Joseph de Maistre e a Defesa dos Jesuítas na Rússia

Joseph de Maistre (1753-1821), pensador contrarrevolucionário e ultramontanista

Conde Joseph-Marie de Maistre (Saboia, 1 de abril de 1753 – Turim, 26 de fevereiro de 1821)
Carl Christian Vogel; 26 June 1788 – 4 March 1868)
1810

No domínio da religião, Joseph de Maistre foi um dos proponentes mais influentes do pensamento contrarrevolucionário ultramontanista no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa. Este pensador francês é autor da célebre frase «Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite» (“Toda a nação tem o governo que merece”), com a qual defendia a autoridade estabelecida anterior à Revolução francesa em todos os domínios: no Estado, enaltecendo a monarquia; na Igreja, enaltecendo os privilégios do papado; e no mundo, glorificando a providência divina.

A reflexão: «Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite» (“Toda a nação tem o governo que merece”), ideia que exprimiu numa carta de 1811, reflete de forma sintética o seu pensamento filosófico e político. Apesar da sua dureza, o axioma transcende rótulos e épocas: pode ser assumido por qualquer corrente, já que põe em causa a responsabilidade coletiva de um povo pelo regime sob o qual vive, seja ele justo ou injusto, em qualquer tempo e lugar.

A sua reação à Revolução e ao Iluminismo encontra-se caracterizada, segundo o historiador José Miguel Nanni Soares, “por uma excêntrica interação entre ‘jesuitismo’, iluminismo e filosofia das Luzes”. Esta aparente contradição revela a complexidade do pensamento de Maistre e a forma como conjugou diferentes correntes intelectuais para fundamentar as suas posições políticas e religiosas.

Joseph de Maistre era igualmente um vigoroso defensor da restauração do Reino da França, que considerava uma instituição legitimada por uma inspiração divina, intrinsecamente ligada à ordem natural do mundo. Sustentava que só o retorno à velha monarquia, sustentada por valores históricos e religiosos, poderia devolver estabilidade à nação após o abalo provocado pela Revolução Francesa.

Para além do seu ultramontanismo, Maistre argumentava de modo enfático a favor da supremacia do Papa não apenas em assuntos religiosos, mas também no campo político, advogando que a autoridade pontifícia representava um último baluarte contra o caos revolucionário. Segundo o seu entendimento, apenas regimes fundados na constituição cristã — enraizada nos costumes, instituições e tradições das principais sociedades europeias, especialmente nas monarquias católicas — seriam capazes de evitar as convulsões e violências que acompanham a implementação de projetos racionalistas.

A defesa entusiasta da autoridade estabelecida, que a revolução procurava destruir, expressava-se de modo abrangente: no Estado, ao promover a monarquia; na Igreja, ao valorizar os privilégios do papado; e, em última análise, no mundo, ao exaltar a providência divina como estrutural à ordem social e política

O apoio aos jesuítas na Rússia

Durante o período da supressão da Companhia de Jesus na Europa, os jesuítas encontraram na Rússia um raro refúgio, graças à proteção concedida inicialmente pela imperatriz Catarina II e, mais tarde, pelos seus sucessores. Nesta época, foram autorizados a manter as suas obras educativas e espirituais, chegando a transformar o Colégio de Polotsk em Academia pela autorização do czar Alexandre I em 1812. 

Tadeusz Brzozowski, (21 de outubro de 1749 – 5 de fevereiro de 1820) 

O envolvimento de Maistre com a Companhia de Jesus tornou-se particularmente evidente durante a sua permanência em São Petersburgo como embaixador do Reino da Sardenha. Em outubro de 1811, o padre Tadeusz Brzozowski, novo Superior da Ordem na Rússia, solicitou ao conde Razumovsky e ao príncipe Alexander Golitsyn (superprocurador do Santo Sínodo) autorização para que a escola de Polotsk adquirisse o estatuto de universidade autónoma, tornando-se assim o centro administrativo das instituições de ensino jesuíticas.

Academia de Polotsk (Colégio Jesuíta de Polotsk). Diário de guerra, 24 de julho de 1812, aquando da passagem do exército napoleónico por Polotsk. In 1: “Vom Ausmarsch bis Moskau”. Propriedade de Christian von Martens (1793-1882).  

Para reforçar a petição dos jesuítas, Maistre endereçou em 19 de outubro uma Mémoire sur la liberté de l’enseignement public (Memória sobre a liberdade do ensino público) a Golitsyn. Neste documento, o pensador defendia a utilidade político-pedagógica dos padres jesuítas – ferrenhos opositores daqueles que pretendiam derrubar os tronos e a cristandade – e criticava o monopólio estatal do ensino público.

Este episódio ilustra bem o compromisso de Joseph de Maistre com a causa jesuítica num momento em que a Companhia de Jesus se encontrava suprimida na maior parte da Europa. A Rússia constituía então um dos poucos refúgios onde a ordem podia continuar a existir legalmente, situação que se manteria até à restauração universal da Companhia em 1814.


Referências:

MAISTRE, Joseph de – Lettre à Monsieur le Chevalier de… 15 août 1811. In Lettres et opuscules inédits : précédés d’une notice biographique, par son fils, Rodolphe de Maistre, volume I, 1851.

MAISTRE, Joseph Marie, Conde de; BLANC, Alberto, Barão (ed.) – Correspondance diplomatique, tome 2. Paris: Michel Lévy frères, 1860, p.196.

PINHO, Arnaldo – “Portugal no contexto Eclesial Europeu, por alturas de 1820 a 1850”. In Catolicismo e liberalismo em Portugal: (1820-1850). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, p. 619.

SOARES, José Miguel Nanni – Considérations sur la France de Joseph de Maistre, Revisão (historiográfica) e Tradução, Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, pp. 5 e 79-80.

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VEIGA, Francisca Branco (2025), Joseph de Maistre e a Defesa dos Jesuítas na Rússia (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [26 de outubro de 2025].

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Catolicismo Liberal: o papel do jornal “L’Avenir” no século XIX

O jornal L’Avenir foi fundado em 1830 por Hugues Félicité Robert de Lamennais, juntamente com Henri-Dominique Lacordaire e Charles de Montalembert.

Surgiu na França pós-revolucionária, numa época em que a Igreja Católica procurava redefinir o seu papel na sociedade, perante as mudanças políticas e sociais do período.

O jornal defendia o chamado Catolicismo Liberal, que promovia:

  • Liberdade de consciência e de imprensa;
  • Separação gradual do Estado e da Igreja;
  • Direitos civis iguais para todos os cidadãos, incluindo protestantes;
  • Uma Igreja mais aberta às ideias modernas, mantendo a fé.

L’Avenir combinava religião e política, defendendo que a fé poderia conviver com as liberdades modernas – algo muito polémico para a época.

N°100 – Lundi 24 janvier 1831.

O primeiro número do jornal, que recebeu o subtítulo Dieu et la liberté (“Deus e a liberdade”), foi publicado a 16 de outubro de 1830.

Félicité de La Mennais, sacerdote francês do século XIX, foi uma figura central do Catolicismo Liberal. Inicialmente defensor do absolutismo monárquico e da autoridade papal (ultramontanismo), acabou por se afastar do tradicional galicanismo da monarquia francesa e abraçar ideias liberais e sociais.

Após a Revolução de 1830, fundou o jornal L’Avenir, um espaço que defendia a reconciliação entre Igreja e democracia, a liberdade de ensino e a separação entre Igreja e Estado. La Mennais era conhecido pelo seu carisma, inteligência e talento literário, atraindo à sua volta discípulos, sacerdotes e leigos, incluindo Philippe Gerbet e Henri Lacordaire.

Embora fosse o diretor do jornal, La Mennais não se ocupava da gestão quotidiana, preferindo orientar os colaboradores e escrever artigos que expressavam a sua visão de uma Igreja capaz de desempenhar um papel central na construção de uma sociedade mais democrática e fraterna.

Lacordaire, vestido de dominicano, no jornal L’Avenir da jovem França

Há muito convencido da necessidade de separar o catolicismo das compromissos políticos, Charles de Montalembert sentiu-se atraído pelo programa de L’Avenir enquanto viajava pela Irlanda. Escreveu então a um amigo:

“Finalmente, abrem-se agora belos destinos para o catolicismo. Libertado para sempre da aliança com o poder, irá recuperar a sua força, liberdade e energia originais. Quanto a mim, despojado de um futuro político, decido dedicar o meu tempo e os meus estudos à defesa desta nobre causa. Se me quiserem no L’Avenir, abandono tudo.”[0]

Henri Lacordaire, defensor de uma forte aliança entre o cristianismo e a liberdade civil e religiosa, sentia-se desapontado com o clero conservador que o rodeava. Próximo do abade Gerbet, conheceu Lamennais e ficou entusiasmado com as ideias do novo jornal L’Avenir. Inicialmente planeava partir para os Estados Unidos, onde a Igreja vivia em liberdade, mas a Revolução de 1830 atrasou a sua viagem.

Ao colaborar com L’Avenir, assumiu a maioria das funções de redação durante os primeiros dois meses. Nos seus artigos, destacou-se pelo tom firme e incisivo, criticando frequentemente o governo e os bispos nomeados pelo Estado. Muitas das expressões mais marcantes do jornal eram da sua autoria.

O jornal enfrentou forte resistência dentro da Igreja Católica tradicional. As ideias ousadas e o tom vigoroso do jornal, que incluíam críticas aos bispos, geraram oposição por parte de alguns membros do clero e causaram divisões no seio dos católicos franceses. Em resposta, o episcopado francês publicou várias cartas pastorais dirigidas ao público sobre o jornal, enquanto o governo confiscou dois números apenas cinco semanas após o seu lançamento, levando Lamennais e Lacordaire a julgamento por delitos de imprensa, sendo depois ambos absolvidos.

A publicação do jornal foi suspensa a 15 de novembro de 1831, sendo definitivamente encerrada a 15 de agosto de 1832, após a publicação da encíclica do Papa Gregório XVI, Mirari vos, acerca dos Males da separação da Igreja e do Estado.

“16. Mais grato não é também à religião e ao principado civil o que se pode esperar do desejo dos que procuram separar a Igreja e o Estado, e romper a mútua concórdia do sacerdócio e do império. Sabe-se, com efeito, que os amadores da falsa liberdade temeram ante a concórdia, que sempre produziu resultados magníficos, nas coisas sagradas e civis.”[1]

Devido às imensas criticas feitas por toda a Europa, dois anos mais tarde o papa achou necessário editar outra encíclica, a Singulari Nos, criticando a resposta de Lamennais à Mirari Vos:

“Cegos, na verdade, a conduzirem outros cegos, são esses homens que inchados de orgulhosa ciência, deliram a ponto de perverter o conceito de verdade e o genuíno conceito religioso, divulgando um novo sistema, com o qual, arrastados por desenfreada mania de novidades, não procuram a verdade onde certamente se acha; e, desprezando as santas e apostólicas tradições, apegam-se a doutrinas ocas, fúteis, incertas, reprovadas pela Igreja, com as quais homens estultíssimos julgam fortalecer e sustentar  a verdade (Gregório XVI, Encíclica Singulari Nos 7 Jul. 1834)”[2].

 Segundo Lamennais, assinar uma declaração de submissão ao Papa equivaleria a reconhecer a infalibilidade individual do Papa e a considera-lo como Deus[3]. Após ter deixado a Igreja, escreve a obra Paroles d’un Croyant (1834) criando grande tumulto no seio do catolicismo, sendo condenada por Roma na Encíclica Singulari Nos, com o subtítulo Sobre os erros de Lamennais, em julho de 1834.

L’Avenir de Lamennais não era apenas um periódico: foi um instrumento simbólico do debate entre tradição e modernidade dentro do Catolicismo no século XIX.

XXXXX

[0] Lettre de Charles de Montalembert à Gustave Lemarcis,  10 septembre 1830, in Lecanuet, R.P. E., Charles de Montalembert: Journal intime inédit, vol. I, Paris, de Gigord, 1895-1901, p. 133.

[1] Gregório XVI – Carta Encíclica MIRARI VOS, 14 de agosto de 1832, sobre os principais erros, ponto 16: Males da separação da Igreja e do Estado. PAPAL ENCYCLICALS, [Consultado 26 jul. 2012]. Disponível na internet em: <http://www.papalencyclicals.net/Greg16/g16mirar.htm&gt;.

[2] Carta Encíclica Pascendi Dominici Gregis, do Sumo Pontífice Pio X Aos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e Outros Ordinários em Paz e Comunhão com a Sé Apostólica sobre as Doutrinas Modernistas. [Consultado 18 set. 2011]. Disponível na internet em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis_po.html

[3] CONSTANTIN, C. – “Libéralisme Catholique”. In VACANT, A.; MANGENOT, E.; AMANN, E. – Dictionnaire de Théologie Catholique, vol. IX. Paris: Letouzey et Ané, 1926, pp. 2495-2497. Sobre a ideia geral, origens e história do liberalismo católico na Europa, veja-se inclusive, VACANT, A.; MANGENOT, E.; AMANN, E. – Dictionnaire de théologie catholique: contenant l’exposé des doctrines de la théologie catholique leurs preuves et leur histoire, vol I. Paris: Letouzey et Ané, 1903, pp. 506-630.

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VEIGA, Francisca Branco, L’Avenir: O Jornal do Catolicismo Liberal no Século XIX (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [30 de agosto de 2025].

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VEIGA, Francisca Branco, A Restauração da Companhia de Jesus em Portugal 1828-1834. O breve regresso no reinado de D. Miguel. Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de História Contemporânea, FLUL, 2019.

Tradição e Resistência: A Força do Tradicionalismo Contrarrevolucionário Pós-Revolução Francesa

Não surgimos, pois, de improviso,

desbaratando os ídolos com a intrepidez da nossa convicção.

Para trás, ao longo das caminhadas ásperas de Portugal,

bastantes espíritos nos anunciaram,

numa anciã dolorida de perscrutarem as incertezas do futuro.”

António Sardinha, Na Feira dos Mitos[1]

Foi após a Revolução Francesa que se começou a estruturar o movimento tradicionalista e contrarrevolucionário, como resposta firme às ideias liberais e maçónicas que então ganhavam terreno. No Congresso de Viena, procurou-se o retorno à velha ordem, e Friedrich Carl von Savigny destacou-se como um dos principais responsáveis pela afirmação da Tradição e da sacralidade do passado.

Luís Reis Torgal define este movimento como um conservadorismo absoluto que visa preservar uma ordem política historicamente estabelecida, contra o impulso inovador do liberalismo, defendendo o absolutismo régio, a hierarquia social tradicional, o catolicismo integral e uma cultura ortodoxa alinhada com os princípios da Igreja [2].

Para os contrarrevolucionários, havia uma clara distinção entre as sociedades naturalmente formadas e estabilizadas pela História e aquelas implantadas abruptamente por “artifícios”. Na viragem para o século XIX, surgem pensadores que reagem às doutrinas iluministas – o cientificismo, o racionalismo, o ateísmo e o progressismo –, as quais procuravam derrubar as instituições tradicionais do Antigo Regime. Em contraponto, exalavam a tradição e o passado como garantias da conservação política e social, com a religião e a Igreja tradicionais no centro dessa promessa de estabilidade.

O historiador Eric Hobsbawm sintetiza esta visão afirmando que a crítica contrarrevolucionária ao liberalismo se baseava na defesa da ordem social contra o que consideravam uma anarquia competitiva destruidora das comunidades essenciais à vida humana[3] .

Um dos expoentes desta corrente foi Edmund Burke (1729-1797), considerado o fundador do conservadorismo moderno. Parlamentar pelo Partido Whig na Grã-Bretanha, Burke criticou severamente os excessos da Revolução Francesa na obra Reflections on the Revolution in France (1790). Para ele, a história representa um património acumulado de tradições, moral e prudência, e não meras construções intelectuais abstratas. Burke preferia a ordem sustentada pela paixão humana e pelo costume, rejeitando o racionalismo iluminista como fundamento da política [4].

Na defesa do binómio Trono e Altar, destacou-se ainda o padre jesuíta Augustin Barruel (1741-1820), que denunciou a Maçonaria como conspiradora da Revolução Francesa e dos seus desígnios anticlericais e contrários ao absolutismo tradicional. A Revolução Francesa levou-o a procurar refugiu na Grã-Bretanha. Aí, ele escreveu, como contrarrevolucionário, crítico do jacobinismo e da Maçonaria, Histoire du clergé pendant la Révolution française (1793), dedicando o trabalho à nação inglesa, como reconhecimento da hospitalidade que ela havia mostrado para com os eclesiásticos franceses.

Escreveu também Mémoires pour servir à l’Histoire du Jacobinisme, em5 volumes (1800), denunciando a Maçonaria como responsável pela Revolução. O Abade de Barruel está, deste modo, ligado à política absolutista, identificando a estrutura das sociedades secretas como uma afronta aos princípios políticos do Antigo Regime.

Barruel exerceu grande influência em Portugal, onde as suas obras serviram de arma intelectual contra as ideias liberais e maçonas até 1834, como foi o caso do Arcebispo de Évora, Fr. Fortunato de São Boaventura e do galego Padre Buela[5].

Paralelamente, figuras como Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), afirmaram uma conceção política estruturalmente religiosa, defendendo a indissociabilidade entre fé católica, autoridade régia e ordem social hierárquica. Maistre, com a sua célebre frase “Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite”, reafirmou o papel sagrado do papado e a providência divina como sustentáculos da ordem europeia restaurada[6] .

Outros nomes como Lamennais (1782-1854) no domínio da filosofia, Ferdinand Eckstein (1790-1861) na história, ou o teorético conde de Ferrand (1751-1825), defensor do retorno à constituição tradicional da França, e o visconde de Chateaubriand (1768-1848), autor de Le Génie du Christianisme (1802), compuseram o coro ideológico do conservadorismo católico, legitimando a resistência contra as forças revolucionárias com uma argumentação que misturava valores morais, religiosos e sócio-políticos estáticos.

Armando Malheiro da Silva lembra que,  “… o que está em jogo é o discurso ideológico (um misto complexo de valores morais e religiosos, de princípios sócio-políticos estáticos, de representações legitimadoras do ‘status quo’, de conhecimentos empíricos, etc.) fabricado para o combate imediatista e sem tréguas contra as ‘noções destrutivas’ do filosofismo, do maçonismo, do revolucionarismo…”[7].

Este vasto conjunto de pensadores e movimentos serviu de alicerce intelectual ao tradicionalismo contrarrevolucionário que moldou a Europa pós-Revolução Francesa, sustentando a defesa da monarquia católica, da autoridade pontifícia e dos privilégios da aristocracia e da Igreja.

XXXX

[1] SARDINHA, António – Na feira dos mitos: ideias & factos, p. 30.

[2] TORGAL, Luís Reis – “O Tradicionalismo Absolutista e Contra-Revolucionário e o Movimento Católico”, p. 228.

[3] HOBSBAWM, Eric J. – A Era das Revoluções, p. 248.

[4] BURKE, Edmund; MOREIRA, Ivone (trad.) – Reflexões sobre a Revolução em França, 2015.

[5] LOUSADA, Maria Alexandre; FERREIRA, M. de Fátima Sá e Mello – D. Miguel, p. 170.

[6] MAISTRE, Joseph Marie, Conde de; BLANC, Alberto, Barão (ed.) – Correspondance diplomatique, tome 2. Paris: Michel Lévy frères, 1860, p.196.

[7] SILVA, Armando Barreiros Malheiro da – Miguelismo: ideologia e mito, p. 7.

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VEIGA, Francisca Branco, Tradição e Resistência: A Força do Tradicionalismo Contrarrevolucionário Pós-Revolução Francesa (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [20 de agosto de 2025].

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VEIGA, Francisca Branco, Companhia de Jesus. O Breve Regresso no Reinado de D. Miguel. Ed. Autor, 2023, 437 p. (Livro disponível na Amazon.es)

1814, MÉMOIRES DO CONSERVADORISMO EUROPEU NUMA EUROPA EM TRANSIÇÃO PARA O LIBERALISMO

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar o processo histórico legitimista e contrarrevolucionário estabelecido em 1814, após as reformas expansionistas e liberais implementadas por Napoleão Bonaparte, mais concretamente a defesa do princípio da legitimação reclamada pelos filósofos conservadores e defensores do tradicionalismo como Edmund Burke, Barruel, Louis Bonald ou Joseph de Maistre e a Companhia de Jesus, como a “alma” da contrarrevolução.

Foi seguida uma metodologia cronológico-evolutiva na reconstrução do período histórico em análise, seguindo os estudos de historiadores de relevo para a história política e religiosa.

O “novo” projeto europeu saído do Congresso de Viena serviu como instrumento factual na afirmação dos ideais tradicionalistas e conservadores, mas «as velhas casas dinásticas», tinham o destino traçado perante os ideais do liberalismo.

Palavras-chave: Congresso de Viena; conservadorismo; filosofia contrarrevolucionária; Companhia de Jesus; D. João VI.

Abstract

This article aims to analyze the legitimist and counter-revolutionary historical process established in 1814, after the expansionist and liberal reforms implemented by Napoleon Bonaparte, more specifically the defense of the principle of legitimation claimed by conservative philosophers and defenders of traditionalism such as Edmund Burke, Barruel, Louis Bonald or Joseph de Maistre and the Society of Jesus, as the “soul” of the counterrevolution.

A chronological-evolutionary methodology was followed in the reconstruction of the historical period under analysis, following the studies of important historians in political and religious history.

The “new” European project that emerged from the Congress of Vienna served as a factual instrument in the affirmation of traditionalist and conservative ideals, but “the old dynastic houses” had their destiny set before the ideals of liberalism.

INTRODUÇÃO

Le congrès de Vienne.
ISABEY Jean-Baptiste (1767 – 1855). Musée du Louvre

Após Waterloo as monarquias conservadoras depostas/exiladas voltam a subir ao trono, pretendendo-se o restabelecimento do princípio da legitimidade monárquica. O programa de uma Santa Aliança como mecanismo regulador terá então como objetivo a contenção de novos focos revolucionários.

O novo concerto europeu reagia contra as novas doutrinas iluministas (o cientificismo, o racionalismo, o ateísmo ou o progressismo que se instalaram na doutrina do iluminismo), que pretendiam derrubar as instituições tradicionais do Antigo Regime. À crítica à política racional aliam o elogio sistemático da tradição e exaltação do passado onde a religião e a Igreja tradicionais eram vistas como garantia da conservação política e social.

Ao cabo de mais de quatro décadas de supressão, em 1814 «O mundo católico exige com unanimidade o restabelecimento da Companhia de Jesus». Assim sustentava o Papa Pio VII, por meio da Bula Pontifícia Sollicitudo omnium Ecclesiarum, lida no dia 7 de agosto de 1814 na Igreja de Gesù, restabelecendo a Companhia no mundo.

Embora renascida num contexto político diferente e numa sociedade em processo de secularização, vai servir o ideário restaurador da Santa Aliança. Tendo ainda em mente o antigo modelo de cristandade e de sociedade, a Companhia de Jesus manteve-se substancialmente a mesma tanto na sua espiritualidade como na sua idealização face ao poder centralizador. Em Portugal, a memória negativa dos Jesuítas persistia no governo de D. João VI, encontrando-se enraizada na elite intelectual.

As explicações metafísicas do mundo já não se coadunavam com o mundo da experiência e com a consciência crescente do condicionalismo histórico do respetivo momento.

Este artigo explorará e examinará o processo histórico e o movimento ideológico tradicionalista, adotado após as reformas expansionistas e liberais implementadas por Napoleão Bonaparte.

A literatura que se seguiu dos diversos conservadores e defensores do tradicionalismo como Edmund Burke, Barruel, Louis Bonald ou Joseph de Maistre,  serviu de sustentação na clarificação ideológica assumida na restauração das monarquias, neste período de paz relativa, contra os «embriões revolucionários que existem mais ou menos em todos os Estados da Europa» (Hobsbawm  2001; Rémond 1994; Baumer 1990).

Depois de fazer um levantamento bibliográfico do tema sentimos ser pertinente efetuar uma nova recolha de informação que torne evidente as palavras-chave aqui destacadas: Congresso de Viena; conservadorismo; filosofia contrarrevolucionária; Companhia de Jesus; D. João VI., com uma nova perspetiva de análise que o tema merece, tendo como enfoque principal a luta contra a reivindicação das liberdades, na defesa dos ideais conservadores e de manutenção do status quo que a Igreja Católica Romana estatuíra.

Podendo delimitar o estudo do objeto de análise do presente artigo, no contexto europeu, no período representativo do Congresso de Viena, o caso em concreto do corpus deste artigo focar-se-há na génese e maturação do tradicionalismo filosófico-político, doutrinário e contrarrevolucionário e na restauração da Companhia de Jesus como representantes da “alma” da contrarrevolução.

Como orientação na organização da nossa análise histórica, optámos por uma abordagem interpretativa e demonstrativa do processo histórico e da causalidade desse processo na construção do projeto europeu,, sob a égide de monarquias conservadoras e de alianças entre o Trono e o Altar.

Este estudo busca lançar luz sobre a complexa e velha estrutura que moldou o destino da nova Europa do Congresso de Viena. …

In Mátria XXI, nº 13, 2024

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VEIGA, Francisca Branco (2024), 1814, MÉMOIRES DO CONSERVADORISMO EUROPEU NUMA EUROPA EM TRANSIÇÃO PARA O LIBERALISMO (blogue da autora Francisca Branco Veiga). Disponível em: https://franciscabrancoveiga.com/ [11 de Junho de 2024].