categoria: Espólio Documental
Denominação: Livro Antigo
Título: [MISSALE, / ROMANUM / EX DECRETO SACROSANCTI, / CONCILI TRIDENTINI RESTITUTUM, / PII V. PONT. MAX. JUSSU EDITUM , / ET / CLEMENTIS VIII, PRIMUM, NUNCI DENUO / URBANI PAPǢ OCTAVI / AUCTORITARI RECOGNITUM /…]
Datação: Primeira metade do séc. XVIII (1732)
Centro de Fabrico: Antuérpia
Autor(es): Architipographia Plantiniana
Proveniência/incorporação: Noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus
Dimensões: 25 cm × 37 cm
Matéria: Prata [aplicações]; Madeira [encadernação da capa]; Seda [forro da capa]; Papel
Suporte: Veludo [Tecido]; Gravado [aplicações de prata]; Recortado [aplicações de prata]; Cinzelado [aplicações de prata]
Descrição: Missal com capa de madeira forrada a veludo verde com aplicações em prata; lombada de cinco nervos igualmente de veludo verde. Com friso de prata e ornamentos interiores envolventes em filigrana, com cabeças de anjos também em prata. A capa é centrada pela imagem do fundador da Companhia de Jesus, Santo Inácio de Loyola segurando com as mãos o livro da “Regra” da Companhia em que está inscrita a divisa AD MAIO DEI GLO REG SOC IESV, encimado por uma coroa e anjo, tudo em prata. Na contracapa a ornamentação é idêntica mas tendo ao centro a imagem de São Francisco Xavier com lírios, atributo alusivo à pureza.

Na primeira página o título encontra-se impresso em caracteres redondos de vários corpos a vermelho e preto, com gravura a preto e branco alusiva à Adoração do Santíssimo. Com identificação do centro de fabrico, autor e data de emissão. O texto do missal encontra-se impresso em caracteres redondos a vermelho e preto, disposto a duas colunas com iniciais capitais de desenho de fantasia e vinhetas ornamentais; várias gravuras a buril ornamentam o texto: a Anunciação, o Nascimento do Menino Jesus, o Calvário e a Ressurreição.
Podemos afirmar que este livro foi fabricado para a Companhia de Jesus devido à iconografia da sua capa. Além disso, a riqueza dos materiais usados revela ter sido um missal para ser usado em ocasiões especiais ou apenas para estar exposto.
Proveniência/incorporação: Noviciado da Cotovia da Companhia de Jesus, Lisboa
In VEIGA, Francisca Branco. Noviciado da Cotovia: O Passado dos Museus da Politécnica 1619-1759. Dissertação (Mestrado em Património Cultural) – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2009.