José Ferreira Borges e o periódico “O Correio Interceptado” 

O Correio Interceptado, de José Ferreira Borges (1786-1838), impresso em Londres, fazia parte da chamada imprensa da emigração portuguesa em Londres. Ferreira Borges foi uma personagem importante do liberalismo português, economista liberal e pensador político e jurídico, autor do Código comercial português, de 1833, desempenhou um papel de liderança na revolução de 1820 e foi nomeado Secretário do Interior do governo provisório.  Encontrava-se exilado em Inglaterra devido ao avanço que as forças absolutistas tinham tido em Portugal, desde 1823, e que puseram fim, após a Vilafrancada, ao primeiro governo liberal.

José Ferreira Borges [Visual gráfico] / Alves lithografou. Porto, 1840 . – [Lisboa?: s.n., 1840]. In BNP.

A obra, escrita sob a forma de cartas entre 1 de Novembro de 1825 e 24 de Agosto de 1826, num total de 63 cartas sobre diversos assuntos: política em Portugal, Grã-Bretanha, Estados Unidos, América Latina e Brasil, assuntos eclesiásticos, Alexandre I da Rússia, o comércio do vinho, papel moeda e bancário, a estátua equestre de D. José I na Praça do Cavalo Negro de Lisboa, os Açores, a censura, a medicina, etc. 

A polícia de D. Miguel teve um cuidado especial para com os exilados e as suas publicações, principalmente com as folhas de Londres. Referia Frei Fortunato de São Boaventura no O Defensor dos Jesuítas, em 1829: “…protestão, e jurão mover toda a qualidade de pedras”.

No centro de difusão da propaganda política liberal portuguesa em Londres, os escritos destinados a Portugal seguiam trâmites complicados.

Eram enviados, em sacos selados, para a embaixada brasileira, de Londres, daqui os remetiam como «correspondência oficial brasileira» ao secretário dos Negócios Estrangeiros inglês, o qual, por seu turno, os mandava como «bagagem diplomática», ou no navio correio ou num vaso de guerra inglês, ao cônsul de Inglaterra em Lisboa, que os confiava ao encarregado de negócios brasileiro, que os distribuía pelo país, não raro por intermédio de senhoras titulares.

O padre Benevenuto, que vivia em Londres, enviava instruções do «conselho de regência» a senhoras da nobreza, entre elas, a marquesa de Alorna, D. Leonor de Almeida Portugal (1750-1839), a baronesa do Alvito, D. Henriqueta Policarpa Lobo da Silveira Quaresma (1796 – 1858), a marquesa de Nisa, D. Eugénia Maria Josefa Xavier Teles de Castro da Gama (1776-1839), e a condessa de Ficalho, Eugénia Maurícia Tomásia de Almeida Portugal (1784-1859)[1], que por sua vez se dedicavam a fazer propaganda da revolução. Os revolucionários de Lisboa reuniam-se na casa do cônsul do Brasil, sendo este, mais tarde, expulso do país e a condessa de Ficalho internada no convento de Carnide[2]. Contava o Marquês de Fronteira que,

“As minhas parentas Marquezas de Angeja e de Castello Melhor, as Condessas de Ficalho e Ribeira Grande, minha cunhada D. Anna da Camara, e outras muitas, estavam encarceradas nos conventos mais apertados da capital e incomunicáveis, e os filhos d’algumas d’estas senhoras, que eram menores, estavam debaixo da tutela de indivíduos inteiramente estranhos á família”[3].

Assim se explica as razões da escolha de um periódico com um formato mais pequeno, nomeadamente o décimo segundo tamanho (a folha media 8 cm de largura por 13 cm de altura), para que não fosse detetado nas cartas em que era colocado e deste modo podesse entrar mais facilmente em Portugal.

Em Plymouth, onde até 1829 se encontrava a máquina geradora de novas formas de resistência ativa, Ferreira Borges editou o O Correio Interceptado com 63 cartas, integrando a ressonância da epifania dos liberais emigrados. É nestas circunstâncias que publica a carta intercetada nº 57, onde difama os jesuítas e alerta a sociedade portuguesa para uma possível entrada destes em território nacional. Na carta escrevia o seguinte:

“Cinco Jesuitas Francezes acabão, segundo me disseram, de embarcar-se para Lisboa com o nome de Padres Allemaens.

[…] A Lei que ordenou o seu extirminio está em vigor. – Uma Regencia não tem poder de revoga-la […]

Eu fico à espreita da realização deste attentado nacional; e a realizar- se protesto-lhe a mais solemne accusação contra o Ministro, que em minhas forças caiba”[4] .

Plymouth: Câmara Municipal e Igreja de Santo André.
Gravura do século XIX.

[1] PORTUGAL, Eugénia Maurícia Tomásia Almeida (1784-1859). [Consultado 2 novembro de 2016]. Disponível na internet em:  < http://www.inventarq.fcsh.unl.pt/index.php/almeida-eugenia-mauricia-tomasia-1784-1859&gt;

[2] MENEZES, Luís Miguel P. G. Cardoso de – “Os Patriotas Ficalhos e a Defesa do Liberalismo Constitucional”. In Revista Militar, n.º 2535, abril de 2013, pp. 343 – 364.

[3] FRONTEIRA, 7º Marquês de – Memorias do Marquês de Fronteira e de Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Parte 4ª: 1824 a 1833. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928, p. 300.

[4] Carta de Le Fouet para Snr. Ignacio de Loyola, em Lisboa. Havre de Grace, 7 de julho de 1826. In O Correio Interceptado. Londres: M. Calero, 1825, pp. 281-283.

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VEIGA, Francisca Branco (2023),  José Ferreira Borges e o periódico “O Correio Interceptado”  (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [30 de Outubro de 2023].

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VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus. O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)

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Rafael Bordalo Pinheiro

(Lisboa, 21 de março de 1846 — Lisboa, 23 de janeiro de 1905)

Nascido no dia 21 de março de 1846 em família de artistas, Rafael Augusto Prostes Bordalo Pinheiro , filho de Manuel Maria Bordallo Pinheiro (1815-1880) e D. Maria Augusta do Ó Carvalho Prostes, cedo ganhou o gosto pelas artes. 

Rafael Bordalo Pinheiro foi não só o maior caricaturista e desenhador humorista do século XIX português, como um dos mais importantes e significativos artistas da sua geração, a par do seu irmão Columbano e de José Malhoa.

Estruturalmente caricaturista, por gosto, por temperamento, não teve escolas, não seguiu métodos. Ele mesmo declarava em 1903, quando a Associação dos Jornalistas de Lisboa lhe fez uma grande homenagem nacional:

“Sabe porque comecei a fazer caricaturas? A razão é semelhante à que levou Justino Soares a professor de dança. O Justino a quem lhe perguntava porque tinha deixado o ofício e se tinha metido a dançarino respondia: O menino comecei a sentir um formigueiro nas pernas e vai puz-me a dançar. Ora comigo dá-se um caso idêntico. Comecei a sentir um formigueiro nas mãos e vai puz-me a fazer caricaturas…”

Espírito irrequieto, Bordalo não via a sociedade só pelas qualidades exteriores, ia mais longe, aprofundava o carácter da mesma, a tal ponto que, muitas vezes com apenas um traço e todo o desassombro da sua independência, dava a conhecer uma personagem.

A sua obra bem-humorada, reflete uma época cheia de tolerância, caracterizada pela «doce paz» do reinado de D. Luís, e que a história denominou de “paz podre”.

Foi caricaturista de raça, na fertilidade das suas obras e na imaginação que lhes impunha. Como jornalista, ele reproduziu a atualidade como ninguém. Entre 1870 e 1905 tornou-se na alma critica e muito assaz de todos os periódicos que dirigiu quer em Portugal, quer nos três anos que trabalhou no Brasil.

Espontâneo na caricatura será através da cerâmica que a sua individualidade também persistirá, tendo aceitado o convite para chefiar o setor artístico da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. O que notabilizou a interferência de Bordalo Pinheiro na faiança caldense foi o impulso estimulador de uma nova era de renascimento, que o artista transmitiu não só pelo exemplo, como ensinando a alguns artífices o desenho por eles completamente ignorado até então. Onde se revelava mais exuberantemente a sua boa influência era no apuramento e perfeição do esmalte e na unidade e riqueza da cor.

Ramalho Ortigão, depois de ver as peças criadas por Bordalo, declarou que a sua faiança era «um capítulo de Folclore português», tendo Bordalo «criado um novo estilo decorativo genuinamente nacional».

A história da sociedade portuguesa do último quartel do século XIX, nos seus múltiplos aspetos, está toda documentada nos seus jornais humorísticos. A política foi para ele um vício que satisfazia no Chiado, o seu «habitat», mas também uma ação cívica consciente e patriótica e, por isso, necessariamente crítica. E, acima de tudo, foi uma ação independente, alheia a partidos e seus interesses, mal vista por progressistas ou regeneradores e também, às vezes, pelos republicanos da sua simpatia. Em 1885, ele afirmava, «As minhas opiniões, boas ou más, não se subordinaram nunca ao “mot d’ordre”».

Por isso o povo (ou o «povinho») o chorou sinceramente, à sua morte, no dia 23 de janeiro de 1905.

Rafael Bordalo Pinheiro

A 12 de junho de 1875 criou a figura do Zé Povinho. É a figura de um homem comum eternamente explorado e enganado pelos políticos. Foi utilizado como símbolo dos republicanos, numa altura em que a República aflorava como esperança para a saída da profunda crise em que o país estava mergulhado. Nele se via a crítica mordaz ao pagamento de impostos, ao peso fiscal ou à espoliação por parte dos políticos.

Gravura:
Primeira caricatura do personagem “Zé Povinho”, in “A Lanterna Mágica”, nº 5, 12 de Junho de 1875.
Descrição:
Representa o Ministro da Fazenda, Serpa Pimentel, a sacar ao Zé Povinho uma esmola de três tostões para Santo António de Lisboa (representado por Fontes Pereira de Melo) com o “menino” (D. Luís I) ao colo, tendo ao lado o comandante da Guarda Municipal, de chicote na mão, presente para prevenir uma eventual resistência.

Tomou forma tridimensional pelas mãos do seu criador, na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, no último quartel do século XIX. Bordalo Pinheiro definiu-o da seguinte forma: “O Zé Povinho olha para um lado e para o outro e… fica como sempre… na mesma“.

CAIXA «ORA TOMA»
O recipiente tem a forma dum barril e a tampa representa o busto do Zé Povinho fazendo o gesto do «Toma». O busto pousa numa base circular com identificação em letras relevadas: TOMA
Barro vidrado policromo, com exceção do rosto que é apenas policromado.
Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Exemplar datado de 1904. Alt.: 255 mm

Caricatura de Zé Povinho e Rafael Bordalo Pinheiro na Estação Aeroporto do Metropolitano de Lisboa, 2012.