Santo António na produção escultórica nacional no séc. XVII

“Santo António”

Portugal, final do séc.XVII

Madeira estofada e policromada

Alt.: c. 1700 mm

Museu de São Roque, inv. nº43

Igreja de São Roque, capela de Santo António

A capela de Santo António, no interior da igreja de São Roque, em lisboa, foi fundada por Pero Machado de Brito, ficou parcialmente destruída com o terramoto de 1755 e foi restaurada no séc. XIX. Em talha dourada, é barroca no intradorso do arco e neoclássica no pano que fecha o retábulo. Tem duas esculturas, uma de Santo António e outra de S. Miguel e pinturas alusivas à vida de Santo António, de Vieira Lusitano.

A imagem do Santo apresenta-se, iconograficamente, completa nos seus atributos tradicionais. Vestido com o hábito de franciscano, com um livro na mão sobre o qual figura o Menino Jesus, que lhe terá aparecido várias vezes, em pé, virado para o santo utilizando um movimento corporal, e na outra mão um ramo de açucenas, símbolo da sua pureza. Este tipo de representação iconográfica foi muito utilizada e divulgada pela arte barroca no período da Contra Reforma.

Santo António, hoje celebrizado e lembrado quase que exclusivamente como “santo casamenteiro”, já ocupou diversos papéis no imaginário cristão de outrora. No séc. XVII ele figurava como “Farol da Igreja”, Defensor da fé”, “Martelo dos Hereges”, “Chave de Ouro”, “Oficina de Milagres”, “Padroeiro dos Impossíveis”, “Doutor Evangélico”, “Santo dos Casos e Coisas Perdidas”.

Nascido em Lisboa, aos quinze anos entrou para um convento de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, e em 1220, com vinte e cinco anos, impressionado pela pregação de alguns frades que conheceu em Coimbra enquanto estudava, trocou o seu nome por António e ingressou na Ordem dos Franciscanos. Viria a falecer em Pádua, onde foi sepultado em 1231. Foi canonizado um ano após ter falecido e, até finais do séc. XV, foi apenas venerado em Pádua.

Santo António detém o recorde de canonização da Igreja Católica: foi declarado santo menos de um ano decorrido sobre a sua morte, em 30 de Maio de 1232. É o santo padroeiro das cidades de Pádua e de Lisboa. Em 1934, o Papa Pio XI proclamou-o segundo padroeiro de Portugal, a par de Nossa Senhora da Conceição. Por fim, em 16 de Janeiro de 1946, o Papa Pio XII juntou o seu nome à lista dos Doutores da Igreja Católica.[1]

Produção escultórica nacional no séc. XVII

Caracterizando genericamente a produção escultórica nacional no séc. XVII denota-se uma clara opção por outros materiais que não a pedra. Os materiais eleitos pelos escultores portugueses são a madeira e o barro.

Na escultura em madeira reconhece-se quase exclusivamente imaginária sacra de carácter devocional, obedecendo às regras impostas pela Contrarreforma, saídas do Concílio de Trento, e que vão ser seguidas pelo maneirismo português.

Grande parte destas obras denunciam: desconhecimento quanto à representação anatómica; incapacidade de representação verosímil da corporeidade e da volumetria e, consequentemente, opção por soluções de representação simplistas e convencionadas; deficiente diferenciação dos materiais representados pela concepção de múltiplas texturas à superfície escultórica; incapacidade de representação de movimento com estaticidade, rigidez das figuras e respectivos panejamentos; opções iconográficas obedecendo a regras predefinidas; utilização intensiva da componente decorativa tornando-se uma escultura vivaz na diversidade policromática e na riqueza em ouro em detrimento das qualidades morfológicas relativas à massa e à textura.

A escultura do Santo António, da Igreja de São Roque, é uma escultura do ciclo do Maneirismo, onde este é representado com equilíbrio e síntese no tratamento volumétrico, com serenidade expressiva e gestual como convinha ás regras saídas da Contra-reforma. O hábito de franciscano foi decorado com apurados elementos florais e vegetalistas, em técnica de estofagem, distribuídos homogeneamente ao longo da veste. O sebasto, que atravessa diagonalmente a figura, realçado pelo dourado igualmente decorado de pequenas flores e ramagens, bem como os pregueados resultantes da suspensão do hábito pelo braço esquerdo, conferem um ritmo particular a esta escultura. O vestuário é completado com um cordão dourado à cintura.

Esta imagem faz uso da policromia. E o que é a policromia?

É o emprego de várias cores no mesmo trabalho. POLI + CROMIA = MUITAS CORES

“É a capa, ou capas, com ou sem preparação, realizadas com diferentes técnicas pictóricas e decorativas, que cobre total ou parcialmente esculturas, elementos arquitectónicos ou ornamentais, com o fim de proporcionar a estes objectos um acabamento ou decoração.”[2]

A Policromia, nesta peça, tem como finalidade revestir o volume tridimensional, completando-o e enriquecendo-o. O estofado, uma das técnicas de policromia mais complexas e de maior durabilidade e extensão, e da qual esta peça faz uso, é uma das técnicas mais vistosas, em que as cores se sobrepõem ao ouro, imitando os tecidos de ricos louvores, como os adamascados e brocados. Este trabalho de policromia combinado com o cinzelado dos tecidos criava um efeito de grande realismo, dando alguma volumetria à peça. A carnação era a última operação a realizar neste processo da policromia, mas o seu aparelho era o primeiro a fazer-se. A pintura das zonas desnudadas, carnação, valia-se de acabamentos mates e brilhantes pois assim podiam-se obter efeitos naturalistas de transparência. O rosto é muito bem tratado onde transparece uma grande dignidade de atitudes.

A produção escultórica nacional de seiscentos é preferencialmente obra de imaginários, produtores de arte sacra com funcionalidade devocional, mais do que de escultores. Os artistas e os artesãos organizavam-se em grémios profissionais de origem medieval. Cada grémio tinha estabelecido os seus estatutos através dos quais se controlava o trabalho e a comercialização das obras. Estes grémios tinham um motivo religioso vinculante, a devoção dos seus respectivos patronos, como por exemplo, S. Lucas que é o patrono do Grémio dos pintores. Em Portugal, os pintores e douradores de imaginária originavam autenticas dinastias, pois o título passava de pais para filhos, mantendo aberta a oficina durante várias gerações. Regra geral os pintores não assinavam as suas policromias, ainda que excepcionalmente se encontrem trabalhos assinados. Muitas esculturas não sendo assinadas pelos seus escultores, pelo menos de forma visível, acabam por selo no interior das imagens, o que não é o caso do Santo António, da Igreja de São Roque.


[1] Jorge Campos Tavare, Dicionário de Santos. Lello ed., 2001.

[2] Policromia: a escultura policromada religiosa dos séculos XVII e XVIII : estudo comparativo das técnicas, alterações e conservação em Portugal, Espanha e Bélgica. Congresso Internacional Policromia, Lisboa, 2002.

Patriarcado de Lisboa

Material: madeira

Autor: desconhecido

Datação: séc. XVII

Classificação: escultura

Descrição: escultura em madeira policromada e estofada, representando Santo António de Lisboa como frade franciscano, estando o Menino Jesus ao colo.

Portugal e a China nos séculos XVI e XVII

Representação de Chineses, in Jan Huygenvan Linschoten – Itinerario, Amsterdão, 1596.

[Jan Huyghen van Linschoten, filho de um notário público em Haarlem, emigrou para Sevilha e depois para Lisboa com o irmão quando tinha apenas 13 anos. Foi enviado para Goa, feitoria portuguesa na Índia, em 1583, onde procedeu à cópia ilícita de mapas náuticos portugueses. De volta à Holanda em 1595, Linschoten escreveu três livros relatando o seu conhecimento do “Oriente”. Esta imagem encontra-se inserida na sua terceira publicação Itinerario: Voyage ofte schipvaert van Jan Huyghen van Linschoten naer Oost ofte Portugaels Indien, 1579-1592, publicada em 1596 e traduzida para o inglês e o alemão dois anos depois].

Após a viagem de Vasco da Gama à Índia chegam a Lisboa notícias sobre a China e sobre as navegações chinesas no Índico, realizadas entre 1405 e 1433.

Dom vasco da Gama, conde da Vidigueira 2º Vice Rei de 2 de setembro 1524 até á sua morte em Cochim a 24 de dezembro de 1524

D. Manuel, em 1508, envia Diogo Lopes de Sequeira a Malaca com o objectivo de recolher informações sobre a China e os chineses.

A partir de 1511, após a conquista de Malaca, são feitos os primeiros contactos e é centralizado aqui o comércio português do Índico e dos mares da China.

Em 1513, Jorge Álvares penetra nos mares da China iniciando um período de intensas relações luso-chinesas.

Em 1515, em Malaca os portugueses ouvem falar de Macau, então conhecido pelo nome de Haojing, que significa Espelho de Ostra.

A partir desta data os portugueses procuram estabelecer relações diplomáticas com a China e obter um posto de comércio permanente na zona de Cantão.

Em 1517 é enviada à China a primeira embaixada, chefiada por Tomé Pires, com o intuito de estabelecer contactos políticos e diplomáticos que permitissem o comércio português na zona.

Assim, a instalação dos portugueses em Macau, em 1557, é fruto da conjugação de três factores essenciais: das condições internas e das relações internacionais estabelecidas pela dinastia reinante, Ming; do processo de aprendizagem dos portugueses nos mares da China; e da parceria de interesses comerciais que se estabeleceram entre chineses, portugueses e japoneses.

A China da dinastia Ming procura o monopólio do comércio externo marítimo através do controle da iniciativa privada das comunidades chinesas litorais e ultramarinas.

A crise fiscal e monetária da China, no tempo do imperador Jiajing  (1522-1566), e o consequente incremento da procura chinesa da prata, bem como a crescente produção da prata japonesa e a capacidade dos portugueses como intermediários, em parceria com chineses e japoneses, cria a possibilidade de Macau se tornar um entreposto, por onde passa a rota da seda, prata, porcelana, ouro e cobre.

Durante a ocupação filipina (1580-1640), o Império Português tornou-se muito fraco e desprotegido, visto que o Rei de Espanha, que era simultaneamente Rei de Portugal, não estava muito interessado em defender o Império Português. Estava mais interessado em defender e expandir o seu Império, em colonizar e controlar a América do Sul e em travar guerras com as outras potências europeias, nomeadamente a Inglaterra e a Holanda. Utilizou muitos recursos para manter estas guerras, em vez de utilizá-los para defender o nosso Império. Os inimigos de Espanha tornaram-se por consequência inimigos de Portugal. As colónias portuguesas sofreram inúmeros ataques dos ingleses, dos holandeses e dos franceses e muitas delas caíram nas mãos do inimigo.

Macau foi atacada em 1622 por 800 soldados holandeses. Eles desembarcaram na praia e avançaram com cautela para a Cidade, sofrendo pesado bombardeio de canhões da Fortaleza do Monte. A guarnição militar em Macau era pequena e muito inferior à força invasora holandesa. Após 2 dias de combate, no dia 24 de Junho, um padre jesuíta disparou um tiro de canhão e acertou com precisão, um vagão carregado de pólvora pertencente aos holandeses e foi assim que os militares de Macau derrotaram as forças invasoras. Dizem os registos portugueses que morreram algumas dezenas de portugueses e que morreram em combate ou afogados cerca de 350 holandeses. Para Macau, desprevenida, a vitória foi considerada um milagre. Após a vitória, os moradores de Macau passaram a comemorar o dia 24 de Junho, dia da vitória, como o “Dia da Cidade”. É também neste dia que se comemora o São João Baptista, o Padroeiro da Cidade. Conta a lenda que foi graças ao seu manto foram desviados os tiros dos inimigos, salvando a Cidade dos invasores holandeses.

Em 1640, em Portugal, quando a classe média e aristocracia, descontentes com o domínio espanhol e com o reinado de Filipe IV de Espanha (III de Portugal), quiseram restaurar a independência, pediram a D. João para encabeçar a causa. D. João aceitou a responsabilidade e a 1 de Dezembro deu-se o golpe contra Filipe III, sendo coroado Rei de Portugal a 15 de Dezembro de 1640.

Muitos mensageiros espalharam pelo país a notícia, levando consigo cartas para as autoridades de cada terra se encarregarem de aclamarem o novo rei. D. João IV enviou também diplomatas às principais cortes europeias com o objectivo de conseguir o reconhecimento da independência.

Na China, as notícias chegam dois anos depois. Em 30 Outubro de 1642 são enviadas cartas para Portugal, da Santa Casa da Misericórdia para dar a D. João IV os parabéns da aclamação. Também à registo de, em Agosto de 1643, uma Certidão de D. Sebastião Lobo de Sylveira Capitão Geral de Macau falando da felicidade dos Padres da companhia, aclamando D. João IV.

VASCONCELLOS, José Frazão de – A Aclamação del Rei D. João IV em Macau (Subsídios Históricos e Biográficos). Separata do N.º 53 do «Boletim da Agência Geral das Colónias. Agência Geral das Colónias, 55 páginas , 1929 (24 cm x 16,5 cm). Exemplar n.º 34 da tiragem de  125 exemplares numerados.

Macau é um espaço de pluralidade religiosa onde convivem com o cristianismo as várias expressões da religiosidade chinesa: o budismo, o daoísmo  e o confucionismo.

Os missionários jesuítas chegam à Ásia em 1542. Macau vai desempenhar um papel de centro difusor do cristianismo no Oriente. É a partir de Macau que partem as missões com destino ao Japão, à China e ao sueste asiático.

O Colégio de S. Paulo é a primeira universidade europeia na China, desenvolvendo cursos de artes, teologia, chinês, latim, matemática, astronomia, física, medicina, retórica e música. A impressão surge também ligada aos jesuítas e à difusão do cristianismo na China e no Japão. Em Macau imprime-se em três línguas: chinês, latim e português.

O cristianismo tem nesta parte do mundo uma forte dimensão cultural, tendo penetrado por esta via junto das elites chinesas.

Os primeiros tempos dos jesuítas na China foram essencialmente marcados pelo estudo da língua, pela observação atenta dos hábitos religiosos e sociais, pelo esforço de integração cultural e, sobretudo, por uma grande contenção nos gestos e nas palavras, a fim de não darem azo a qualquer suspeita de confronto susceptíveis de justificarem a sua expulsão do país. Mesmo assim muitas foram as injúrias, os desacatos e intrigas contra os membros da Companhia de Jesus levando a extremos, como por exemplo, ao martírio de alguns membros.

Os 120 Mártires da China

Memorial plaque for the 120 Martyr Saints of China at Saint Francis Xavier Church (Ho Chi Minh City)

[Os 120 Mártires da China, ou Agostinho Zhao Rong e 119 Companheiros, mártires na China, são mártires católicos da China e santos da Igreja Católica canonizados no dia 1 de Outubro de 2000 pelo Papa João Paulo II]